Fernando Pessoa

Vamos falar de poesia mais uma vez. E, desta vez, de forma um pouco diferente. Não vamos falar de um poeta, mas de vários. Isso mesmo, vamos conhecer diversos autores, só que todos reunidos em uma única pessoa. Essa é a magia da literatura, um escritor encarnando diversos personagens e produzindo textos que se tornaram referência. Tanto é verdade que esse autor é considerado um dos mais importantes poetas da nossa língua e uma figura preponderante do modernismo em Portugal. É considerado por muitos o mais universal poeta da língua portuguesa.

Um homem e múltiplos personagens, mas sempre com uma qualidade literária imensa, foi assim que este poeta português encantou o mundo. Criando personagens e poesias se transformou num dos mais importantes nomes da literatura mundial.

Vamos falar de uma Pessoa muito especial, do poeta Fernando Pessoa.

Nascimento

Fernando Pessoa livros escritor frases poeta Portugal lingua portuguesa poesia

Fernando Antônio Nogueira Pessoa nasceu em Portugal, na cidade de Lisboa, em 13 de junho de 1888, filho do funcionário público Joaquim de Seabra Pessoa e de Maria Magdalena Pinheiro Nogueira Pessoa.

Dono de uma grande capacidade intelectual, desenvolveu várias atividades ao longo de sua vida, foi poeta, dramaturgo, tradutor, crítico literário, filósofo, ensaísta, publicitário, correspondente comercial, comentarista político, astrólogo e inventor.

Sua infância foi conturbada, principalmente por conta das perdas que sofreu. Quando estava com cinco anos, em 1893, seu pai morreu, vítima de tuberculose. Nesse mesmo ano nasceu seu irmão, Jorge, que viria a falecer no ano seguinte. A morte do pai deixou a família em situação financeira delicada e a mãe decidiu vender parte da mobília para obter recursos.

Mas, mesmo com todo o sofrimento, Pessoa demonstraria todo o seu talento ainda muito novo. Aos seis anos de idade, em 1894, ele dá vida a seu primeiro heterônimo “Chevalier de Pas” e escreve seu primeiro poema, intitulado “À Minha Querida Mamã”.

A criação de heterônimos seria uma constante na vida do poeta. Heterônimo é a criação, por parte do autor, de uma figura imaginária a quem ele vai atribuir a autoria de suas obras. Fernando Pessoa foi um mestre na criação de heterônimos, dando vida a personagens com histórias diversificadas.

Ainda em 1894 a mãe de Pessoa, Maria Magdalena, conheceu o Comandante da Marinha Portuguesa, João Miguel Rosa, com quem se casaria no final de 1895. João Miguel é destacado para o posto de cônsul português na África do Sul.

Em janeiro de 1896 Pessoa e a mãe seguem para Durban, cidade sul-africana onde o comandante iria servir como cônsul. Lá o poeta inicia os estudos primários, numa escola de freiras irlandesas. Em 1899 vai estudar no Liceu de Durban, onde ficou por três anos e se tornou um dos melhores alunos da turma, obtendo notas bastante elevadas, inclusive em inglês, que começou a estudar quando ingressou no Liceu. Ainda em 1899 Pessoa cria seu segundo heterônimo, Alexander Search e, por meio deste, envia cartas para si mesmo. Estudando em Durban ele foi educado em inglês e manteve contato com grandes escritores desta língua como William Shakespeare, Edgar Allan Poe, Lord Byron, John Milton e Alfred Tennyson, entre outros.

Em 1901 escreve seus primeiros poemas em inglês e é aprovado com distinção no primeiro exame da Cape School High Examination, apenas dois anos após começar a estudar o idioma.

Se nos estudos Fernando Pessoa ia muito bem, na vida pessoal continuava a enfrentar seus dramas. No mesmo ano de 1901 sua irmã Madalena Henriqueta, filha de sua mãe com João Miguel, faleceu aos três anos de idade. Nesse mesmo período eles retornam a Portugal para passar um período de férias. No navio a família traz o corpo de Madalena para ser enterrado em Portugal.

No ano seguinte, em 1902, nasce João Maria, quarto filho do casal João Miguel e Maria Madalena. Os outros eram Henriqueta Madalena, nascida em 1896 e Luís Miguel, nascido em 1900, além da falecida Madalena Henriqueta. No mesmo ano de 1902 a família visita a Ilha Terceira, nos Açores, local de nascimento de sua mãe. Em seguida vão visitar a cidade de Tavira, onde vivem parentes de seu padrasto. Na sequência de viagens sua mãe e o padrasto voltam a Durban com os filhos mais novos. Fernando Pessoa permanece em Portugal por mais alguns meses, antes de seguir para Durban.

Na África do Sul, em 1903, faz o exame de admissão para a Universidade do Cabo, obtendo a melhor nota no ensaio em inglês, o que lhe garante o Prêmio Rainha Vitória.

Regresso a Portugal

No final de 1904 conclui seus estudos em Durban e, no ano seguinte, retorna para Portugal, enquanto a família permanece na África do Sul. Pessoa vai morar com sua avó Dionísia e algumas tias. Em 1906 matricula-se no Curso Superior de Letras, atual faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, mas desiste do curso antes de completar o primeiro ano de estudo. Ainda em 1906 sua família retorna para Portugal e falece sua irmã Maria Clara, nascida dois anos antes. Sua avó Dionísia vem a falecer no ano seguinte, deixando para o poeta uma herança, com a qual ele montaria uma tipografia, que vai a falência em breve intervalo de tempo.

A partir de 1908 inicia o trabalho de correspondente estrangeiros em escritórios comerciais. Mantém uma forte atividade literária, produzindo poesia e prosa em três idiomas, português, francês e inglês. Publica seu primeiro artigo de crítica literária na revista ‘A Águia’, que falava de literatura, arte, filosofia e ciência, em 1912. Como poeta, publica suas primeiras obras na revista de literatura, crítica e arte ‘A Renascença’.

Fernando Pessoa também participou do grupo que criou a revista ‘Orpheu’, que seria a precursora do movimento modernista em Portugal, reunindo nomes como Mário de Sá-Carneiro, Almada-Negreiros, Raul Leal, Luís de Montalvor e o brasileiro Ronald de Carvalho, entre outros.

Em 1924 Pessoa fundaria a revista Athena, ao lado do artista plástico Ruy Vaz, na qual publicaria poesias de seus heterônimos Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Alberto Caeiro.

Ao longo de sua vida Fernando Pessoa produziu uma rica obra, a maior parte publicada após sua morte. Confira:

Fernando Pessoa livros escritor frases poeta Portugal lingua portuguesa

Obras publicadas com Pessoa vivo

– 35 Sonnets (1918)

– Antinous (1918)

– English Poems (1921)

– Mensagem (1934)

Algumas obras publicadas após a morte do poeta

– Poesias de Fernando Pessoa (1942)

– Poesias de Álvaro de Campos (1944)

– A Nova Poesia Portuguesa (1944)

– Poesias de Alberto Caeiro (1946)

– Odes de Ricardo Reis (1946)

– Poemas Dramáticos (1952)

– Poesias Inéditas I e II (1955 e 1956)

– Textos Filosóficos, 2 v (1968)

– Novas Poesias Inéditas (1973)

– Poemas Ingleses Publicados por Fernando Pessoa (1974)

– Cartas de Amor de Fernando Pessoa (1978)

– Sobre Portugal (1979)

– Textos de Crítica e de Intervenção (1980)

– Carta de Fernando Pessoa a João Gaspar Simões (1982)

– Livro do Desassossego (1982)

– Cartas de Fernando Pessoa a Armando Cortes Rodrigues (1985)

– Obra Poética de Fernando Pessoa (1986)

– O Guardador de Rebanhos de Alberto Caeiro (1986)

– Primeiro Fausto (1986)

Heterônimos

Fernando Pessoa foi uma figura complexa, vários poetas coexistiam dentro dele. Para cada um deles Pessoa criou um heterônimo. Foram dezenas de indivíduos diferentes, com características completamente diversas que expressavam todos os sentimentos do poeta. Entre os heterônimos mais importantes criados por ele, destacam-se Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Bernardo Soares e Ricardo Reis. Vamos conhecer um pouco das principais características desses quatro poetas que existiram dentro de Fernando Pessoa.

Alberto Caeiro – nascido em Lisboa, em 16 de abril de 1889, ficou órfão muito cedo. Só teve instrução até o primário e passou a maior parte da sua vida no campo. Considerado um poeta ligado à natureza, cultuava a simplicidade e a ingenuidade. O poema “O Guardador de Rebanhos” apresenta bem essa forma simples de sentir e se expressar.

O Guardador de Rebanhos (trecho)

Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estacões
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr do Sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.

Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.

Álvaro de Campos

É considerado por muitos como o mais importante heterônimo de Fernando Pessoa. Nasceu em Tavira, no extremo sul de Portugal, no dia 15 de outubro de 1890. Cursou engenharia naval na Escócia, mas não suportava ficar trancado dentro de um escritório. Com um temperamento rebelde é o poeta da modernidade, do século XX. Seus poemas expressam revolta e inconformismo. Escreveu vários poemas que se consagraram como “Ode Triunfal”, “Ode Marítima” e “Tabacaria”. Confira, abaixo, um trecho de “Ode Triunfal”.

Ode Triunfal (trecho)

À dolorosa luz das grandes lâmpadas elétricas da fábrica

Tenho febre e escrevo.

Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,

Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.

Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno! 

Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria! 

Em fúria fora e dentro de mim, 

Por todos os meus nervos dissecados fora, 

Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto! 

Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos, 

De vos ouvir demasiadamente de perto, 

E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso 

De expressão de todas as minhas sensações, 

Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!

Bernardo Soares

Foi considerado pelo próprio Pessoa como um semi-heterônimo tendo em vista que ele colocou em Bernardo diversas de suas características, como o próprio autor definiria: “Não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e afectividade”. Bernardo é autor do “Livro do Desassossego”. Confira um dos poemas do livro.

Isto

Dizem que finjo ou minto
Tudo o que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.

Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.

Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério de que não é.
Sentir? Sinta quem lê!

Ricardo Reis

Ricardo nasceu em 19 de setembro de 1887, na cidade do Porto. Estudou em colégio de jesuítas e, mais tarde, se formaria em medicina. Era um homem muito culto, que apreciava a civilização grega e sua mitologia. Usava toda essa cultura em seus versos, que eram elaborados e com formas métricas. Segundo o próprio Pessoa, Ricardo Reis era monarquista e mudou-se para o Brasil após à proclamação da República em Portugal. Nunca se soube o ano de sua morte.

Segue o Teu Destino

Segue o teu destino, 
Rega as tuas plantas, 
Ama as tuas rosas. 
O resto é a sombra 
De árvores alheias. 

A realidade 
Sempre é mais ou menos 
Do que nós queremos. 
Só nós somos sempre 
Iguais a nós-próprios. 

Suave é viver só. 
Grande e nobre é sempre 
Viver simplesmente. 
Deixa a dor nas aras 
Como ex-voto aos deuses. 

Vê de longe a vida. 
Nunca a interrogues. 
Ela nada pode 
Dizer-te. A resposta 
Está além dos deuses. 

Mas serenamente 
Imita o Olimpo 
No teu coração. 
Os deuses são deuses 
Porque não se pensam. 

Fernando Pessoa livros escritor frases poeta

Vida Pessoal

A vida pessoal de Fernando Pessoa teve alguns contornos de drama, principalmente no que diz respeito às perdas familiares. Aos cinco anos perdeu o pai, aos seis o irmão Jorge. A irmã Madalena Henriqueta faleceu em 1901, quando ele estava com 13 anos. Em 1906 falece a irmã Maria Clara. Todos morreram muito novos, Madalena aos três anos, Maria Clara com dois anos e Jorge que faleceu com um ano de idade. Sua avó Dionísia faleceu em 1907. Em 1916 Pessoa recebe a notícia do suicídio de seu grande amigo, o poeta Mária Sá-Carneiro. Sua mãe viria a falecer em 1925.

Em 1920 ele conhece Ofélia Queiroz, com quem vai manter um relacionamento ao longo desse ano. A relação será conturbada, e eles vão se separar. Eles voltariam a se relacionar em 1929. Que se tenha notícia, ela foi a única namorada de Fernando Pessoa. Dessa relação ficaram 48 cartas enviadas por Pessoa a Ofélia, que seriam publicadas em 1978, as “Cartas de Amor de Fernando Pessoa”. Em 1996, cinco anos após a morte de Ofélia, sua sobrinha publicou as cartas que ela enviara ao poeta.

Fernando Pessoa faleceu no dia 30 de novembro de 1935, aos 47 anos, em decorrência de uma cólica hepática, por causa de um cálculo biliar e em consequência de uma cirrose hepática.

Curiosidades

– Pessoa gostava muito de astrologia, fazia mapas astrais para amigos, parentes e personalidades;

– A astrologia fez com que ele não comparecesse a um encontro com Cecília Meireles, quando está visitou Portugal. Ela queria muito conhecer o poeta, mas Pessoa acabou não comparecendo ao encontro pois os astros diziam que os dois não deviam se encontrar naquele dia. Como pedido de desculpas ele deixou no hotel em que Cecilia estava hospedada um livro e uma carta com a explicação pela ausência e o pedido de desculpas;

– Em 2008 ele foi indicado como uma das 50 personalidades mais influentes da cultura europeia, ao lado de figuras como Leonardo da Vinci, Albert Einstein e Wolfgang Amadeus Mozart, entre outros;

– Apesar de ser português, Pessoa publicou seus primeiros poemas em inglês, idioma que dominava muito bem pois foi criado na África do Sul. Seu primeiro livro em português só seria publicado muitos anos depois dessas primeiras publicações;

– Foi grande amigo de outros dois grandes poetas da língua portuguesa, Mário de Sá-Carneiro e Almada Negreiros. Com o primeiro manteve intensa correspondência até o suicídio do amigo;

– O poeta só alcançou popularidade com a poesia após sua morte, em 1935;

– Fernando Pessoa era muito supersticioso e isso influenciava diretamente em seu comportamento, às vezes enigmático e misterioso.

Fernando Pessoa livros escritor frases

Frases

O poeta português também ganhou notoriedade com diversas frases que criou ao longo da vida, confira algumas delas:

– Tenho em mim todos os sonhos do mundo.

– Tudo vale a pena quando a alma não é pequena.

– Às vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido.

– Para viajar basta existir.

– Eu não escrevo em português. Escrevo eu mesmo.

– Há tanta suavidade em nada dizer e tudo entender…

– Amo como ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar. Que queres que te diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo?

– Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.

– A liberdade é a possibilidade do isolamento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo.

– Sinto-me nascido a cada momento para a eterna novidade do Mundo.

Uma Pessoa muito especial

Fernando Pessoa foi uma personalidade singular, com uma inteligência rara e uma capacidade produtiva impressionante. Sua vida foi curta, morreu aos 47 anos, mas produziu uma obra grandiosa, que até hoje encanta os leitores. Sua capacidade intelectual inquestionável fez com que ele criasse seus diversos heterônimos, com os quais produziu boa parte de seus escritos. Sua criatividade era tão grande que, além dos textos, criou outras vidas, seus heterônimos, e com eles fez um trabalho fenomenal.

Falar de poesia e não falar de Fernando Pessoa não faz sentido. Ele é, ao lado de Luís de Camões e José Saramago, a maior expressão da literatura Lusófona.

O poeta é, sem dúvida, uma das maiores expressões da literatura ao longo de toda a história. Foi um escritor com uma sensibilidade fantástica, apesar de toda a dor que carregou, fruto das experiências traumáticas que viveu na infância, com a morte do pai, de um irmão e duas irmãs. Ele se definiria de forma muito humilde em uma poesia:

“Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.”

Pois Fernando Pessoa viveu, sonhou e escreveu, para nossa felicidade, poemas incríveis. Pois viva Pessoa!

Compartilhe este post nas suas redes:

Deixe um comentário

Quem leu este post também gostou:

Escritor Carlos Carvalho

Carlos Carvalho

Sou escritor, amante de literatura e apaixonado pelos mistérios criados por Agatha Christie. Escrevo contos, poesias e romances. Sendo o Romance Policial meu gênero literário preferido. Sou formado em Jornalismo e pós-graduado em Assessoria de Imprensa e Comunicação Empresarial.

Mais Lídos

Categorias

Meus Livros

Conheça todas as minhas obras.

Newsletter

Se você gostou desse espaço e quer receber com exclusividade as novidades que vão pintar por aqui, faça o seu cadastro!

Convidados

Se você quer participar desta viagem cultural e publicar seu texto aqui no meu site, clique no botão abaixo, preencha corretamente os seus dados e aguarde o contato!