É hora de falar de poesia. Mas, desta vez, vamos além, falando mais do que de poesia e de uma poeta, de uma das mais importantes autoras brasileiras deste século. Ela escreve não só poesia, mas também romances, contos e ensaios, sendo uma das vozes mais influentes do movimento pós-modernista do Brasil.
Vamos conhecer um pouco da vida e da obra de Conceição Evaristo.
Conceição
Maria da Conceição Evaristo de Brito nasceu em Belo Horizonte no dia 29 de novembro de 1946, filha de Joana Josefina Evaristo. Ela era a segunda de um total de nove irmãos, uma família numerosa e pobre. Seus primeiros anos de vida foram passados na comunidade do ‘Pendura Saia’, em BH, extinta na década de 1970. Mesmo diante de todas as dificuldades, sua mãe era uma grande incentivadora da leitura, isso teve reflexo na vida de Conceição.
Quando estava com sete anos ela foi morar com sua tia Maria Filomena da Silva, irmã mais velha de sua mãe, e com o marido da tia, Antônio João da Silva, o tio Totó. O tio era pedreiro e a tia lavadeira, como sua mãe. Como não tinha filhos, o casal possuía uma condição financeira um pouco melhor, o que permitiu que Conceição pudesse estudar e ter uma vida um pouco mais confortável.
Em 1958 ela concluí o ensino primário, sendo a primeira colocada no concurso de redação da escola.
Depois ela fez o curso normal no Instituto de Educação de Minas Gerais, onde se formaria em 1971. Nessa época Conceição conciliava os estudos com o trabalho como empregada doméstica. Após o término do curso Normal, ela decide se mudar para o Rio de Janeiro.
Já no Rio, em 1973, ela passa em um concurso público para o magistério, onde vai permanecer até 2006. Além da cidade do Rio de Janeiro, ela também vai dar aulas no Município de Niterói. Vai fazer uma brilhante carreira como professora.
Em 1987 ingressou na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) para cursar Letras, de onde sairia formada em 1990. Nesse período passou a acompanhar o trabalho do grupo Quilombhoje, responsável pela publicação da ´serie ‘Cadernos Negros’.
Em 1992 ela iniciou um curso de mestrado em letras-literatura brasileira, na PUC do Rio, concluído em 1996. Sua dissertação foi sobre ‘Literatura Negra: uma poética da nossa afro brasilidade’.
Em 2008 vai para a Universidade Federal Fluminense para fazer seu doutorado em letras-literatura comparada.
Carreira Literária
O encontro com o grupo Quilombhoje foi decisivo para a carreira literária de Conceição Evaristo. Nesse contato ela recebeu grande incentivo para iniciar a sua escrita. Em 1990 ela começa a publicar escritos no ‘Cadernos Negros’, publicação de responsabilidade do Quilombhoje.
Em 2003 ocorre sua estreia na literatura, com o romance “Ponciá Vicêncio”. Esse livro descreve a trajetória da jovem negra Ponciá, que deixa sua cidade natal para tentar a vida em uma grande cidade. Na cidade ela fica na rua até conseguir um trabalho como doméstica.
A obra narra todas as desventuras da jovem em busca de uma vida melhor. Já em sua primeira obra literária ela deixa bem visível sua postura crítica em relação as questões raciais históricas vividas pelos negros no Brasil.
Além de “Ponciá”, Conceição Evaristo publicou as seguintes obras:
– Becos da Memória – 2006
– Poemas de Recordação e outros movimentos – 2008
– Insubmissas Lágrimas de Mulheres – 2011
– Olhos d’água – 2014
– Histórias de leves enganos e parecenças – 2016
– Canção para ninar menino grande – 2018
A poesia de Conceição também segue a mesma linha, falando da história de opressão vivida pelas mulheres negras e pobres. Confira abaixo o poema “Vozes-mulheres”.
Vozes-mulheres
A voz de minha bisavó
ecoou criança
nos porões do navio.
ecoou lamentos
de uma infância perdida.
A voz de minha avó
ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo.
A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
rumo à favela
A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
e
fome.
A voz de minha filha
recolhe todas as nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.
A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.
O ontem — o hoje — o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância
O eco da vida-liberdade.
Prêmios
A alta qualidade de sua obra e a sua postura em defesa da mulher negra fizeram de Conceição uma das mais importantes escritoras desse século e lhe renderam diversos prêmios.
– Prêmio Camélia da Liberdade – 2007
– Prêmio Ori – 2007
– Prêmio Jabuti – 2015
– Prêmio de Literatura do Governo de Minas Gerais, pelo conjunto da obra – 2018
– Prêmio Jabuti, Personalidade Literária do Ano – 2019
– Prêmio Juca Pato, intelectual do ano – 2023
Frases
– “Conheço mulheres negras cheias de sonhos e de competência que trabalham, trabalham, trabalham e ficam pelo caminho.”
– “A pobreza no Brasil tem cor.”
– “É muito mais fácil para um sujeito branco pobre ascender do que para um sujeito negro pobre.”
– “A sociedade brasileira e as suas instituições são racistas.”
– “O homem negro brasileiro, em determinadas situações, equipara-se ao branco na hora de exercer o machismo.”
– “Homens e mulheres negros estão sempre em situação de suspeição.”
– “O fato de eu ser escritora e ter um doutorado não me deixa imune ao racismo brasileiro.”
Mulher negra e pobre
Conceição Evaristo é uma sobrevivente. Filha de uma família pobre e muito numerosa poderia ter sido mais uma a entrar nas listas de estatísticas de negros pobres que ficaram pelo caminho e não sobreviveram à crueldade de uma sociedade inundada de preconceito racial. Mas ela sobreviveu a todas as dificuldades para usar o seu talento literário para mostrar ao mundo o quanto difícil e doloroso é ser mulher, pobre e negra em um país como o Brasil.
Com a vivência de quem passou muita dificuldade ela transcreve para o papel essa triste realidade com grande maestria. Por isso, a leitura da obra de Conceição Evaristo é muito importante para quem deseja entender o Brasil e as suas gigantescas desigualdades.