Conto A Morte da Viúva – Capítulo 2

2 – Mais informações

Depois de anotar os telefones de Olavo e Solange, Ricardo ligou para o advogado, cujo escritório ficava nas proximidades do Largo do Machado. Passados 20 minutos os dois policiais estavam conversando com ele.

– Boa tarde, Doutor Paulo, obrigado por nos receber. – agradeceu Ricardo assim que entraram na sala do advogado.

– Por nada. Peço desculpas pois ainda estou um pouco atordoado com a notícia, fui pego de surpresa. – esclareceu o advogado.

– Nós entendemos. – falou Nando.

– Pelo que pude compreender os senhores acreditam que não foi um acidente.

– Ainda vamos aguardar o laudo da perícia. Mas as informações preliminares apontam que não foi acidente, mas que dona Marieta foi morta, assassinada. – colocou Ricardo.

– Entendo. Que horror! Não sei como posso ajudar, mas estou às ordens.

– O senhor Olavo falou que o senhor é quem cuida dos bens da dona Marieta, correto? – perguntou Ricardo.

 – Sim. Eu trabalhei com o Doutor Anselmo, o marido da dona Marieta e, desde a morte dele trabalho para ela, cuidando dos bens e dos interessas dela.

– O que o senhor pode me falar do marido dela?

– Era um comerciante, proprietário de dois postos de gasolina aqui na Zona Sul, um em Botafogo e o outro nas Laranjeiras. Um homem que trabalhava muito e sabia ganhar dinheiro.

–  Então a situação financeira da família era boa? – indagou Ricardo.

– Sim, com certeza.

– Há quantos anos ele faleceu?

– Ele faleceu em 2010, infartou.

– Ele era doente ou foi de repente? – perguntou Ricardo.

– Foi repentino. Ele nunca havia apresentado problema de saúde. Mas era o tipo de pessoa que trabalhava muito e não ligava para a saúde, não se cuidava.

– E como ficou a família, financeiramente, após a morte do senhor Anselmo?

– Ficaram muito bem. Ele deixou o apartamento onde a dona Marieta mora, morava, uma casa em Teresópolis e mais uma determinada quantia para ela, além da pensão do INSS, é claro. – explicou o advogado.

– E os postos de gasolina? – perguntou Nando.

– Ele deixou um para cada filho. Deixou os imóveis e dinheiro para a esposa e os postos para os filhos.

– E como vão os negócios agora? – indagou Ricardo.

– Na verdade nenhum dos dois quis administrar seus negócios, nenhum deles puxou ao pai em termos de visão de negócios, e ambos acabaram vendendo. Preferiram vender e ficar com o dinheiro.

– Faz muito tempo que eles se desfizeram dos postos?

– A dona Solange vendeu o dela uns dois anos após a morte do pai. O Olavo ficou mais um tempo, pouco mais de um ano depois vendeu o dele.

– O senhor saberia dizer qual foi a reação de dona Marieta quando soube que os filhos haviam vendido o patrimônio que o marido havia deixado? – indagou Ricardo.

O Doutor Paulo se mexeu na cadeira, mostrou um certo desconforto com a pergunta.

– Bem, ela não ficou nada satisfeita. Brigou muito com cada um deles. Ela achava que era uma falta de respeito com a memória do marido, que lutou tanto para construir o patrimônio, os filhos entregarem de mão beijada para terceiros. Além do fato de que ambos perderiam uma fonte de renda certa. Chegou a conversar comigo para saber se algo podia ser feito para desfazer as vendas. Eu expliquei que ela não podia fazer nada, uma vez que eles eram os legítimos donos e tinham o direito de dispor dos empreendimentos como melhor lhes aprouvesse.

– Entendi. Esse comportamento dos filhos gerou algum tipo de atrito mais forte entre eles.

Mais uma vez o advogado se mostrou desconfortável com a pergunta.

– Sim. Dona Marieta foi muito incisiva em suas reclamações e, nos dois casos, isso gerou fortes discussões. O Olavo ficou um tempo sem falar com a mãe por conta dessa briga.

– Fora esse caso, como era o relacionamento dela com os filhos e os netos?

– Eu não acompanhava a família com essa proximidade. Mas sempre me pareceu que a relação dela com os filhos e netos era difícil. Ela reclamou algumas vezes disso. Inclusive no caso da venda dos postos, que eles só comunicaram a ela após a concretização das negociações.

– Entendo. E sobre a herança da dona Marieta, o que o senhor pode nos dizer. – arguiu Ricardo

– Há cerca de dois anos dona Marieta me chamou e disse que queria fazer um testamento.

– Ela explicou por que queria fazer o testamento?

– Não diretamente. – colocou o advogado.

– Como assim?

– Ela não disse explicitamente qual a razão do testamento, mas deixou transparecer a insatisfação com os filhos e os netos.

– Qual era a queixa?

– Como eu disse, ela já havia brigado com os filhos por conta da venda dos postos de gasolina. E, de uns tempos para cá, passou a reclamar que tanto eles como os netos não a procuravam mais, somente quando precisavam de dinheiro. – explicou o advogado.

– Mas eles precisavam de dinheiro, mesmo com a venda dos postos? – perguntou Nando.

O advogado não conseguiu segurar um discreto sorriso.

– Eu gostaria que os senhores entendessem minha posição, sou advogado da família, então eu pediria discrição sobre o que vou comentar agora. – falou o advogado – A verdade é que os filhos de Dona Marieta nunca gostaram muito de trabalhar. Ambos têm profissão, mas nunca as exerceram de forma regular. Viviam muito mais do dinheiro do falecido Anselmo e depois de Dona Marieta e, como posso dizer, se por um lado não gostam de trabalhar e ganhar dinheiro, por outro eles sabem gastar dinheiro. Os netos mais ainda, nem estudar queriam, mas todos andam de carro novo, frequentam bons restaurante, vestem-se bem, viajam muito. Enfim, tudo o que o dinheiro pode proporcionar.

O advogado pediu licença, pegou o telefone e passou algumas instruções para a secretária.

– O senhor também representa os filhos ou somente cuidava dos negócios de dona Marieta? – perguntou Nando.

– Represento toda a família. – respondeu o advogado.

– Qual a profissão dos dois? – quis saber Ricardo.

– Bem, o Olavo é administrador de empresas e a Dona Solange é arquiteta. Eles se formaram, mas há anos que não exercem suas profissões.

Enquanto o advogado falava, a secretária entrou na sala com dois papéis que passou às suas mãos. Ele, por sua vez, entregou-os a Ricardo.

– Aqui está a lista dos bens que pertenciam a dona Marieta, as condições do seu testamento e a informação sobre o seguro de vida que ela possuía. – esclareceu o Doutor Paulo.

– Muito obrigado pelas informações. Por hora não tomaremos mais o seu tempo. – agradeceu Ricardo, levantando-se, seguido por Nando.

Os dois saíram do prédio e caminharam até o carro.

– O que você acha? – perguntou Nando quebrando o silêncio quando já estavam voltando para a delegacia.

– Lá na delegacia vamos juntar as informações que temos, o que nos passou o Doutor, com o que o Olavo disse e com o que você conseguiu pegar com a empregada. Acho que já temos muito no que pensar.

Eles chegaram na delegacia e foram direto falar com o delegado.

– E então?  Qual é a história? – perguntou ele.

– É o seguinte, delegado, tudo indica que a mulher foi assassinada mesmo. – começou a explicar Ricardo. – Ainda precisamos aguardar a laudo da perícia, mas a chance de ter sido um acidente é muito pequena.

– Algum suspeito?

– Na verdade, alguns. Os filhos, os netos e a empregada, todos lucram com a morte dela.

– Alguma chance de ter sido um roubo seguido de morte? – arriscou o delegado.

– Muito difícil. O prédio tem porteiro 24 horas, de segunda a sábado. Tem câmeras. Ninguém estranho foi visto entrando ou procurou a mulher ontem à noite, nem há sinal de arrombamento.

– Interessante. E esse povo todo, o que levam com a morte dela?

– O advogado passou a lista dos bens e como ficou a divisão. Ela possuía um apartamento, uma casa em Teresópolis, R$ 680 mil no banco, em aplicações e um seguro de vida de R$ 500 mil, em nome dos filhos e dos netos. A casa em Teresópolis ela deixou para os filhos e os netos, dividida em partes iguais. O apartamento ficou para a empregada, que está com ela há mais de 40 anos. Dos R$ 680 mil ela deixou R$ 100 mil para cada um dos filhos e netos e R$ 180 mil para a empregada. – ele parou para tomar folego antes de continuar. – Segundo o advogado, o marido possuía dois postos de gasolina, que deixou de herança para os filhos. Depois de um tempo ambos venderam seus respectivos postos. Segundo ele, nenhum deles, nem filhos nem netos, gostam de trabalhar. Vivem em função do dinheiro dela e os filhos já torraram o dinheiro conseguido com a venda dos postos de gasolina.

– O que você conseguiu com a empregada? – Ricardo perguntou para Nando.

– Ela foi na mesma linha do advogado. Confirmou que os filhos nunca foram fãs de trabalho, sempre ficaram encostados no pai, com a morte dele ficavam atrás da mãe. O pai não ligava, dava tudo para eles, já a mãe não gostava muito disso. Reclamava do comportamento deles e depois, também dos netos. Ela ficou furiosa quando soube que eles haviam vendido os postos de gasolina. Tanto o Olavo quanto a Solange só avisaram para ela depois que já haviam concretizado o negócio e recebido o dinheiro. Ficou um tempo sem falar com eles. Torraram o dinheiro com carros, viagens, parece que o Olavo é chegado a uma corrida de cavalos.

– Gosta de apostar. – falou o delegado.

– Gosta. Parece que a Solange também é chegada em um jogo. Uma vez os dois foram ao Uruguai jogar em um cassino e parece que perderam um bom dinheiro. Os netos vão pelo mesmo caminho, só querem gastar dinheiro com festas, boates, carros, roupas, enfim, nada de estudar ou trabalhar, só gastança.

– O que mais temos?

– Por enquanto é isso. Vamos esperar o laudo da perícia. Amanhã quero voltar ao prédio, conversar com o porteiro, dar uma olhada nas câmeras e ver o que mais conseguimos.

– Façam isso. Vamos ver onde essa história vai parar.

– Ok, delegado.

Saíram da sala do delegado e foram para suas mesas, Ricardo pegou um café e eles se sentaram para analisar o caso.

– Não tenho dúvidas de que ela foi assassinada e não parece um caso de assalto, muito pouco provável que alguém entrasse no prédio para ir somente ao apartamento de dona Marieta.  – começou Ricardo. – E, mesmo assim, aparentemente nada foi roubado.

– Acho que a solução só pode estar na família e na empregada. Interesse na morte da velha todos tinham, todos vão lucrar com a morte dela, mais dinheiro para gastar. – comentou Nando.

– Pois é. Amanhã vou fazer contato com o Olavo, para saber quando será o enterro, depois vamos conversar com todos eles e saber onde estiveram durante o domingo. Se alguém esteve no prédio não será difícil descobrir. – falou Ricardo.

– Com um bom papo nos porteiros podemos descobrir muita coisa interessante também. – colocou Nando.

– Sim amanhã vamos passar o dia nas Laranjeiras, falando com os porteiros, os vizinhos e se der, com os familiares. – argumentou Ricardo.

– Então vamos nessa eu deixo você em casa. – falou Nando.

– Vamos. – falou Ricardo olhando as mensagens no telefone.

– Pronto, lá vem. – falou Nando.

– Lá vem o que?

– Quando começa a entrar uma mensagem atrás da outra é mulher te procurando.

Ricardo começou a rir enquanto respondia às mensagens.

– É mentira?

– Deixa quieto e vamos embora que tenho compromisso mais tarde.

– Porra, a escrivã de novo?

– Não, essa aqui é a Ritinha.

– Ritinha? Essa eu não conheço. – comentou Nando.

– Ela trabalha em um restaurante lá perto de casa. A comida é ótima.

– Sei….

– Vamos, vamos, estou com pressa e ainda estamos longe pra cacete de Irajá. – falou Ricardo enquanto empurrava Nando.

Os dois deixaram a delegacia rumo ao subúrbio.

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