Sua importância para a literatura e a cultura nacional foi tão grande que, logo após a sua morte, ocorrida em 1987, Carlos Drummond de Andrade foi homenageado pelo governo brasileiro, tendo sua imagem estampada na cédula de NCz$ 50,00 (cinquenta cruzados novos), depois rebatizada como Cr$ 50,00 (cinquenta cruzeiros).
Estou de volta pessoal, hoje para falar de um dos maiores escritores da nossa história. Aliás, poeta, contista, cronista e tradutor, considerado por muitos o mais influente poeta brasileiro do século XX e não sem razão, pois foi um dos principais expoentes da segunda geração do modernismo no Brasil. Era adepto do verso livre, liberto das exigências de metrificação para sua poesia.
Além disso, tenho a felicidade e o orgulho de ter sido batizado com o mesmo nome desse gênio da literatura. Gostaria de ter sido agraciado com um pouco do seu talento, mas aí já seria outra história, mas fico muito feliz de ser seu xará. Assim como ele me chamo Carlos, eu um simples Alberto, ele, um monstro sagrado da poesia, um certo Drummond, Carlos Drummond de Andrade. Eu um aprendiz, ele um mestre.

Mineiro de Itabira
Drummond nasceu na sua amada Itabira, Minas Gerais, que estaria presente em parte da sua obra, em 31 de outubro de 1902. Era o nono filho do fazendeiro Carlos de Paula Andrade e de Julieta Augusta Drummond de Andrade.
Desde pequeno Drummond demonstrou grande interesse pela literatura. Em 1910 inicia seus estudos no curso primário. Quando completa 14 anos, em 1916, é matriculado no internato do Colégio Arnaldo, em Belo Horizonte, onde conhece Gustavo Capanema e Afonso Arinos de Melo Franco. Teve que interromper os estudos por motivo de saúde. Retorna, então, a Itabira onde passa a ter aulas particulares.
Em 1918 vai estudar no Colégio Anchieta da Companhia de Jesus, em Nova Friburgo, de onde seria expulso no ano seguinte, podem acreditar, por “insubordinação mental”, após desavenças com seu professor de Português.
A família vai para Belo Horizonte e ele publica seus primeiros textos no jornal ‘Diário de Minas’ em 1921. Começa a frequentar a vida literária da capital mineira e estabelece amizade com figuras como Milton Campos, Pedro Nava, Aníbal Machado, Alberto Campos, Emílio Moura, João Pinheiro Filho entre outros.
Vence o Concurso Novela Mineira, em 1922, com o conto chamado “Joaquim do Telhado. Nesse conto já mostraria a força de seu texto, criando um personagem que, movido pelo desejo de aprender, resolve refletir sobre a vida no telhado de sua casa, o que lhe causa repulsa e deboche por parte da sociedade local.
Em 1923 ingressa na Escola de Odontologia e Farmácia de Belo Horizonte, onde colaria grau em 1925. Nesse mesmo ano casaria com Dolores Dutra de Morais.
Formado em farmácia, nunca exerceu a profissão. Para viver Drummond lecionou português e Geografia em Itabira. Depois voltou para Belo Horizonte onde se empregaria como redator no ‘Diário de Minas’.
Vida Pessoal
Drummond se casou com Dolores em 1925 e com ela teve dois filhos, Carlos Flávio, que viveu apenas 30 minutos, a quem dedicaria o poema “O que viveu meia hora” e Maria Julieta Drummond de Andrade, que seria seu xodó e companheira ao longo da vida. Um detalhe, vítima de câncer, Maria Julieta morreria em cinco de agosto de 1987, 12 dias antes do falecimento de Carlos Drummond.
O Que Viveu Meia Hora (A Paixão Medida)
Nascer para não viver
só para ocupar
estrito espaço numerado
ao sol-e-chuva
que meticulosamente vai delindo
o número
enquanto o nome vai-se autocorroendo
na terra, nos arquivos
na mente volúvel ou cansada
até que um dia
trilhões de milênios antes do Juízo Final
não reste em qualquer átomo
nada de uma hipótese de existência.
Ao longo de sua vida profissional fez carreira como funcionário público e se aposentou como Chefe de Seção da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (DPHAN) após 35 anos de serviço. Em 1934 assumiu o cargo de chefe de gabinete do Ministro da Educação, Gustavo Capanema.
Na década de 1940, o poeta se aproximou do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e dirigiu um jornal do Partidão no Rio de Janeiro, chegando a entrevistar Luís Carlos Prestes, representante máximo do PCB à época, que se encontrava preso pelo regime do Estado Novo.
Já a carreira literária foi de 1922 até o seu falecimento, Drummond escreveu ao longo de toda a sua vida.
Carreira Literária
Após sua vitória no Concurso Novela Mineira, Drummond continuou com sua produção literária. Em 1928 publica, na Revista de Antropofagia de São Paulo, um de seus mais famosos poemas, “No meio do Caminho”, que, na época, foi considerado um “ponto fora da curva” pela produção literária tradicional.

No Meio do Caminho
No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra
No meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
Tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra.
Dois anos depois, em 1930, publicaria seu primeiro livro, “Alguma Poesia”, O detalhe interessante é que o próprio Drummond pagou pela tiragem da obra, de 500 exemplares, muitas vezes nem os maiores gênios escapam dessas agruras no início da carreira. Publicou seu segundo livro, “Brejo das Almas”, em 1934.
A partir daí, sua produção foi intensa, passando por livros de poesias e crônicas, antologias poéticas, livros infantis e de prosa. Ao todo foram mais de 60 obras publicadas.
Entre seus muitos trabalhos, podemos destacar:
Poesia/Crônica
• Alguma Poesia (1930)
• Brejo das Almas (1934)
• Sentimento do Mundo (1940)
• José (1942)
• A Rosa do Povo (1945)
• Novos Poemas (1948)
• Claro Enigma (1951)
• A Vida Passada a Limpo (1959)
• Versiprosa (1967)
• Boitempo (1968)
• A Falta que Ama (1968)
• Nudez (1968)
• Menino Antigo (Boitempo II) (1973)
• Discurso de Primavera e Algumas Sombras (1977)
• Corpo (1984)
• Eu, Etiqueta (1984)
• Amar se Aprende Amando (1985)
• Poesia Errante (1988)
• O Amor Natural (1992)
• Futebol a Arte (1970)
Antologia poética
• Poesia até Agora (1948)
• A Última Pedra no meu Caminho (1950)
• 50 Poemas Escolhidos pelo Autor (1956)
• Antologia Poética (1962)
• Amor, Amores (1975)
• Boitempo I e Boitempo II (1987)
• Minha Morte (1987)
Infantis
• O Elefante (1983)
• História de Dois Amores (1985)
• O Pintinho (1988)
• Rick e a Girafa[18]
Prosa
• Confissões de Minas (1944)
• Contos de Aprendiz (1951)
• A Minha Vida (1964)
• Cadeira de Balanço (1966)
• De Notícias & Não-notícias Faz-se a Crônica (1974)
• 70 Historinhas (1978)
• Contos Plausíveis (1981)
• Boca de Luar (1984)
• O Observador no Escritório (1985)
• Tempo Vida Poesia (1986)
• Moça Deitada na Grama (1987)
• O Avesso das Coisas (1988)
Sua obra é tão extensa quanto bela, o que o levou a ganhar diversos prêmios ao longa da carreira, como reconhecimento à sua qualidade de sua escrita, entre eles podemos citar:
• Prêmio Jabuti em 1968;
• Prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte em 1973;
• Prêmio Morgado de Mateus em 1980;
• Prêmio Juca Pato em 1982.
Curiosidades
- No poema “Apelo”, em 1965, defende a cantora Nara Leão, que havia criticado o governo militar;
- Em 1976, o cantor Martinho da Vila gravou um disco com canções inspiradas no livro “A Rosa do Povo”, escrito por Drummond em 1945;
- A música “Até o fim”, escrita por Chico Buarque é baseada no “Poema das sete faces” do autor;
- Carlos Drummond traduziu, para a revista Realidade, as canções “Ob-La-Di, Ob-La-Da”, “Piggies”, “Why don’t we do it in the road?”, “I Will”, “Blackbird” e “Happiness is a warm gun” de um álbum dos Beatles;
- Atuando como tradutor Drummond verteu para o português autores muito conhecidos como Balzac, Marcel Proust, García Lorca e Molière;
- A poetisa Elizabeth Bishop que viveu muitos anos no Brasil, foi tradutora do poeta para o inglês;
- Apesar de ser considerado um dos maiores poetas brasileiros do século XX, nunca quis fazer parte da Academia Brasileira de Letras;
- Em 1987 recebeu uma homenagem da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, em 1987. A Escola venceu o carnaval daquele ano com o enredo “No Reino das Palavras, Carlos Drummond de Andrade”;
- Sua imagem estampou a nota de NCz$ 50,00 (cinquenta cruzados novos). O anverso da cédula apresentava a figura de Carlos Drummond em primeiro plano, tendo ao fundo o casario e as montanhas de Itabira (MG). No reverso uma gravura representa o poeta escrevendo, à direita da imagem estão reproduzidos os versos do poema “Canção Amiga”.

Muito mais do que um poeta
Carlos Drummond foi notável na arte da escrita, pois foi muito mais do que um poeta, apesar de ser essa sua faceta mais conhecida e que lhe deu notoriedade. Escreveu contos, crônicas, prosa, fez literatura infantil, enfim, de tudo um pouco e tudo com extrema maestria. Mas, não há como negar que a poesia é um capítulo especial, provavelmente o mais importante da obra do autor.
Seu trabalho literário surge num momento em que a cultura brasileira entrava em ebulição com a Semana de Arte Moderna de 1922, tanto que ele é considerado um poeta da segunda geração de 22. Sua poesia vai se transformando na medida em que a realidade a sua volta se modifica. Individualista, engajado, irônico, bem-humorado, Drummond foi navegando por todas as formas e realidades. Mas sempre trabalhando com o verso livre, sem as amarras da métrica ou da rima.
Buscou no cotidiano, nos temas simples como o amor, a amizade, a dor ou em temas mais complexos como o vazio do mundo moderno e o existencialismo a matéria prima adequada para seus versos.
Foi, sem dúvida, um mestre na construção poética, que ao longo de seis décadas de trabalho literário nos ofereceu o que de melhor a poesia pode nos dar. É sempre um imenso prazer poder apreciar a obra deste grande poeta.
E você, conhece o trabalho de Carlos Drummond?