Aqui sempre vamos falar de literatura e, agora, vamos de poesia, que pode ser suave e doce, mas também acida, revolucionária e transgressora, que marca e nos faz refletir. E se vamos falar de poetas e poetisas que romperam barreiras e costumes de sua época, não podemos deixar de falar de Hilda Hilst.
Hilda pertenceu à chamada “Geração de 45” da poesia brasileira e rompeu com a tradição literária daquele momento, produzindo uma poesia que tratava de amor, mas também de loucura, ódio, solidão, misticismo e erotismo, entre outros temas fortes. Por isso, era tratada como uma pessoa enigmática, estranha e instigante.
Foi uma poetisa a frente do seu tempo, que rompeu com padrões estabelecidos e ditou novas regras para a nossa literatura. Por isso, é considerada por muitos como uma das maiores escritoras brasileiras do século XX.
Vamos conhecer um pouco de sua vida e obra.
Juventude
Hilda de Almeida Prado Hilst nasceu no dia 21 de abril de 1930, na cidade de Jaú, interior de São Paulo. Filha única de Apolônio de Almeida Prado Hilst e de Bedecilda Vaz Cardoso.
Seu pai era proprietário de uma fazenda de café, além de ser jornalista e poeta. Dois anos após o seu nascimento seus pais se separaram e ela foi para a cidade de Santos com a mãe e seu meio-irmão Ruy Vaz Cardoso, fruto do primeiro casamento de Bedecilda.
Em 1935 seu pai é diagnosticado com esquizofrenia paranoide, cujos principais sintomas são alucinações, delírios e mania de perseguição. No ano de 1937 Hilda a mãe e o irmão vão para São Paulo, capital, e a jovem vai estudar no Colégio Santa Marcelina, onde cursa o ensino fundamental, sob o regime de internato, sendo considerada uma aluna brilhante. Nesse período Hilda fica sabendo da doença do pai.
Em 1945 Hilda ingressa no Instituto Presbiteriano Mackenzie, onde faz o curso secundário. Depois ela vai para a Universidade de São Paulo, em 1948, para cursar Direito. Lá conhece Lygia Fagundes Telles, de quem se tornaria amiga por toda a vida.
Hilda conclui o curso de Direito em 1952, mas não vai exercer a profissão. Seu destino havia sido traçado dois anos antes, em 1950, com a publicação de seu primeiro livro “Presságio”.
Literatura
Esse seu primeiro livro foi muito bem recebido pela crítica. Poetas como Cecília Meireles e Jorge de Lima mostraram entusiasmo com o trabalho da estreante. No ano seguinte ela publica “Balada de Alzira”. O trabalho de Hilda Hilst seria extenso e rico, confira abaixo sua bibliografia poética.
Poesia
– Presságio – 1950
– Balada de Alzira – 1951
– Balada do festival – 1955
– Roteiro do Silêncio – 1959
– Trovas de muito amor para um amado senhor – 1959
– Ode Fragmentária – 1961
– Sete cantos do poeta para o anjo – 1962
– Poesia – 1967
– Amado Hilst – 1969
– Júbilo, memória, noviciado da paixão – 1974
– Poesia (1959/1979) – 1980
– Da Morte. Odes mínimas – 1980
– Cantares de perda e predileção – 1980
– Poemas malditos, gozosos e devotos – 1984
– Sobre a tua grande face – 1986
– Alcoólicas – 1990
– Amavisse – 1989
– Bufólicas – 1992
– Do Desejo – 1992
– Cantares do Sem Nome e de Partidas – 1995
– Do Amor – 1999
Além da poesia, Hilda atuou em outras frentes literárias, produzindo uma obra diversificada, que variou entre a ficção e a dramaturgia. Veja os títulos publicados pela autora.
Ficção
– Fluxo-Floema – 1970
– Qadós – 1973
– Ficções – 1977
– Tu não te moves de ti – 1980
– A obscena senhora D – 1982
– Com meus olhos de cão e outras novelas – 1986
– O Caderno Rosa de Lori Lamby – 1990
– Contos D’Escárnio / Textos Grotescos – 1990
– Cartas de um sedutor – 1991
– Rútilo Nada – 1993
– Estar Sendo/ Ter Sido – 1997
– Cascos e Carícias – crônicas reunidas (1992-1995) – 1998
Teatro
– A Possessa – 1967
– O rato no muro – 1967
– O visitante – 1968
– Auto da Barca de Camiri – 1968
– O novo sistema – 1968
– Aves da Noite – 1968
– O verdugo – 1969
– A morte de patriarca – 1969
Uma obra tão ampla como rica rendeu a poetisa diversos prêmios.
Prêmios
Hilda Hilst foi uma grande escritora, seja como poeta, como autora de ficção ou na dramaturgia, por isso conquistou vários prêmios ao longo de sua vida.
1962 – Prêmio PEN Clube de São Paulo – pelo livro “Sete Cantos do Poeta, Para o Anjo”
1969 – Prêmio Anchieta – pela peça “O Verdugo”
1977 – Prêmio Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) – Melhor Livro do Ano “Ficções”
1981 – Grande Prêmio da Crítica pelo Conjunto da Obra – Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA)
1984 – Prêmio Jabuti – pelo livro “Cantares de Perda e Predileção”
1985 – Prêmio Cassiano Ricardo – pelo livro “Cantares de Perda e Predileção”
1994 – Prêmio Jabuti – Melhor Conto “Rútilo Nada”
1997 – Ordem do Mérito Cultural
2002 – Prêmio Moinho Santista – categoria Poesia
Curiosidades
– Hilda Hilst formou-se em Direito em 1952, pela Universidade de São Paulo, mas não exerceu a profissão, vivendo da literatura;
– Em 1965 foi morar em Campinas, em uma chácara que se tornaria famosa, a “Casa do Sol”, que ela transformou em um espaço de inspiração artística e de encontro de vários artistas;
– Após a sua morte seu amigo Mora Fuentes trabalhou na criação do Instituto Hilda Hilst, com o objetivo de manter e divulgar a obra da poetisa. O Instituto está instalado na “Casa do Sol”;
– Ela era fortemente atraída pelo ocultismo. Passou um período de sua vida gravando os sons de sua casa em busca de captar as vozes do além;
– Hoje Hilda Hilst é reconhecida como uma grande poetisa e escritora do século XX, mas esse reconhecimento veio mesmo após a sua morte. Quando viva ela ameaçou pensou em abandonar a literatura por conta do que considerava o pouco alcance de sua obra.
Vida Pessoal
Hilda viveu o drama de ter seu pai diagnosticado com esquizofrenia paranoide ainda novo, em consequência, a poetisa pouco conviveu com ele, que faleceu em 1966. Apesar do pouco convívio, a referência de seu pai é constante tanto em sua vida como em sua obra.
Em 1968 ela se casaria com o escultor Dante Casarini, de quem vai se divorciar em 1980. Apesar da separação ele continuou morando na “Casa do Sol” com Hilda.
Hilda Hilst faleceu em quatro de fevereiro de 2004 em razão de uma infecção generalizada. A poetisa estava internada no Hospital das Clínicas da Unicamp, desde o início de janeiro, por conta de um tombo que provocou uma fratura de fêmur.
Poesia
Veja um pouco da poesia de Hilda Hilst.
Dez chamamentos ao amigo
Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse
Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.
Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta
Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.
Tenta-me de novo
E por que haverias de querer minha alma
Na tua cama?
Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas
Obscenas, porque era assim que gostávamos.
Mas não menti gozo prazer lascívia
Nem omiti que a alma está além, buscando
Aquele Outro. E te repito: por que haverias
De querer minha alma na tua cama?
Jubila-te da memória de coitos e acertos.
Ou tenta-me de novo. Obriga-me.
Uma genial transgressora
Hilda Hilst foi uma poetisa diferenciada em sua época, rompendo os padrões existentes e trazendo uma poesia diferente da que era feita, abordando temas pouco usuais. Falou de amor, com toda a certeza, mas trouxe junto o erotismo; além disso carregou em temas como ódio, solidão, loucura e ocultismo. Convidou e instigou seu público a navegar por mares ainda não navegados na poesia. Para além da poesia, escreveu romances de ficção e textos para o teatro com a mesma maestria com que elaborava seus versos.
Por isso, Hilda Hilst merece ser reverenciada como uma das mais importantes escritoras brasileiras do século passado.
Viva a poesia. Viva Hilda Hilst!
