Não à censura de “O Avesso da Pele”. Viva a literatura

Esse mês de março de 2024 trouxe, infelizmente, uma notícia muito ruim para o mundo da literatura, envolvendo o livro “O Avesso da Pele”, de Jeferson Tenório. A obra teve o recolhimento determinado nas escolas dos Estados do Paraná, Mato Grosso do Sul e Goiás, por determinação das respectivas secretarias estaduais de educação.

A celeuma surgiu quando o livro começou a sofrer críticas nas redes sociais por aquilo que esses críticos consideravam “vocabulário de baixo nível”. Até aí, nenhum problema, pois as pessoas têm direito a ter suas opiniões e expressá-las. Isso faz parte do processo democrático que todos nós tanto prezamos. Opiniões divergentes são normais, desde que respeitadas.

O problema é que a partir dessas críticas, foram se sucedendo uma sequência de ações no sentido de censurar, sim não temos outra palavra a usar, censurar a obra de Jeferson Tenório. Infelizmente essa é a palavra a ser usada, não há outra.

 Acompanhem a sequência dos fatos:

– Após as críticas, alguns parlamentares de pronunciaram com críticas ao livro;

– No Rio Grande do Sul a 6ª Coordenadoria Regional de Educação orientou a retirada do livro das bibliotecas escolares. Depois a Secretaria Estadual de Educação afirmou que não havia determinado tal ação;

– No Paraná o recolhimento do livro foi determinado por ofício da Secretaria de Educação, para que a obra passe por uma “análise pedagógica e posterior encaminhamentos”;

– No Mato Grosso do Sul, a Secretaria de Educação promoveu o recolhimento da obra, sob a alegação de que a linguagem utilizada em trechos do livro era imprópria para menores de 18 anos;

– Já em Goiás, a Secretaria de Educação impôs o recolhimento do livro para “leitura e análise com vistas a definir se o livro poderá ou não ser distribuído”.

Um fato interessante, que precisa ser destacado, quando analisamos as atitudes das secretarias estaduais de educação é que o livro “O Avesso da Pele” foi incluído no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), do Ministério da Educação, em 2019, após passar por uma seleção. Foi o próprio governo, a partir da análise da obra, quem incluiu o livro em um programa oficial, definindo que esse era um livro cuja leitura poderia ser indicada aos alunos.

É difícil entender a lógica quando o MEC recomenda o livro e algumas secretarias estaduais de educação determinam o recolhimento dele. Qual critério deve prevalecer?

Infelizmente, quando analisamos a temática do livro, que gira em torno de racismo e violência, fica mais fácil de entender o motivo da atitude, ou seja, ocorreu um ato de censura à obra de Jeferson Tenório.

O Avesso da Pele

O livro relata a história de Pedro, que vê seu pai morrer assassinado em uma abordagem policial e tenta entender os acontecimentos a partir do resgate do passado familiar e dos caminhos trilhados pelo pai.

É um relato duro, mas ao mesmo tempo sensível, da realidade de um homem negro em um país racista, que busca entender a sua origem, que vê sua estrutura familiar abalada pela realidade dos fatos em um país que vive sob uma ótica de racismo velado e, muitas vezes, explicito.  

Obra premiada

Antes que alguém venha dizer que a defesa do livro contra a ação de censura é coisa de “esquerdista”, quero lembrar que essa é obra premiada. Em 2021, ele foi vencedora do Prêmio Jabuti, considerada a mais importante premiação literária do Brasil, o que não é pouca coisa.

Lamentável censura

Ressaltando mais uma vez, o viés da crítica à censura do livro não é político, mas literário. É o tipo de ação que não pode ocorrer em um país que se coloca como democrático, como é o caso do Brasil.

Precisamos, de uma vez por todas, encarar nossos problemas de frente. Em pleno século XXI não cabe o discurso de que a obra carece de melhor análise para poder ser liberada para a leitura de jovens.

Se o livro de Jeferson Tenório relatasse a história de um homem branco, sem abordar questões como racismo e violência, será que ele também sofreria censura?

Está na hora de nos assumirmos de uma vez, ou somos um país efetivamente democrático, em que as escolhas são respeitadas, onde as pessoas não são julgadas por sua cor de pele ou nos assumimos como um país discriminador e racista. Desta forma, todos terão a clareza do que ocorre e do que é preciso ser feito para mudarmos esse quadro, que muitas vezes é “varrido para baixo do tapete”.

Uma coisa restou de positivo nessa triste história, o movimento de censura ao livro despertou a curiosidade e a solidariedade ao autor e sua obra. O resultado é que, no momento, “O Avesso da Pele” está entre os livros mais vendidos no Brasil. Viva!

Chega de cinismo!

Não à censura!

Não ao racismo!

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Escritor Carlos Carvalho

Carlos Carvalho

Sou escritor, amante de literatura e apaixonado pelos mistérios criados por Agatha Christie. Escrevo contos, poesias e romances. Sendo o Romance Policial meu gênero literário preferido. Sou formado em Jornalismo e pós-graduado em Assessoria de Imprensa e Comunicação Empresarial.

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