1 – Mais um dia de trabalho
Ricardo já estava acordado e começava a se arrumar quando o telefone celular tocou, era seu chefe.
– Bom dia, Ricardo. Já saiu de casa.
– Ainda não.
– Ótimo! Então espere. Faz contato com o Nando, ele vai passar na sua casa daqui há pouco. Vocês vão direto para as Laranjeiras. Apareceu um chamado, ele vai explicar pra você no caminho.
– Ok, delegado, vou fazer contato com ele.
Depois de desligar o celular, Ricardo fez contato com seu colega, Fernando, que ele só chamava pelo apelido de Nando. Esse que estava indo para sua casa, deveria chegar em uns 10 minutos. Ricardo só fez um comentário:
– Beleza, Nando. Faz um favor, me pega aqui nessa rua de trás.
– Na casa daquela menina? – comentou Nando.
– Isso. Já vou descer, te encontro lá embaixo.
– Pode deixar.
Ricardo desligou o telefone e ficou alguns segundos observando o corpo esguio de Sandra, uma bela escrivã de polícia que trabalhava na 27ª Delegacia de Polícia do Rio de Janeiro. Ele também pertencia aos quadros da Polícia Civil e já atuara na 27ª DP.
Aliás, gostava de trabalhar lá, era perto de casa, ele morava em Irajá e a delegacia ficava na Vila da Penha, bairros vizinhos, além disso, havia Sandrinha. Mas, no ano passado, fora transferido para a Delegacia de Homicídios da Capital, dois meses após um tiroteio com bandidos, no Morro do Juramento, localizado nas redondezas. Um colega seu foi baleado e morreu e surgiu um boato que ele havia sido negligente e tinha responsabilidade na morte do companheiro.
Enquanto o parceiro abastecia o carro no posto de gasolina, ele foi a um bar ao lado para comprar água. Seu colega viu dois sujeitos em atitude suspeita, próximo ao posto, e resolveu abordá-los sem esperar por Ricardo. O resultado foi que ele levou dois tiros e acabou falecendo no hospital. Ricardo veio em auxílio do colega, mas chegou tarde para evitar a tragédia, apesar de ter acertado um dos rapazes e acabar sendo baleado no braço.
A versão oficial para sua transferência acabou sendo essa, o Delegado afirmou que o clima havia ficado ruim para ele na delegacia. Mas, Ricardo já fora avisado que o delegado descobrira sua história com Sandra e o colocou na linha de tiro, queria se livrar dele.
No fundo Ricardo sabia que a morte do colega não incomodara tanto o delegado, pois ele sabia que Ricardo não tivera culpa, mas a relação dele com a escrivã deixou o delegado furioso pois ele não admitia esse tipo de relacionamento na sua área de atuação.
E Ricardo tinha certeza de que, na verdade, o delegado tinha era uma “quedinha” por Sandra. Acabou sendo transferido para a Delegacia de Homicídios, onde conhecia o Delegado titular e alguns policiais, como Nando, melhor assim.
Ele desceu e logo depois Nando chegou.
– E aí cara, bom dia. – cumprimentou Ricardo.
– Bom dia “Don Juan”. Você ainda vai se meter em encrenca por causa dessas suas aventuras amorosas. – cortou Nando.
– Que nada. É só um caso, nada demais. – explicou Ricardo.
– Um caso que já provocou sua transferência para a DH. Você estava numa boa, trabalhando perto de casa, tudo tranquilo, mas você tinha que se envolver com a porra da escrivã e arrumar confusão. – atalhou Nando.
– Cara, o que eu posso fazer se ela preferiu o Ricardinho aqui ao invés do delegado?
– Fica na sua. Uma hora dessas você vai se dar muito mal. Essas suas aventuras amorosas ainda vão fuder com a sua vida.
– Vira essa boca pra lá, cara. Se preocupa com a Marta e me deixa quieto. – falou Ricardo rindo.
– O que tem a Marta? – esbravejou Nando.
– Nada seu maluco. Estou falando para você se preocupar com a sua mulher e deixar as minhas quietas. – explicou Ricardo antes que o amigo ficasse nervoso. – Muda de assunto, qual é o caso que vamos investigar?
– Ainda não tenho todos os detalhes. Sei que é uma senhora, moradora de Laranjeiras, 84 anos, que vivia sozinha. Foi encontrada morta, com a parte de trás da cabeça quebrada. O filho falou que foi um tombo, mas os policiais militares notaram algumas coisas estranhas e resolveram chamar a gente. – comentou Nando.
– Então vamos nessa que a semana promete. Segunda-feira pela manhã e já encaramos um caso desses.
O trânsito não estava dos piores, coisa rara no Rio de Janeiro, e 35 minutos depois estavam nas Laranjeiras.
O prédio ficava próximo ao campo do Fluminense, tradicional clube de futebol do Rio, o apartamento era no segundo andar. Os dois chegaram lá e encontraram os Policiais Militares.
– O que houve? – Ricardo perguntou para o PM.
– Nós estamos de plantão na cabine que fica a uma quadra daqui. Fomos acionados pelos vizinhos quando a empregada chegou, encontrou a patroa morta, no quarto, e começou a gritar. Nós viemos, verificamos o óbito e resolvemos acionar vocês.
– O que houve para vocês nos acionarem? – quem indagava agora era Nando.
– Chegamos aqui e verificamos que ela estava morta, com um sangramento na parte de trás da cabeça, parece uma pancada. Pode ter sido uma queda, mas a posição do corpo chamou nossa atenção. Ela estava caída em uma posição muito estranha para quem teria levado um tombo. Não fazia o menor sentido, ainda mais porque a pancada foi na parte de trás da cabeça.
– Entendi. Vocês acionaram a perícia? – quis saber Ricardo.
– Ainda não. – respondeu o PM.
– Tudo bem. Vamos dar uma olhada no corpo.
O Policial Militar voltou a falar:
– Esse aqui é o filho da senhora falecida, Olavo. Os vizinhos o avisaram assim que o corpo foi encontrado.
– Muito prazer senhor Olavo, já vamos falar com o senhor, primeiro vamos dar uma olhada no corpo.
Os dois policiais civis entraram no quarto.
– Porra, o cara tem razão, essa posição está muito estranha para quem levou um tombo e bateu com a parte de trás da cabeça. – falou Nando.
– É verdade. É como se ela tivesse caído para trás, batido com a cabeça e o tronco tivesse virado, ela está com o rosto colado no chão. – afirmou Ricardo, enquanto observava o quarto.
– Pode ter sido um tombo? – indagou Nando.
– Poder, pode. O sinteco está muito bem conservado e esse tipo de chão novo, bem encerado é um perigo para pessoas de idade. – falou Ricardo.
– Isso é verdade, mas não consigo ver ela escorregando, caindo, batendo com a cabeça e parando nessa posição. – emendou Nando.
– Você tem razão. Vamos chamar a perícia, eles vão poder esclarecer isso. Vamos trancar o quarto, e conversar com o filho dela. Enquanto eu falo com ele, vê o que você consegue com a empregada, afinal foi ela que encontrou o corpo. – falou Ricardo.
Assim que voltou para a sala Ricardo foi falar com Olavo, que era um senhor, devia estar próximo dos 60 anos.
– Bem senhor Olavo, sua mãe é a dona da casa? – perguntou Ricardo.
– Isso delegado.
– Inspetor. Inspetor Ricardo. – corrigiu ele.
– Correto, inspetor. Isso é uma grande tragédia para a nossa família. Nós bem que insistimos que ela não podia continuar morando sozinha, pois o risco de um acidente como esses acontecer era grande, mas ela nunca quis nos ouvir. Afinal, o senhor pode me dizer por que estão aqui? Me parece que foi um acidente e não entendo a necessidade da presença de vocês? – indagou Olavo.
– Primeiro, sinto muito pela morte da sua mãe. Na verdade, nós estamos aqui pois, ao que parece, não foi um acidente. – explicou o policial.
– Como assim?
– Existem alguns detalhes, como a posição do corpo da sua mãe, por exemplo, que nos levam a crer que não foi um acidente. Já solicitamos a perícia, para termos uma avaliação mais precisa sobre isso. – esclareceu Ricardo.
– Isso é mesmo necessário? – perguntou Olavo – É um tremendo constrangimento para nossa família. Só queremos remover o corpo e enterrar nossa mãe.
– Bem, senhor Olavo, eu acredito que, se sua mãe foi morta, o senhor vai querer saber quem fez isso, estou certo? – falou o policial encarando o homem a sua frente.
– Claro, claro, com toda a certeza. – falou Olavo buscando disfarçar sua contrariedade. – Eu posso ver minha mãe mais uma vez?
– Pode, mas, por favor, não toque em nada. – Ricardo levou o homem até o quarto.
Enquanto Olavo entrava no quarto para ver o corpo da mãe, Nando conversava com Ricardo.
– Falei com o delegado, o pessoal da perícia já está vindo.
– Beleza. Pode dispensar os PM’s e aproveita para conversar com a empregada. Vê o que você consegue com ela, se ela ficava sozinha, procura saber da família, se ela notou alguma coisa diferente quando chegou hoje. Tudo que você puder conseguir com ela.
– Deixa comigo, vou ver o que ela tem a dizer.
Nando levou a empregada para a cozinha, para poder conversar com mais calma. Olavo voltou para a sala e Ricardo aproveitou para trancar novamente a porta do quarto enquanto esperava a chegada da perícia.
– Desculpe Inspetor. O senhor sabe dizer quanto tempo vai demorar até que o corpo seja removido e possamos providenciar os trâmites para o enterro. – ponderou Olavo.
– Infelizmente o corpo não será removido agora, senhor Olavo. Vamos precisar esperar o trabalho da perícia. Isso vai depender de quanto tempo eles vão demorar para chegar aqui e concluir o trabalho deles. – respondeu o policial.
– Não podemos ficar com o corpo da minha mãe aqui. Daqui há pouco minha irmã vai chegar, é possível que minha filha e meus sobrinhos também venham. Não será uma situação muito agradável eles chegarem e o corpo ainda estar aqui.
– Infelizmente não há nada a ser feito. O corpo só pode ser removido após a perícia encerrar o seu trabalho. – respondeu Ricardo.
– Vai ser um choque para minha irmã chegar aqui a encontrar a mãe morta, com a cabeça quebrada.
– Eu entendo a situação, mas não há nada que possamos fazer. Se isso ajudar, podemos manter a porta do quarto fechada para evitar que sua irmã entre e veja a mãe. – tentou amenizar Ricardo.
Enquanto o policial conversava com Olavo, o pessoal da perícia chegava e, junto com eles, mais duas pessoas, uma mulher e um jovem. Ricardo presumiu que fossem a filha e um dos netos da morta. Ele passou a chave para o perito e mostrou onde ficava o quarto. Quando ele se voltou para Olavo o homem apresentou os dois que haviam acabado de chegar.
– Inspetor, essa é minha irmã, Solange, e meu sobrinho Marcelo.
– O que está acontecendo, Olavo? Por que esses policiais estão aqui? – perguntou ela ignorando a presença de Ricardo.
– Eles são da Polícia Civil. – começou a explicar Olavo.
– E daí. – insistiu a mulher, visivelmente contrariada com a presença dos policiais.
Ricardo resolveu interceder e deixar bem claro para ela o que estavam fazendo ali.
– Somos da Delegacia de Homicídios, dona Solange.
– O que? – gritou a mulher.
– Delegacia de Homicídios. – Ricardo repetiu de forma pausada – Fomos acionados pois existe uma suspeita de que sua mãe não tenha morrido vítima de um acidente, mas tenha sido morta.
– Vocês estão loucos? Isso é impossível! – colocou ela.
– Nem um pouco. Logo o pessoal da perícia vai confirmar se estamos certos ou não.
– Que doideira, maluco. – falou Marcelo.
– Bota doideira nisso. – falou Olavo – Eles estão achando que alguém matou a mamãe.
– E quem ia matar a mamãe? – indagou Solange.
– É isso que vamos tentar descobrir, caso nossa suspeita se confirme. – respondeu o policial.
Vendo que a mulher continuava alterada, Ricardo puxou Olavo pelo braço para um canto da sala para pegar informações sobre a vítima, deixando Solange com Marcelo.
– O senhor pode me falar sobre a rotina da sua mãe? – Perguntou Ricardo.
– Minha mãe mora sozinha. Ela tem uma empregada que você já conheceu, que vem todos os dias, menos nos finais de semana. Ela arruma a casa, cozinha e faz, fazia, companhia à mamãe.
– A que horas ela costuma chegar e ir embora.
– Geralmente ela chega por volta das nove e vai embora lá pelas 17 horas.
– Como é mesmo o nome da sua mãe?
– Marieta.
– E o da empregada?
– Rosa.
– Sua mãe tem mais algum filho ou somente o senhor e a dona Solange? – perguntou Ricardo.
– Só nós dois e três netos, o Marcelo e a Mônica, filhos da Solange e a Marcelle, minha filha.
– Outros parentes próximos?
– Não, só nós cinco.
– Seu pai?
– Papai faleceu há uns 10, 12 anos. Não sou bom para datas, mas tem muitos anos que ele faleceu.
– Dona Marieta era aposentada? Ela era proprietária desse imóvel?
– Ela tinha a pensão do meu pai. Sobre esses detalhes, seria melhor você conversar com o nosso advogado, que era quem cuidava dos bens da mamãe, o Doutor Paulo.
– O senhor poderia me passar o contato dele?
– Claro. – respondeu Olavo enquanto procurava o número do advogado na agenda do celular.
– E sobre a rotina da sua mãe?
– Ela pouco saia de casa. Às vezes descia com a Rosa para dar uma volta. Mas ela não gostava muito, pois as ruas próximas são muito movimentadas. Em geral, ela ficava em casa.
O perito apareceu na porta do quarto chamando Ricardo e Nando.
– E então? – perguntou Ricardo assim que eles entraram no quarto e fecharam a porta.
– Vamos remover o corpo para o IML, quero analisar melhor esse ferimento na cabeça e ver se encontro mais alguma pista.
– Já examinaram o quarto todo? Podemos liberar o espaço?
– Sim, aqui já acabamos. Só quero dar uma olhada na sala e nos outros cômodos para ver se encontro algo mais.
– Ok, tudo bem. Por enquanto qual a sua avaliação? – perguntou o inspetor.
– Pelo tipo de ferimento eu diria que ela não bateu com a cabeça, foi golpeada. Por isso quero olhar melhor esse ferimento. A posição do corpo também é muito estranha para quem escorregou e caiu.
– Tudo bem, podem remover o corpo. – falou Ricardo.
– E aí, o que você acha? – perguntou Nando depois que os peritos saíram do quarto com o corpo de dona Marieta.
– Bem. – refletiu Ricardo – Parece não haver dúvidas de que ela foi assassinada. Agora vamos começar a juntar as peças para montar esse quebra-cabeças.
– Vamos voltar para a delegacia para fazer isso? A empregada me passou um monte de informações interessantes. – colocou Nando.
– Antes vou dar mais uma palavrinha com o senhor Olavo e dar uma ligada para esse Doutor Paulo, o advogado. Dependendo de onde for o escritório dele, podemos passar por lá antes de voltar à Delegacia.
– Bem pensado.
Ricardo voltou à sala para falar com Olavo.
– Senhor Olavo, o corpo vai ser removido agora. Não vamos mais perturbar vocês nesse momento complicado. Sei que precisam tomar as providências para o enterro, mas quero o seu contato e da sua irmã pois vamos precisar voltar a conversar com vocês.
– Tudo bem. Pode anotar nossos números. – falou Olavo.
Continua …