Já falei aqui de vários autores que se transformaram em clássicos da literatura e as obras magistrais que eles produziram. É sempre bom falar deles, saber como pensavam, o que faziam, enfim, conhecer melhor a vida desses grandes mestres da literatura.
Agora, para minha alegria, vamos falar de um escritor que foi efetivamente um mestre na arte da escrita e produziu obras que se tornaram grandes clássicos da literatura universal. Mas, ele foi muito além disso. Também foi diferenciado como pensador e crítico da sociedade em que vivia, pois seus livros abordaram temas como o racionalismo, a doutrina cristã, os aspectos da culpa que o ser humano carrega, o livre arbítrio e o direito de escolha. Por sua forma de pensar e traduzir esses pensamentos teve forte influência não só na literatura, mas também na filosofia, na psicologia e até mesmo na teologia.
Com tantos predicados, não poderíamos deixar de falar desse grande personagem da literatura. Vamos conhecer um pouco mais da vida e obra de Fiódor Dostoiévski.
Infância
Nascido em Moscou, em 11 de novembro de 1821, Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski era o segundo filho de Mikhail Dostoiévski e de Maria Fedorovna. Seu pai era médico militar e a mãe dona de casa, a família, mesmo não sendo pobre, não possuía grandes recursos financeiros.
Por influência de seus pais, desde muito cedo Dostoiévski e seus irmãos tiveram educação religiosa e foram iniciados na literatura.
Aos 16 anos, em 1837 Fiódor perdeu sua mãe, vítima de tuberculose. Em 1838 ingressa na Academia de Engenharia Militar de São Petersburgo, de onde sairia formado em engenharia em 1843.
Se perdeu a mãe aos 16, dois anos depois, aos 18 anos, enfrentou outro duro golpe em sua vida com a morte de seu pai.
Carreira Literária
O ingresso na vida adulta foi difícil para Dostoiévski, pois teve que lidar com a morte de seus pais. Na Academia, além dos estudos de engenharia e das questões de estratégia militar, havia um excelente programa para o estudo de literatura. Ele teve, então, a oportunidade de conhecer a obra de grandes autores como Honoré de Balzac, Vitor Hugo, George Sand (na verdade era o pseudônimo da escritora francesa Amandine Aurore Lucile Dupin) e Eugène Sue, que com certeza tiveram influência em sua formação literária e em seu gosto pela escrita.
Formado em 1843 pouco atuou como engenheiro. Em 1846 surpreenderia a todos quando, com pouco tempo de formado na Academia, decidiu largar o ofício para ser escritor.
Nesse ano lançaria seu primeiro livro, o romance “Gente Pobre”, que recebeu elogios de Vissarion Belinski, crítico literário russo mais importante da época. Sua primeira obra descreve a vida e as dificuldades de pessoas dos bairros miseráveis de São Petersburgo, realidade que vivencia na cidade onde passou a residir por conta dos estudos. Sendo seu primeiro livro, escrito entre 1844 e 1845, quando Dostoiévski estava com 23 para 24 anos, o texto já mostra uma grande maturidade do autor.
Nesse mesmo ano publicaria seu segundo romance, “O Duplo”, além de produzir seu primeiro conto “Senhor Prokhartchin”. A produção literária de Dostoiévski seria vasta. Conheça as principais obras produzidas por ele:
Romances
– Gente Pobre – 1846
– O Duplo 1846
– Noites Brancas – 1848
– Netochka Nezvanova – 1849
– Humilhados e Ofendidos – 1861
– Recordações da Casa dos Mortos – 1861
– Notas do Subterrâneo – 1864
– Crime e Castigo – 1866
– O Jogador – 1867
– O Idiota – 1869
– O Eterno Marido – 1870
– Os Demônios – 1872
– O Adolescente – 1875
– Os Irmãos Karamazov – 1881
Novelas e contos
– Senhor Prokhartchin – 1846
– Romance em Nove Cartas – 1847
– A Senhoria – 1847
– Polzunkov – 1848
– Coração Fraco – 1848
– O Ladrão Honesto – 1848
– Uma Árvore de Natal e uma Boda – 1848
– A mulher alheia e o marido debaixo da cama – 1848
– Noites Brancas – 1848
– O Pequeno Herói – 1849
– O Sonho do Tio – 1859
– Aldeia de Stiepantchikov e Seus Habitantes – 1859
– Uma História Desagradável – 1862
– O Crocodilo – 1865
– Bobok – 1873
– O Mujique Marei – 1876
– Uma Criatura Gentil – 1876
– O Sonho de um Homem Ridículo – 1877
Não-ficção
– Notas de Inverno sobre Impressões de Verão – 1863
– Diário de um Escritor – 1873/1878
Sua carreira foi longa e muito produtiva, mas o autor viveu momentos extremamente difíceis, em função de questões políticas, que fizeram ele repensar sua vida e rever diversos conceitos. Essa vivência e o sofrimento enfrentado por ele seriam base para alguns de seus livros.
A política e o exílio
Na mesma medida em que trabalhava em sua produção como escritor, Dostoiévski participava de um grupo de intelectuais socialistas, que faziam uma discussão literária em São Petersburgo. Essa reunião ficou conhecida como o Círculo de Petrashevski, sobrenome de seu idealizador, Mikhail Petrshevski. Faziam parte do grupo escritores, oficiais do exército, funcionários públicos e estudantes, vários simpatizantes do socialismo.
Após as diversas revoluções que atingiram em cheio a Europa, em 1848, e abalaram regimes de diversos países, entre eles França, Alemanha, Hungria, Itália e Áustria, o Czar Nicolau I decidiu agir com rigor contra qualquer instituição que pudesse ameaçar seu reinado.
Em 1849 vários integrantes do Círculo foram presos, sob a acusação de conspiração contra o Czar, entre eles estava Dostoiévski. O autor ficou oito meses preso na Fortaleza de São Pedro e São Paulo aguardando o desenrolar dos fatos. Após esses oito meses de investigação, as conclusões contra os 28 acusados presos foram enviadas ao Czar que determinou a criação de um tribunal misto, composto por civis e militares, para julgar os acusados utilizando as leis militares. O resultado do julgamento foi que o tribunal condenou 15 deles à pena de morte por fuzilamento, Fiódor Dostoiévski estava entre eles.
Os condenados apresentaram vários recursos e Nicolau I acabou perdoando alguns deles. O escritor teve sua pena comutada para oito anos de trabalhos forçados, que posteriormente seriam reduzidos para quatro anos, com posterior prestação de serviço militar por tempo indeterminado.
Nicolau I livrou da execução vários dos condenados, mas manteve o ritual da execução, ou seja, achando que seriam executados, eles foram levados ao local marcado para o ato, a praça Semenovski, suas sentenças condenatórias foram lidas em público. Os primeiros do grupo foram, inclusive, amarrados aos postes onde seriam executados. Nesse momento foi divulgada a ordem do Czar para a anulação do fuzilamento e a transformação das penas.
Condenado, Dotosiévski foi enviado à Sibéria, primeiro para uma prisão localizada na cidade de Tobolsk. Em seguida ele foi direcionado para outra cidade, Omsk, onde cumpriu quatro anos de trabalhos forçados. Depois, passou mais cinco anos como soldado do exército, servindo em um batalhão siberiano.
Durante os anos de trabalhos forçados sofreu seu primeiro ataque epilético, problema que o acompanharia até a morte. Após dez anos na Sibéria, ele retornaria à São Petersburgo para retomar sua vida e sua carreira literária.
Retomada da carreira literária
De volta a São Petersburgo e com seus direitos civis restituídos, Dostoiévski revê vários de seus conceitos, passando a ter atritos com os socialistas radicais e aumentando a aproximação com a igreja ortodoxa russa. Os anos de exílio na Sibéria marcaram profundamente não só suas ideias e pensamentos, mas também a linha literária de sua obra.
Em 1861 publica “Humilhados e Ofendidos”, um retrato forte da dura realidade da miséria nas grandes cidades e a diferença entre as classes sociais. Na sequência ele publica dos livros que são a descrição de seus anos de exílio, “Memórias da Casa dos Mortos”, de 1861, e “Memórias do Subsolo”, de 1864.
Dois anos depois, em 1866, publica aquele que seria um de seus maiores sucessos, o romance “Crime e Castigo”, onde ele narra a história do pobre estudante Raskólnikov, que decide matar uma agiota e acaba tendo que tirar a vida da irmã dessa mulher, que aparece no local e acaba presenciando o assassinato. Ele, então, passa a viver com a culpa pelos atos cometidos, até ser preso e encontrar o arrependimento. O livro é uma bela reflexão sobre questões morais, sociais e filosóficas.
Depois de “Crime e Castigo” Dostoiévski publicaria diversas obras, “O Jogador” e “O Idiota”. Mas deixaria o melhor para o final. Pouco antes de sua morte ele publica “Os Irmãos Karamazov”, livro que seria considerado sua obra prima. Nele o autor descreve as conturbadas relações de uma família russa. Ele cria uma intricada teia de relacionamentos que leva à morte do patriarca, ocasionada por seu primogênito. Uma obra recheada com os ingredientes característicos em Dostoiévski, crime, culpa e desajuste social. Questões morais, sexuais e religiosas criam um enredo denso e complexo. O livro é considerado uma das obras-primas da literatura universal.
Influência
Fiódor Dostoiévski foi influenciado por vários autores que o precederam como Vitor Hugo, Tolstói, Pushkin, Turqueniev e Gogol, entre outros.
Com a experiência vivida na Sibéria, associada à sua qualidade intelectual e literária, ele passou a influenciar o pensamento de muitos escritores e pensadores, que viram nas suas ideias e na maestria de seus textos um caminho a seguir.
Podemos dizer que ele provavelmente foi o escritor mais influente da história da cultura universal, pois teve ascendência sobre a obra de grandes intelectuais como James Joyce, William Faulkner, Jean-Paul Satre, Albert Camus, Friedrich Nietzsche e Sigmund Freud, uma verdadeira seleção mundial de pensadores que beberam na fonte de saber do escritor russo.
Vida Pessoal
Sua vida pessoal também teve suas atribulações, que não foram poucas. Aos 28 anos foi preso e deportado para a Sibéria, acusado de tramar contra o Czar Nicolau I. Cumpriu a pena, primeiro com trabalhos forçados, depois servindo no exército. Nesse período conheceu e se apaixonou por Maria Dmitriévna, mulher que era casada e mãe de um filho, cujo tutor era ninguém menos do que o próprio Fiódor Dostoiévski.
O marido de Maria, Alexander Isaev, vem a falecer em 1855. Dois anos depois ela e o escritor se casariam. Durante as núpcias do casal, Dostoiévski teve uma forte crise, que foi diagnosticada como sendo de epilepsia. Nessa época o escritor ainda cumpria sua pena servindo no exército.
Em 1862, já com as penas cumpridas, ele faz uma longa viagem por vários países da Europa, entre eles Alemanha, Bélgica, França e Inglaterra. Nessas andanças ele começa a jogar, principalmente roleta, e isso se torna um problema em sua vida, pois, em alguns momentos, ele vai acumular dívidas por causa do jogo.
O ano de 1864 seria difícil para o autor. Em abril ele perde a esposa, vítima de tuberculose. Três meses depois, em julho seu irmão mais velho, Mikhail Dostoiévski, que também era ligado à literatura, pois era escritor, tradutor, editor de jornais e dramaturgo, morre.
Vida que segue e, em 1866, Fiódor conhece a jovem Anna Grigórievna, com quem se casaria em 1867. O casal teve quatro filhos, duas meninas Lyubov e Sonya Dostoyevskaya, e dois meninos Alexey e Fyodor Dostoyevski. Dos quatro, dois morreram quando Dostoiévski ainda era vivo. Sonya nasceu em fevereiro de 1868 e faleceu três meses depois. Já Alexey nasceu em 1875 e morreu pouco tempo antes de completar três anos, em 1878.
Em 1874 o autor ficou doente, era a primeira manifestação do enfisema pulmonar que o vitimaria. Fiódor Dostoiévski faleceu em nove de fevereiro de 1881, por conta de uma hemorragia pulmonar ligada ao enfisema.
Curiosidades
– Dostoiévski formou-se engenheiro e chegou a exercer a profissão, mas a paixão pela literatura foi maior e ele abandonou a carreira na engenharia para se tornar escritor;
– Em razão de seu vício pelo jogo, particularmente pela roleta, contraiu dívidas e certa vez teve que escrever um romance para saldar essas dívidas;
– Para saldar a dívida, citada acima, Dostoiévski parou o romance que estava escrevendo e, em 26 dias, produziu a obra que pagaria a dívida. O livro lançado que serviu para pagar a dívida foi “O Jogador”, o livro que ele parou de escrever e depois retomou foi nada mais nada menos que ‘Crime e Castigo”;
– Condenado à morte ele teve sua pena comutada pelo Czar, mas, sem saber que não seria executado ficou frente a frente com o pelotão de fuzilamento;
– Se foi preso e exilado na Sibéria pelo Czar Nicolau I, em 1849, anos mais tarde foi designado por Alexandre II, sucessor de Nicolau, como tutor de seus filhos.
Frases
– “Às vezes o homem prefere o sofrimento à paixão.”
– “A purificação pelo sofrimento é menos dolorosa que a situação que se cria a um culpado por uma absolvição impensada.”
– “A tragédia e a sátira são irmãs e estão sempre de acordo; consideradas ao mesmo tempo recebem o nome de verdade.”
– “Nada serviu tanto o despotismo como as ciências e os talentos.”
– “A verdadeira verdade é sempre inverosímil.”
– Decididamente não compreendo por que é mais glorioso bombardear de projéteis uma cidade do que assassinar alguém a machadadas.”
– “A beleza salvará o mundo.”
– “A falta de liberdade não consiste jamais em estar segregado, e sim em estar em promiscuidade, pois o suplício inenarrável é não se poder estar sozinho.”
– “A fé e as demonstrações matemáticas são duas coisas inconciliáveis.”
– “Todos somos responsáveis de tudo, perante todos.”
Um Clássico muito influente
Dostoiévski foi, sem dúvida, um dos maiores escritores da história da literatura. Seus livros abordavam temas que estão no cerne das sociedades, mas muitas vezes são evitados, como autodestruição, suicídio, humilhação, tirania, assassinato, loucura, liberdade, individualidade e religião. Ele explorou os mais diversos caminhos, construindo personagens complexos, que enchem o leitor de questionamentos.
Mas ele foi muito além disso. Seus textos convidaram à reflexão mentes brilhantes, que vislumbraram em seu discurso algo diferente, muito especial. Se foi genial na literatura, Dostoiévski não foi menos brilhante no pensar e, com isso, deixou um legado cultural que atravessou o tempo e se perenizou, oferecendo às futuras gerações todo o seu saber.
Portanto, se você não conhece Dostoiévski, não perca essa oportunidade, pois deixar de conhecê-lo é um crime que merece castigo.
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