Nada melhor do que ouvir uma bela poesia, daquelas que, com simplicidade, sabedoria e beleza, enchem nossa cabeça de ideias e o coração de alegria. Aquela poesia que você tem vontade de ficar ouvindo por horas, que embala seus pensamentos e faz com você sonhe acordado.
Quando um ou uma poeta consegue nos oferecer essa leveza e, ao mesmo tempo, nos faz pensar e refletir, temos a certeza de que estamos diante de uma grande obra literária. Vale a famosa frase: “ganhei o meu dia” lendo esse livro.
Assim se fez a obra dessa grande poetisa, que tratou, com um texto direto e simples, a vida do interior de seu Estado, Minas Gerais, falando principalmente da mulher, de Deus e da família. Com sua poesia sempre com o olhar voltado para a mulher, ganhou fama como a voz mais feminina da poesia brasileira.
Com muita reflexão e carinho chegou a hora de falar de Adélia Prado e sua poesia.
Infância
Nascida em Divinópolis, Minas Gerais, no dia 13 de dezembro de 1935, Adélia Luzia Prado Freitas, é filha do ferroviário João do Prado Filho e da dona de casa Ana Clotilde Correa.
Ela viveu uma infância tranquila, típica de uma cidade do interior. Seus estudos começaram no Grupo Escolar Padre Matias Lobato. Depois foi aluna do Ginásio Nossa Senhora do Sagrado Coração. Em 1950 perdeu sua mãe, evento que vai fazê-la escrever seus primeiros versos.
No ano seguinte, em 1951, foi estudar na Escola Normal Mário Casassandra, onde se formou no ano de 1953. Em 1955 começa a carreira de professora, indo dar aula no Ginásio Estadual Luiz de Melo Viana Sobrinho.
Adélia Prado vai se casar, em 1958, com José Assunção de Freitas, funcionário do Banco do Brasil. O casal vai ter cinco filhos: Eugênio, nascido em 1959; Rubem, em 1961; Sarah, em 1962; Jordano, em 1963; e Ana Beatriz, em 1966.
Antes do nascimento de Ana, Adélia e o marido ingressaram no curso de Filosofia, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Divinópolis. Eles vão se formar em 1973. Um ano antes, em 1972, ela perderia o pai.
A literatura
Sua carreira literária vai ter início na década de 1970. Primeiro ela vai publicar seus primeiros poemas em jornais de Divinópolis e Belo Horizonte. Em seguida, em 1971, escreve o livro “O Lapinha de Jesus”, em parceira com Lázaro Barreto.
Após a formatura na Faculdade de Filosofia, em 1973, envia uma carta ao poeta e crítico literário Affonso Romano de Sant’Anna, que há época era crítico literário da revista Veja. A carta continha os originais de vários de seus poemas. Sant’Anna gosta tanto do trabalho de Adélia e o submete a ninguém menos do que Carlos Drummond de Andrade, para que esse avaliasse a poesia daquela dona de casa.
Ela passa nessa prova de fogo com louvor e, em nove de outubro de 1975, Carlos Drummond publica uma crônica, no Jornal do Brasil, falando sobre a poesia de Adélia Prado, tecendo muitos elogios ao trabalho da autora. Ele também sugere a Pedro Paulo De Sena Madureira, da Editora Imago, que publique o livro de Adélia. Drummond classifica os poemas como “fenomenais”.
O livro “Bagagem” é publicado ainda em 1975. No ano seguinte é lançado no Rio de Janeiro, com a presença de ilustres figuras da literatura nacional como Clarice Lispector, Antônio Houaiss, Nélida Piñon, Alphonsus de Guimaraens Filho, Raquel Jardim, do ex-presidente da República Juscelino Kubitschek, além, é claro, de Carlos Drummond e Affonso Romano de Sant’Anna.
Após essa bela estreia, Adélia Prado continuou escrevendo e voltou a lançar novos livros. Em 1978 publica “O Coração Disparado”, que vai ganhar o Prêmio Jabuti nesse mesmo ano, o primeiro prêmio da autora. No ano seguinte lança seu primeiro livro de prosa “Soltem os Cachorros”. Sua carreira de escritora decola e, diante da dificuldade de conciliar as duas profissões, ela decide abandonar o magistério, depois de 24 anos como professora, para se dedicar à literatura.
Adélia Prado passa a publicar livros com frequência, mas também desenvolve outras atividades culturais. Em 1980 ela vai dirigir o grupo amador de teatro Cara e Coragem, na montagem da peça “O Auto da Compadecida”, de Ariano Suassuna. O grupo encenaria, em 1981, “A Invasão”, peça escrita por Dias Gomes, ainda com a direção de Adélia.
Entre 1983 e 1988, a convite do Prefeito de Divinópolis, Aristides Salgado dos Santos, ocupa o cargo de Chefe da Divisão Cultural da Secretaria Municipal de Cultura. Manteve sua escrita e a produção de suas poesias e prosas. Ao longo do tempo publicou os seguintes livros:
– Bagagem – 1976
– O Coração Disparado – 1978
– Solte os Cachorros – 1979
– Cacos para um Vitral – 1980
– Terra de Santa Cruz – 1981
– Os Componentes da Banda – 1984
– O Pelicano – 1987
– A Faca no Peito – 1988
– O Homem da Mão Seca – 1994
– Oráculos de Maio – 1999
– Manuscritos de Felipa – 1999
– Filandras – 2001
– Quero minha Mãe – 2005
– Quando eu era Pequena – 2006
– A Duração do Dia – 2010
– Carmela vai à Escola – 2011
– Miserere – 2013
Além de seus livros, participou de algumas Antologias:
– Mulheres & Mulheres – 1978
– Palavra de Mulher – 1979
– Contos Mineiros – 1984
– Poesia Reunida – 1991 (Bagagem, O Coração Disparado, Terra de Santa Cruz, O Pelicano e A Faca no Peito).
– Antologia da Poesia Brasileira – 1994.
– Prosa Reunida – 1999
No ano de 1987 a atriz Fernanda Montenegro encena, no Rio de Janeiro, o espetáculo “Dona Doida: um interlúdio”, baseado em textos de livros de Adélia Prado. A peça faz muito sucesso e é levada para vários estados brasileiros, sendo encenada também em vários países como Portugal, Itália e Estados Unidos.
Apesar de toda sua constante produção literária, a autora passou por um período de afastamento da escrita e das publicações. Após o lançamento de “O Homem da Mão Seca”, em 1994, ela só voltaria a publicar outra obra em 1999, com o lançamento de “Oráculos de Maio” e “Manuscritos de Felipa”. A própria autora definiria essa fase de afastamento como “um período de desolação.”
Mesmo com esse período de reclusão literária, a obra de Adélia Prado sempre foi muito respeitada e reverenciada. Vários poetas a citam como fonte de influência, entre eles o escritor Rubem Alves e o premiado poeta moçambicano Mia Couto.
Confira, abaixo, um pouco da força poética de Adélia Prado.
Amor feinho
Eu quero amor feinho.
Amor feinho não olha um pro outro.
Uma vez encontrado é igual fé,
não teologa mais.
Duro de forte o amor feinho é magro, doido por sexo
e filhos tem os quantos haja.
Tudo que não fala, faz.
Planta beijo de três cores ao redor da casa
e saudade roxa e branca,
da comum e da dobrada.
Amor feinho é bom porque não fica velho.
Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é:
eu sou homem você é mulher.
Amor feinho não tem ilusão,
o que ele tem é esperança:
eu quero um amor feinho.
Prêmios
A vasta e bela obra rendeu diversos prêmios à escritora.
1978 – Prêmio Jabuti – “O coração disparado”
2007 – Prêmio ABL de literatura infantil
2010 – Prêmio Alphonsus de Guimaraens – “A duração do dia”
2014 – Prêmio Griffin Poetry Prize, da Griffin Trust, Toronto/Canadá
2016 – Prêmio Clarice Lispector
Além desses prêmios, a autora foi condecorada com a ‘Ordem do Mérito Cultural’ pelo governo brasileiro. Ela também foi a primeira mulher a ganhar o Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura, pelo conjunto da sua obra.
Frases
– “Não tenho tempo algum, ser feliz me consome.”
– “Amor pra mim é ser capaz de permitir que aquele que eu amo exista como tal, como ele mesmo. Isso é o mais pleno amor. Dar a liberdade dele existir ao meu lado do jeito que ele é.”
– “Dor não tem nada a ver com amargura. Acho que tudo que acontece é feito pra gente aprender cada vez mais, é pra ensinar a gente a viver. Desdobrável. Cada dia mais rica de humanidade.”
– “Deus é mais belo que eu. E não é jovem. Isto sim, é consolo.”
Uma bela poeta
Adélia Prado é mais uma grande poeta da imensa galeria de maravilhosos autores da nossa literatura. Há mais de 45 anos vem nos oferecendo uma obra genial, uma poesia cotidiana, lúdica, profana, mística e religiosa, com diversas características que juntas fizeram seu trabalho ser diferenciado e único.
Ela se tornou uma das maiores referências da poesia brasileira nas últimas décadas. Mais uma poeta que, como Cecília Meireles, Clarice Lispector, Cora Coralina e muitas outras merece todo o nosso aplauso pela bela produção, que nos encanta e seduz.
Vamos reverenciar Adélia Prado!