Está na hora de falar de poesia e desta vez de alguém muito especial. Uma verdadeira artesã das palavras, que com muita simplicidade criou uma poesia rica e diferenciada. Foi original na temática, foi diferente em sua estreia literária, pois publicou seu primeiro livro quando já estava com 75 anos de idade, apesar de escrever desde jovem. Uma mulher simples, nascida na cidade de Goiás, que escreveu sobre o cotidiano do interior do país, principalmente dos recantos de sua cidade natal, poesia essa que foi reverenciada por um dos maiores poetas da nossa história, ninguém menos do que Carlos Drummond de Andrade.
Diante da deferência de Drummond só posso saudar essa poetisa e contar, com muita satisfação e orgulho, um pouco da sua maravilhosa história, de vida e literária.
Então vamos direto ao assunto e falar da poetisa e contista Cora Coralina.
Nascida Anna
Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas nasceu em 20 de agosto de 1889, na cidade de Goiás, no Estado do mesmo nome. Ela ficou nacionalmente conhecida como Cora Coralina, pseudônimo que adotou como escritora. Filha do Desembargador, nomeado por D. Pedro II, Francisco de Paula Lins dos Guimarães Peixoto e de Jacyntha Luiza do Couto Brandão, foi criada às margens do rio Vermelho, que banha sua cidade.
Cora não teve muita instrução, estudou até a quarta série com a Mestre-Escola Silvina Xavier de Brito. Chama-se mestre-escola o professor de instrução primária, que ensina a ler e escrever.
Seus primeiros versos foram escritos quando ela estava com 14 anos, que posteriormente seriam publicados em jornais da cidade de Goiás e em outros da região. O ano de 1907 seria muito interessante para Cora pois nele ela fundou o jornal de poesias “A Rosa”, juntamente com Leodegária de Jesus, Alice Santana e Rosa Godinho. Ainda nesse ano assumiria a vice-presidência do gabinete literário goiano.
Em 1910 publicou um conto, “Tragédia na Roça” no Anuário Histórico e Geográfico do Estado de Goiás, já utilizando o pseudônimo de Cora Coralina. Nesse mesmo ano conheceria o advogado Cantídio Tolentino de Figueiredo com quem passaria a viver, indo morar no interior de São Paulo, em 1911. Em 1922, já com poemas publicados, recebeu o convite para participar da Semana de Arte Moderna, mas, por conta da oposição do marido, não compareceu.
Em 1924 se mudariam para a capital paulista. Eles se casariam em 1925 e teriam seis filhos, Paraguaçu, Eneas, Cantídio, Jacyntha, Ísis e Vivência. Dois deles, Eneas e Ísis morreriam logo após o nascimento.
Morte e mudança de rumo
O ano de 1934 reservou uma triste passagem para Cora, quando seu marido Cantídio veio a falecer. Com 46 anos e quatro filhos para sustentar, ela passa a vender livros. Então decide voltar para o interior de São Paulo, para Penápolis, onde vai vender linguiça caseira e banha de porco. Mais tarde ela e os filhos se mudam para outra cidade do interior paulista, Andradina, onde ela chega a abrir uma loja de tecidos e passa a escrever para o jornal local. Em Andradina ela se candidatou a Vereadora, em 1951, pela UDN (União Democrática Nacional).
Cinco anos mais tarde, em 1956, ela retornaria à sua cidade natal, onde passaria a viver como doceira, vendendo doces cristalizados para manter a família.
Quando estava completando 70 anos, em 1959, foi aprender datilografia, para poder preparar de forma mais adequada seus textos e apresentá-los aos editores.
Carreira Literária
O sonho literário de Cora Coralina começa a se concretizar em 1965, quando ela publica seu primeiro livro “O Poema dos Becos de Goiás e Estórias Mais”, pela editora José Olympio. O livro é dividido em poesias e prosas. Desta primeira obra destacamos trecho do poema “Becos de Goiás”.
Becos de Goiás
Becos da minha terra…
Amo tua paisagem triste, ausente e suja.
Teu ar sombrio. Tua velha umidade andrajosa.
Teu lodo negro, esverdeado, escorregadio.
E a réstia de sol que ao meio-dia desce fugidia,
e semeias polmes dourados no teu lixo pobre,
calçando de ouro a sandália velha, jogada no monturo.
Amo a prantina silenciosa do teu fio de água,
Descendo de quintais escusos sem pressa,
e se sumindo depressa na brecha de um velho cano.
Amo a avenca delicada que renasce
Na frincha de teus muros empenados,
e a plantinha desvalida de caule mole
que se defende, viceja e floresce
no agasalho de tua sombra úmida e calada…”
Em 1970 Cora Coralina foi eleita para a Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás, ocupando a cadeira no 5. Na sequência ela lançaria as seguintes obras:
- Meu livro de Cordel – 1976
- Vintém de Cobre – Meias Confissões de Aninha – 1983
- Estórias da Casa Velha da Ponte – 1985
Após a sua morte foram lançados, ainda, mais cinco livros, frutos de seu rico trabalho acumulado ao longo dos anos:
- Meninos Verdes – 1986
- Tesouro da Casa Velha – 1996
- A Moeda de Ouro que o Pato Engoliu – 1999
- Vila Boa de Goiás – 2001
- O Prato Azul-Pombinho – 2002
A obra de Cora Coralina ganharia projeção nacional a partir de elogios que seu primeiro livro recebeu de ninguém menos do que Carlos Drummond de Andrade, que publicou uma carta no Jornal do Brasil com elogios à sua obra:
“Cora Coralina.
Não tenho o seu endereço, lanço estas palavras ao vento, na esperança de que ele as deposite em suas mãos. Admiro e amo você como alguém que vive em estado de graça com a poesia. Seu livro é um encanto, seu verso é água corrente, seu lirismo tem a força e a delicadeza das coisas naturais. Ah, você me dá saudades de Minas, tão irmã do teu Goiás! Dá alegria na gente saber que existe bem no coração do Brasil um ser chamado Cora Coralina.
Todo o carinho, toda a admiração do seu.”
Um ano antes de falecer, em 1984, ela foi indicada para a Academia Goiânia de Letras, passando a ocupar a cadeira 38.
Prêmios
A bela carreira literária rendeu a Cora Coralina vários prêmios, entre eles:
- Homenagem do Conselho Nacional das Mulheres do Brasil – 1980
- Troféu Jaburu, do Conselho de Cultura do Estado de Goiás – 1981
- Prêmio de Poesia nº 01, Festival Nacional de Mulheres nas Artes – 1982
- Doutora Honoris Causa, Universidade Federal de Goiás. – 1983
- Ordem do Mérito no Trabalho, honraria concedida pelo Governo brasileiro, por meio do Presidente João Batista de Figueiredo – 1983
- Medalha Anhanguera, Governo do Estado de Goiás – 1983
- Homenagem do Senado Federal – 1983
- Grande Prêmio da Crítica/Literatura da Associação Paulista de Críticos de Arte – 1984
- Troféu Juca Pato, da União Brasileira de Escritores (UBE), primeira escritora brasileira a receber esse prêmio – 1984
- Homenagem da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação como símbolo da mulher trabalhadora rural – 1984
- A obra “Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais” é eleita pelo jornal O Popular, de Goiânia, uma das 20 obras mais importantes do século XX – 1999
- Condecorada com a classe Grã-Cruz da Ordem do Mérito Cultural, pelo Ministério da Cultura – 2006
Cora Coralina faleceu no dia 10 de abril de 1985, aos 95 anos, por causa de uma pneumonia. Depois de sua morte a casa onde ela viveu seus últimos anos de vida, em Goiânia, foi transformada em Museu. Em 2001 sua casa na cidade de Goiás foi reconhecida pela Unesco como Patrimônio Histórico da Humanidade.
Frases
Conheça um pouco do pensamento de Cora Coralina. Confira algumas de suas frases mais marcantes:
“Recria tua vida, sempre, sempre. Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.”
“O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada. Caminhando e semeando, no fim terás o que colher.”
“Nada do que vivemos tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas.”
“Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.”
“O saber se aprende com os mestres. A sabedoria, só com o corriqueiro da vida.”
“Fiz a escalada da montanha da vida removendo pedras e plantando flores.”
“Todos estamos matriculados na escola da vida, onde o mestre é o tempo.”
“A verdadeira coragem é ir atrás de seu sonho mesmo quando todos dizem que ele é impossível.”
Um pouco mais da obra de Cora Coralina com o belo poema “Meu Destino”
Meu Destino
Nas palmas de tuas mãos
leio as linhas da minha vida.
Linhas cruzadas, sinuosas,
interferindo no teu destino.
Não te procurei, não me procurastes –
íamos sozinhos por estradas diferentes.
Indiferentes, cruzamos
Passavas com o fardo da vida…
Corri ao teu encontro.
Sorri. Falamos.
Esse dia foi marcado
com a pedra branca da cabeça de um peixe.
E, desde então, caminhamos
juntos pela vida…
Simples e bela
Cora Coralina foi uma poetisa que fugia ao padrão de sua época. Não pertencia aos círculos intelectuais, não tinha formação cultural elevada, mas conseguia entender a simplicidade da vida e o cotidiano como poucos. Isso lhe permitiu produzir uma poesia diferenciada. De forma simples e, também, informal ela fez de sua poesia e sua prosa um elo com os humildes contadores de história espalhados pelo interior do Brasil. E quando falamos que sua poesia era simples, não vamos confundir isso com uma linguagem pobre. Seu texto era simples, mas harmonioso, rico de uma brasilidade que não encontramos com frequência.
Aninha, como ela mesmo se tratava em sua poesia, se fez Cora e escreveu um dos mais belos capítulos da literatura brasileira. Com sua simplicidade fez a poesia nacional ficar muito mais rica.
Ela foi doceira, dizem que fazia doces como poucos, e assim foi sua vida, com doçura ela criou uma poesia que encantou a todos e venceu o tempo.