Poesia, esse é o assunto de hoje. Vamos falar de poesia e de um poeta que talvez não tenha alcançado a fama como outros autores conquistaram, mas que não deixa de ter grande importância para a literatura brasileira por conta de uma obra extremamente inovadora para sua época.
Agora vamos conhecer um pouco a vida e a obra de Joaquim de Sousa Andrade ou Sousândrade como ele gostava de ser chamado e era conhecido esse poeta maranhense.
Sousândrade
Joaquim de Sousa Andrade nasceu na cidade de Alcântara, no Maranhão, no dia 9 de julho de 1832. Oriundo de uma família de comerciantes de algodão, que na época era um dos principais produtos de exportação da economia brasileira, de boa condição financeira, e, por isso, teve uma ótima formação e pode estudar na Europa. Sousândrade formou-se em Letras pela famosa Universidade de Sorbonne, na França, onde também chegou a frequentar o curso de Engenharia de Minas, que não concluiu.
O poeta aproveitou esse período na Europa para viajar por diversos países como Alemanha, Inglaterra e Portugal e conhecer a obra de grandes poetas como Baudelaire, Hördelin Keats e Cesário Verde, que teriam influência em seu trabalho literário.
Em 1870, depois de sua passagem pela Europa, Sousândrade foi morar nos Estados Unidos, em Nova Iorque, onde ficaria até 1879. Nesse período trabalhou no periódico ‘O Novo Mundo’, dirigido por José Carlos Rodrigues, onde foi secretário. Junto com ele foram para os Estados Unidos sua esposa Mariana de Almeida e Silva, a filha do casal Maria Bárbara, e a outra filha do poeta Valentina.
Após esse período ele retorna ao Brasil, ao Maranhão, quando vai aderir, com muito entusiasmo, ao movimento republicano. Em 1890 foi prefeito de São Luís, época em que realizou uma reforma no ensino, criando as escolas mistas. Foi dele o desenho da bandeira do Maranhão e ele também foi presidente da Comissão que elaborou o projeto de Constituição do Estado.
Literatura
Dono de uma vasta cultura, Sousândrade pertenceu à terceira geração do romantismo e desenvolveu uma escrita inovadora para a época, que teria muita influência na poesia brasileira do século XIX. A publicação de seu primeiro livro, “Harpas Selvagens”, ocorreu em 1857. Depois seriam lançadas as seguintes obras:
– Obras Poéticas – 1874
– Guesa Errante – 1884
– Harpa de Ouro – 1889
– Novo Éden – 1893
O livro “Guesa Errante” é considerado a grande obra de Sousândrade. Com uma narrativa repleta de metáforas e neologismos, ele é dividido em 13 cantos, com versos decassílabos. A história, escrita de forma épica, descreve a trajetória de Guesa, o herói de origem colombiana que precisa peregrinar pelo mundo para ser sacrificado ao Deus Sol. O personagem enfrenta as mais diversas situações em seu percurso. Sousândrade cria uma espécie de Ulisses (o herói da Odisseia, um dos maiores poemas épicos da história) com características indígenas. A obra foi considerada muito diferenciada para a literatura do final do século XIX. Ele utiliza a poesia para ressaltar o drama dos povos indígenas explorados pelos europeus.
Confira o primeiro trecho do poema.
“Canto I
Do tempo mítico ao tempo histórico
Eia, imaginação divina!
Os Andes Volcanicos elevam cumes calvos,
Circumdados de gelos, mudos, alvos,
Nuvens Fluctuando – que espetac’los grandes!
Lá, onde o poncto do kondor negreja,
Scintillando no espaço como brilhos
D’olhos, e caea prumo sobre os filhos
Do lhama descuidado; onde lampeja
Da tempestade o raio; onde deserto,
O azul sertão formoso e deslumbrante,
Arde do sol o incendio, delirante
Coração vivo em céu profundo aberto!
“Nos aureos tempos, nos jardins da America
Infante adoração dobrando a crença
Ante o bello signal, nuvem ibérica
Em sua noite a involveu ruidosa e densa.
“Candidos Incas! Quando já campeiam
Os heroes vencedores do inocente
Indio nú; quando os templos s’incendeiam,
Já sem virgens, sem oiro reluzente,
“Sem as sombras dos rêis filhos de Manko,
Viu-se… (que tinham feito? e pouco havia
A fazer-se… ) n’um leito puro e branco
A corrupção, que os braços estendia!
“E da existencia meiga, afortunada,
O roseo fio n’esse albor ameno
Foi destruido. Como ensanguentada
A terra fez sorrir ao céu sereno!
“Foi tal a maldicção dos que caídos
Morderam d’essa mãe querida o seio,
A contrahir-se aos beijos, denegridos,
O desespêro se imprimil-os veiu, –
“Que resentiu-se, verdejante e válido,
O floripondio em flor; e quando o vento
Mugindo estorce-o doloroso, pallido
Gemidos se ouvem no amplo firmamento!
“E o sol, que resplandece na montanha
As noivas não encontra, não se abraçam
No puro amor; e os fanfarrões d’Hespanha,
Em sangue edeneo os pés lavando, passam.
“Caiu a noite da nação formosa;
Cervaes romperam por nevado armento
Quando com a ave a côrte deliciosa
Festejava o purpureo nascimento.”
Assim volvia a olhar o Guesa Errante
Às meneiadas cimas qual altares
Do genio patrio, que a ficar distante
S’eleva a alma beijando-o além dos ares.
E enfraquecido o coração, perdoa
Pungentes males que lhe estão dos seus –
Talvez feridas settas abençoa
Na hora saudosa, murmurando adeus.”
Resgate
A poesia de Sousândrade ficou por muito tempo esquecida, tendo sido abandonada por um longo tempo. Ela foi resgatada na década de 1960 pelos poetas Décio Pignatari e pelos irmãos Augusto e Haroldo de Campos, quando ganhou a devida importância dentro da literatura brasileira.
Joaquim de Sousa Andrade morreu no dia 21 de abril de 1902, em São Luís, no Maranhão.
O poeta esquecido
Sousândrade é mais um caso de um escritor que não tem seu talento reconhecido em vida. Apesar da qualidade do seu trabalho, é relegado ao esquecimento e precisa ser resgatado para que seus textos passam a ser lidos e admirados.
Morto em 1902, somente mais de meio século depois de seu falecimento é que sua obra passou a ser observada e ele teve seu talento literário reconhecido. Para nossa sorte esse resgate foi possível e hoje Sousândrade pode ser admirado pelas novas gerações como o grande poeta que foi.
Que assim seja e viva a poesia desse grande escritor!