Negrinho do Pastoreio,
Venho acender a velinha
que palpita em teu louvor.
A luz da vela me mostre
o caminho do meu amor.
Essa é a primeira estrofe do belo poema “Oração ao Negrinho do Pastoreiro”, escrita por um poeta gaúcho sobre quem vamos falar agora nesse texto dedicado à poesia. Hora de conhecer um pouco mais sobre a vida e a obra do poeta, jornalista, ensaísta e memorialista Augusto Meyer.
Origem
Augusto Meyer nasceu em Porto Alegre, no dia 24 de janeiro de 1902. Era filho de Augusto Ricardo Meyer e Rosa Feldmann, imigrantes alemães.
Fez o estudo fundamental no Colégio Anchieta, na sua cidade natal, mas interrompe com os estudos regulares para se dedicar ao estudo das línguas e da literatura. Em paralelo começa a trabalhar em seus primeiros escritos literários.
A literatura
Em 1919, aos 17 anos, publicou seu primeiro conto “O Pastelão”, na revista ‘A Máscara’. A qualidade de seu trabalho levou à publicação de seu primeiro livro de poesia, “A Ilusão Querida”. Após esse começou vieram inúmeras outras geniais obras como:
Poesia
– A ilusão querida – 1923
– Coração verde – 1926
– Giraluz – 1928
– Duas orações – 1928
– Poemas de Bilu – 1929
– Sorriso interior – 1930
– Literatura & poesia, poema em prosa – 1931
– Poesias 1922-1955 – 1957
– Antologia poética – 1966
Crítica e ensaios
– Machado de Assis – 1935
– Prosa dos pagos – 1943
– À sombra da estante – 1947
– Le Bateau ivre. Análise e interpretação – 1955
– Preto & Branco – 1956
– Gaúcho, história de uma palavra – 1957
– Camões, o bruxo e outros estudos – 1958
– A chave e a máscara – 1964
– A forma secreta – 1965
Folclore
– Guia do folclore gaúcho – 1951
– Cancioneiro gaúcho – 1952
– Seleta em prosa e verso – 1973
Memorialista
– Segredos da infância – 1949
– No tempo da flor – 1966
Além da literatura, Meyer fez um grande trabalho como jornalista, atuando em jornais como o ‘Diário de Notícias’ e o ‘Correio do Povo’ e dirigiu a revista ‘Madrugada’, que tratava de literatura. Ele também trabalhou no suplemento literário do jornal ‘O Estado de São Paulo’.
Em 1937 veio para o Rio de Janeiro para, a convite do presidente Getúlio Vargas, trabalhar na criação do Instituto Nacional do Livro (INL), do qual foi o primeiro Diretor. Esse era o órgão responsável pela condução da política nacional para as bibliotecas e os livros. Meyer dirigiu o Instituto até 1956, depois voltou a estar à frente do INL no período de 1961 a 1967.
Augusto Meyer também coordenou a cadeira de Estudos Brasileiros na Universidade de Hamburgo, na Alemanha, além de ter sido adido cultural do Brasil na Espanha.
Mesmo desempenhando várias funções profissionais, nunca abandonou a literatura, que sempre esteve presente na sua vida. Essa construção de sua rica obra lhe rendeu os seguintes prêmios:
– Prêmio Filipe de Oliveira, categoria Memórias – 1947
– Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto de sua obra – 1950
Academia
Com uma obra ampla e de muita qualidade literária, além dos trabalhos como jornalista e na defesa da literatura à frente do INL, acabou eleito para a ABL (Academia Brasileira de Letras), em 1960, onde ocupou a cadeira número 13, sucedendo ao diplomata e escritor Hélio Lobo.
A poesia
A poesia sempre foi uma referência no trabalho de Augusto Meyer, que introduziu um cunho regionalista em seus poemas, sendo um expoente do modernismo do Rio Grande do Sul ao lado de Mário Quintana e Raul Bopp. Ele trabalhou muito com o folclore gaúcho. Conheça a poesia “Oração ao Negrinho do Pastoreio”, com a qual iniciei esse texto.
Negrinho do Pastoreio,
Venho acender a velinha
Que palpita em teu louvor.
A luz da vela me mostre
O caminho do meu amor.
A luz da vela me mostre
Onde está Nosso Senhor.
Eu quero ver outra luz
Na luz da vela, Negrinho,
Clarão santo, clarão grande
Como a verdade e o caminho
Na falação de Jesus.
Negrinho do Pastoreio
Diz que você acha tudo
Se a gente acender um lume
De velinha em seu louvor.
Vou levando esta luzinha
Treme-treme, protegida
Contra o vento, contra a noite…
É uma esperança, queimando
Na palma da minha mão.
Que não se apague este lume!
Há sempre um novo clarão.
Quem espera acha o caminho
Pela voz do coração.
Eu quero achar-me, Negrinho!
(Diz que você acha tudo!)
Ando tão longe, perdido…
Eu quero achar-me, Negrinho:
A luz da vela me mostre
O caminho do meu amor.
Negrinho, você que achou
Pela mão da sua Madrinha
Os trinta tordilhos negros
E varou a noite toda
De vela acesa na mão
(Piava a coruja rouca
No arrepio da escuridão,
Manhãzinha, a estrela d’alva
Na voz do galo cantava,
Mas quando a vela pingava,
Cada pingo era um clarão),
Negrinho, você que achou,
Me leve à estrada batida
Que vai dar no coração!
Ah! os caminhos da vida
Ninguém sabe onde é que estão!
Negrinho, você que foi
Amarrado num palanque,
Rebenqueado a sangue pelo
Rebenque do seu patrão,
E depois foi enterrado
Na cova de um formigueiro
Pra ser comido inteirinho
Sem a luz da extrema-unção,
Se levantou saradinho,
Se levantou inteirinho:
Seu riso ficou mais branco
De enxergar Nossa Senhora
Com seu Filho pela mão!
Negrinho santo, Negrinho,
Negrinho do Pastoreio,
Você me ensine o caminho,
Pra chegar à devoção,
Pra sangrar na cruz bendita
Pelo cravos da Paixão.
Negrinho santo, Negrinho,
Quero aprender a não ser!
Quero ser como a semente
Na falação de Jesus,
Semente que só vivia
E dava fruto enterrada,
Apodrecendo no chão.
Augusto Meyer faleceu no dia 10 de julho de 1970, no antigo Estado da Guanabara, no Rio de Janeiro.
Genial regionalista
Muito apegado às raízes gaúchas, Augusto Meyer destacou o folclore, a vida e a sociedade gaúcha em sua obra, fundamental para a poesia brasileira do século XX.
Ele foi grande para a literatura não só pelos livros que escreveu, mas também pelo trabalho que desenvolveu no Instituto Nacional do Livro, por mais de duas décadas, onde defendeu e criou políticas para as bibliotecas e os livros.
É, sem dúvida, um dos grandes nomes da nossa literatura, que mercê ser lembrado e reverenciado.