Olá, pessoal, estou de volta, agora para falar de poesia. E falar de poesia é sempre muito bom pois se tem uma coisa que o Brasil produziu, e continua a produzir, são grandes poetas e poetisas. Nossa tradição poética vem de muitos anos, de séculos. Na verdade, desde o século XVI, quando o Brasil foi descoberto e teve início a ocupação do nosso território, com a chegada dos padres jesuítas, da Companhia de Jesus, entre eles José de Anchieta, padre e evangelizador, que teria escrito os primeiros versos em terras brasileiras.
Ao longo dos séculos a poesia consagrou e eternizou vários mestres da nossa literatura. Entre tantos, um merece destaque, pois foi um poeta revolucionário, que usou seu talento para falar das mazelas sociais de sua época e apontar os dramas dos negros que vinham escravizados para o Brasil. Vamos falar de Castro Alves, o “Poeta dos Escravos”.
Nascido na Bahia
Antônio Frederico de Castro Alves nasceu no dia 14 de março de 1847, no interior da Bahia, na Vila de Curralinho, que anos mais tarde se tornaria uma cidade, batizada com o nome de seu cidadão mais ilustre, Castro Alves.
O poeta era filho do médico e professor Antônio José Alves e de Clélia Brasília da Silva Castro. Passou os primeiros anos de vida no interior da Bahia e ficou aos cuidados de uma “mucama” da família chamada Leopoldina, que lhe contava muitas histórias e lendas do sertão nordestino.
Quando ele estava com sete anos, em 1854, seu pai foi convidado para lecionar na Faculdade de Medicina e a família foi morar em Salvador. Na capital ele e o irmão mais velho, José Antônio, foram estudar no Ginásio Baiano, colégio do educador Abílio César Borges, futuro Barão de Macaúbas. Nessa época foi colega de escola de Rui Barbosa e já demostrava uma precoce vocação para escrever poesia.
Em 1859 Castro Alves perderia a mãe, falecida aos 33 anos por problemas nos pulmões. Três anos depois, em 1862, seu pai se casaria com a viúva Maria Ramos Guimarães e eles iriam para Recife, onde Castro Alves faria os estudos preparatórios para ingressar na Faculdade de Direito desta cidade. Ele chega à cidade do Recife em um momento que esta vivenciava o crescimento dos ideais abolicionistas e republicanos. Ainda em 1862 publica um poema “A Destruição de Jerusalém”, no Jornal do Recife, na época ele estava com 15 anos.
No ano de 1863 publica “A Canção do Africano”, na edição de lançamento do jornal ‘Primavera’. Segue, abaixo, um trecho do poema:
Lá na úmida senzala,
Sentado na estreita sala,
Junto ao braseiro, no chão,
Entoa o escravo o seu canto,
E ao cantar correm-lhe em pranto
Saudades do seu torrão …
De um lado, uma negra escrava
Os olhos no filho crava,
Que tem no colo a embalar…
E à meia voz lá responde
Ao canto, e o filhinho esconde,
Talvez pra não o escutar!
“Minha terra é lá bem longe,
Das bandas de onde o sol vem;
Esta terra é mais bonita,
Mas à outra eu quero bem!
Ele tentou ingressar da Faculdade de Direito, sendo reprovado duas vezes e só conseguiria se matricular em 1864, passando a fazer o curso no ano seguinte, quando estudaria com Tobias Barreto, de quem seria amigo e acabaria se tornando um grande desafeto. Rapidamente Castro Alves se integraria à vida literária do Recife, passando a ser admirado por seus versos.
Amor e drama
Nessa época Castro Alves já nutria uma forte paixão por Eugênia Câmara. A atriz portuguesa veio para o Brasil em 1858, para participar de uma turnê pelo país com a Companhia Dramática Furtado Coelho.
No ano de 1863, Castro Alves estava assistindo a uma apresentação da peça ‘Dalila’, e se encanta com a interpretação de Eugênia, por quem iria se apaixonar e que terá uma passagem marcante em sua vida. A ela irá dedicar uma poesia e, alguns anos mais tarde, irá ter com ela um intenso caso de amor. Eugênia era 10 anos mais velha do que ele.
Mas, nem só de poesia e paixão vivia Castro Alves. Em 1864 seu irmão mais velho, José Antônio, que nessa época apresentava graves problemas mentais, comete o suicídio. Também nessa época Castro Alves apresenta os primeiros sintomas de tuberculose, doença que já vitimara sua mãe. Em função dos problemas de saúde retorna à Bahia, com isso acumula muitas faltas na Faculdade de Direito e acaba reprovado em seu primeiro ano de estudo.
Em 1866, quando o poeta estava com 19 anos, seu pai morre, deixando a segunda mulher e cinco filhos menores. Castro Alves assume a responsabilidade por eles, juntamente com a madrasta. Nesse mesmo ano, de volta ao Recife, ele se une a Rui Barbosa, Plínio de Lima, Augusto Guimarães, Regueira Costa e outros para fundar uma sociedade abolicionista.
Dois anos depois, em 1868, Castro Alves embarca para o Rio de Janeiro, junto com Eugênia Câmara, antes de seguirem para São Paulo. No Rio conhece José de Alencar, para quem lê um esboço de seu poema “A Cascata de Paulo Afonso”. Após o encontro, José de Alencar publica um artigo, no jornal Correio Mercantil, intitulado “Um Poeta”, em que tece elogios a Castro Alves. Além disso, Alencar o apresenta a Machado de Assis, com a singela recomendação para que Machado “seja o Virgílio do jovem Dante, conduza-o pelos ínvios caminhos por onde se vai à decepção, à indiferença e finalmente à glória, que são os três círculos máximos da divina comédia do talento.”, numa alusão à “Divina Comédia”, do poeta italiano Dante Alighieri. Machado de Assis, atendendo ao apelo de José de Alencar, ajuda Castro Alves a ingressar nos meios literários.
Após a estadia no Rio, o casal segue para São Paulo, onde o poeta vai concluir o curso de Direito. Em 1868 ele rompe seu relacionamento com Eugênia. Nesse mesmo ano, quando participava de uma caçada, um tiro de espingarda fere seu pé esquerdo, o que vai acarretar uma amputação.
A poesia
A vida de Castro Alves foi curta, ele vai falecer em 1871, aos 24 anos, vítima da tuberculose. Mas sua produção literária foi gigantesca por sua qualidade. Ele foi, se não a maior, uma das maiores figuras do romantismo no Brasil. Sua poesia, de cunho social, era voltada aos problemas de seu tempo, em particular a questão da escravidão, defendendo as causas da liberdade e da justiça. Utilizando seus versos apontou o dedo para a questão escravocrata, denunciando o sistema e clamando por liberdade. Sua poesia, com forte cujo social foi uma referência em defesa dos negros, por isso ganhou o apelido de “O Poeta dos Escravos”.
Em 1870, de volta a Salvador, lança o livro “Espumas Flutuantes”, que seria o único publicado enquanto o poeta estava vivo. Nessa obra exalta o amor sensual e a natureza, como no poema “Boa Noite”, reproduzido abaixo:
Boa noite, Maria! Eu vou-me embora.
A lua nas janelas bate em cheio…
Boa noite, Maria! É tarde… é tarde…
Não me apertes assim contra teu seio.
Boa noite!… E tu dizes – Boa noite.
Mas não digas assim por entre beijos…
Mas não me digas descobrindo o peito,
– Mar de amor onde vagam meus desejos.
Julieta do céu! Ouve.. a calhandra
já rumoreja o canto da matina.
Tu dizes que eu menti?… pois foi mentira…
…Quem cantou foi teu hálito, divina!
Se a estrela-d’alva os derradeiros raios
Derrama nos jardins do Capuleto,
Eu direi, me esquecendo d’alvorada:
“É noite ainda em teu cabelo preto…”
É noite ainda! Brilha na cambraia
– Desmanchado o roupão, a espádua nua –
o globo de teu peito entre os arminhos
Como entre as névoas se balouça a lua…
É noite, pois! Durmamos, Julieta!
Recende a alcova ao trescalar das flores,
Fechemos sobre nós estas cortinas…
– São as asas do arcanjo dos amores.
A frouxa luz da alabastrina lâmpada
Lambe voluptuosa os teus contornos…
Oh! Deixa-me aquecer teus pés divinos
Ao doudo afago de meus lábios mornos.
Mulher do meu amor! Quando aos meus beijos
Treme tua alma, como a lira ao vento,
Das teclas de teu seio que harmonias,
Que escalas de suspiros, bebo atento!
Ai! Canta a cavatina do delírio,
Ri, suspira, soluça, anseia e chora…
Marion! Marion!… É noite ainda.
Que importa os raios de uma nova aurora?!…
Como um negro e sombrio firmamento,
Sobre mim desenrola teu cabelo…
E deixa-me dormir balbuciando:
– Boa noite! –, formosa Consuelo…
Sua obra poética pode ser dividida em duas partes, a poesia social e a amorosa. Castro Alves foi brilhante nos dois casos, produzindo poemas que se eternizaram ao longo da história, mas, sem dúvida, sua maior força poética vem dos versos abolicionistas. Entre os poemas deixados por Castro Alves, destacamos:
– A Canção do Africano
A Cachoeira de Paulo Afonso
– A Cruz da Estrada
– Adormecida
– Amar e Ser Amado
– Amemos! Dama Negra
– As Duas Flores
– Espumas Flutuantes
– Hinos do Equador
– Minhas Saudades
– O “Adeus” de Teresa
– O Coração
– O Laço de Fita
– O Navio Negreiro
– Ode ao Dois de Julho
– Os Anjos da Meia Noite
– Vozes d’África
Curiosidades
– O poeta não casou nem teve filhos;
– Além de escrever, ele também gostava de desenhar e era muito bom na declamação e no improviso poético;
– Manteve, ao longo de sua curta vida, uma rivalidade com o poeta e jurista Tobias Barreto;
– Castro Alves foi importante membro da maçonaria;
– Sua obra sofreu grande influência de Victor Hugo (escritor francês) e de Lord Byron (poeta britânico).
Breve e genial
A vida de Castro Alves foi muito curta, 24 anos, para todo o seu talento. A tuberculose não só lhe tirou a vida, levou dos amantes da literatura a oportunidade de usufruir muito mais do talento único de Castro Alves. Tivesse vivido por muitos anos mais, com certeza teria deixado um legado ainda maior do que construiu em sua curta passagem por este mundo.
Mas assim é a vida, ela nos tirou de forma rápida e injusta Castro Alves, mas não impediu que ele deixasse registrado todo o seu talento literário, reverenciado até os nossos dias, mais de 150 anos após a sua morte. E nada melhor, para homenagear o poeta do que terminar esse texto com um trecho de seu famoso e belo poema “Navios Negreiros”.
Que assim seja!
Era um sonho dantesco… o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros… estalar de açoite…
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar…
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!
E ri-se a orquestra irônica, estridente…
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais …
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos… o chicote estala.
E voam mais e mais…
Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!
No entanto o capitão manda a manobra,
E após fitando o céu que se desdobra,
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
“Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!…”
E ri-se a orquestra irônica, estridente. . .
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais…
Qual um sonho dantesco as sombras voam!…
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!…