Com somente um livro publicado em vida Augusto dos Anjos se destacou em seu tempo
Hora de falar de poesia, então vamos relembrar a trajetória de outro grande nome da poesia brasileira, que com seus textos marcou nossa literatura na virada do século XIX e no início do século XX.
Esse poeta teve uma vida muito curta, faleceu aos 30 anos e publicou apenas um livro de poemas. Mesmo assim foi considerado um escritor muito original e, ao mesmo, sombrio pela forma como escrevia. Foi mais um dos tantos poetas que o Nordeste nos ofereceu, nesse caso, da Paraíba.
Vamos falar da vida e da obra de Augusto dos Anjos, um poeta tão diferente que não foi possível rotulá-lo em nenhum movimento literário.
Infância
Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos nasceu no município de Sapé, na Paraíba, no Engenho Pau d’Arco, no dia 20 de abril de 1884. Era o sexto filho de Alexandre Rodrigues dos Anjos e de Córdula de Carvalho Rodrigues dos Anjos e recebeu os primeiros ensinamentos de seu pai, que era formado em direito.
Alexandre dos Anjos cuidou dos primeiros ensinamentos de todos os seus filhos. Com Augusto, seu pai cuidou de sua educação até que ele ingressasse no ensino secundário, indo estudar no Liceu Paraibano. Nesses primeiros anos, Augusto assistiu a lenta decadência financeira da família, proprietária do engenho onde ele nasceu.
No ano de 1903 ingressa na Faculdade de Direito do Recife, de onde sairia como bacharel em Direito, em 1907. Ao longo do período universitário passou a publicar poemas no jornal O Comércio, da Paraíba. O tom sombrio de seus versos fez com que fosse chamado de ‘Doutro Tristeza’ por críticos e pelos leitores.
Mesmo tendo colado grau em Direito, ele nunca exerceu a profissão, seja como advogado ou magistrado. Ao contrário, após se formar deixou o Recife, voltando para a Paraíba para lecionar Língua Portuguesa e Literatura Brasileira. Deu aulas no Instituto Maciel Pinheiro e no Liceu da Paraíba, de onde vai pedir demissão em 1910, após desentendimentos com o Governador João Lopes Machado.
Em 1910 Augusto dos Anjos casa-se com Esther Fialho, com quem vai ter dois filhos, Glória e Guilherme. O casal teve, ainda, um primeiro filho, que nasce prematuramente e morre quando sua esposa estava no sétimo mês da gravidez, uma grande tragédia na vida do poeta. Após pedir demissão do Liceu, ele segue com a esposa para o Rio de Janeiro, onde é recebido por seus irmãos, Odilon e Alfredo.
No de 1911 ele vai dar aulas de Geografia na Escola Normal e no Colégio Pedro II. Nesse mesmo ano vive uma tragédia familiar com a morte de seu primeiro filho.
Literatura
Em 1912, com a ajuda de seu irmão Odilon, ele publicaria seu único livro em vida, “Eu”, contendo mais de 50 poemas, que chocaram os críticos da época pela linguagem utilizada, que abusava de termos como “podridão da carne”, “cadáveres fétidos” e “vermes famintos”, considerados antipoéticos. Além disso, Augusto dos Anjos utilizava, com frequência a morte como tema, mantendo sempre uma visão pessimista das coisas.
Confira essa postura nos poemas abaixo:
Psicologia de um vencido
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundíssimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância…
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Já o verme – este operário das ruínas –
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
Versos íntimos
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
Se a poesia de Augusto dos Anjos não foi bem recebida por parnasianos, anos mais tarde seria divulgada pelos modernistas e conquistaria espaço entre as camadas mais populares da sociedade.
No início do século XX a poesia era dominada pelas escolas Simbolista e Naturalista, que tiveram influência sobre sua escrita, mas Augusto dos Anjos não vai se enquadrar em nenhuma vertente, sendo por isso, considerado um dos poetas mais originais da nossa literatura.
Veja mais algumas frases contidas na poesia do autor, que ajudam a retratar a diferenciação entre sua poesia e o que existia na época.
Frases
“Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!” (do poema Vandalismo)
“Que ninguém doma um coração de poeta!” (do poema Vencedor)
“O amor, poeta, é como a cana azeda, A toda boca que o não prova engana.” (do poema Versos de amor)
“O amor na Humanidade é uma mentira.” (do poema Idealismo)
“A Consciência Humana é este morcego! / Por mais que a gente faça, à noite, ele entra/ Imperceptivelmente em nosso quarto!” (do poema O morcego)
Fim de vida
Após o lançamento de seu livro, que não foi bem recebido pela crítica, Augusto dos Anjos vai morar em Leopoldina, em Minas Gerais, em 1913, assumindo a direção do Grupo Escolar Ribeiro Junqueira. Na cidade passaria seus últimos tempos de vida.
No ano seguinte sofre com uma pneumonia, que o levaria à morte, em 12 de novembro de 1914, quando estava com apenas 30 anos.
Após a sua morte, seu grande amigo Órris Soares organiza uma nova edição do livro “Eu”, acrescentando ao texto original mais 46 poemas de Augusto dos Anjos, alguns inéditos, outros que já haviam sido publicados em periódicos. Aos poucos os poemas do autor foram ganhando notoriedade e, hoje, seu livro já passou por mais de 40 edições e ele é um dos poetas brasileiros mais lidos.
Em sua homenagem o Governo da Paraíba apoiou a criação do Memorial Augusto dos Anjos, na Casa Guilhermina, de sua ama de leite, localizada no Engenho onde o poeta nasceu e foi criado.
Um poeta diferente
Augusto dos Anjos foi efetivamente um poeta diferente em seu tempo, não por acaso foi considerado um poeta sombrio. Não se encaixou em padrões, criando seu próprio estilo, forte e visceral, que chocava aqueles que viam a poesia como algo romântico. A dor, o horror e a morte eram companheiros constantes de seus versos.
Assim ele construiu sua poesia, rechaçada, combatida e, até mesmo, desprezada, à época. Mas, para nossa felicidade, seus textos sobreviveram ao tempo e, aos poucos, foram ocupando o devido espaço na literatura brasileira, fazendo de Augusto dos Anjos um dos mais importantes poetas do século XX em nossa literatura.
Uma pena que tenha vivido tão pouco e não tenha tido o tempo necessário para compor novas obras literárias.
Só nos resta celebrar a importância desse poeta, que teve uma breve, mas marcante passagem por este mundo.