João Cabral de Melo Neto e a poesia brasileira

Estamos de volta pessoal, eu e vocês, para “curtir” mais um momento importante da nossa literatura. Agora quero falar um pouco de poesia. Sim, a poesia que toca nosso coração e nos embala, mas que também nos ensina e nos faz refletir. 

E, para falar de poesia, nada melhor para iniciar essa prosa relembrando um dos maiores poetas do nosso país. Um mestre das palavras, que com um rigor estético invejável construiu uma poesia sofisticada e profunda, mas ao mesmo tempo popular. Ele é considerado por muitos o maior poeta da língua portuguesa, opinião, por exemplo, do escritor moçambicano Mia Couto. Essa qualidade fez com que fosse forte candidato ao Prêmio Nobel de Literatura em 1999, mas acabou não sendo indicado.

Seu estilo objetivo, sempre lapidando ao máximo seus textos fez com que fosse conhecido como o poeta-engenheiro, aquele que constrói com muito cuidado e rigor sua obra. Com uma poesia racional e equilibrada ele se opunha ao sentimentalismo reinante na vida poética.

Estou falando do grande poeta e diplomata João Cabral de Melo Neto.

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Nascido no Recife

João Cabral nasceu em Recife, no dia nove de janeiro de 1920. Filho de Luís Antônio Cabral de Melo e de Carmen Carneiro Leão Cabral de Melo, João Cabral passou parte da infância nos engenhos da família, nos municípios de São Lourenço da Mata e de Moreno, interior de Pernambuco. João Cabral era irmão do historiador Evaldo Cabral de Melo, e primo do poeta Manuel Bandeira e do sociólogo Gilberto Freyre.

Quando estava com 10 anos sua família regressou para o Recife e João Cabral foi para o Colégio de Ponte d’Uchoa, onde concluiu o estudo secundário.

Em 1937, aos 17 anos, começou a trabalhar na Associação Comercial de Pernambuco. Passa a frequentar a roda literária do tradicional Café Lafayette, no Recife, importante ponto de encontro de intelectuais, políticos, profissionais liberais e estudantes.

O ano de 1942 marca a mudança da família para o Rio de Janeiro, então capital da República. Nesse mesmo ano João Cabral publica seu primeiro livro de poesias, ‘Pedra do Sono’, uma seleção de textos com forte tendência surrealista. No Rio passa a manter contato com intelectuais como Carlos Drummond de Andrade.

Carreira diplomática

Trabalhou no como funcionário do Dasp (Departamento de Administração do Serviço Público) até 1945, quando prestou concurso para o Ministério das Relações Exteriores e ingressou nos quadros do Itamaraty, iniciando sua carreira diplomática que duraria até 1990, quando se aposentou.

Em sua longa carreira no Itamaraty serviu em vários países:

– Em 1947 foi atuou no consulado geral em Barcelona como vice-cônsul.

– Em 1950 foi removido para o consulado geral em Londres.

Foi obrigado a se afastar da carreira diplomática em 1952 para responder a um inquérito de subversão. Ele foi acusado de criar uma “célula comunista” no Itamaraty, junto com os diplomatas, Antônio Houaiss, Amaury Banhos Porto de Oliveira, Jatyr de Almeida Rodrigues e Paulo Cotrim Rodrigues Pereira. Na época o Partido Comunista Brasileiro estava na ilegalidade. Em 1954 retoma sua carreira.

– Em 1956 volta a Barcelona como cônsul-adjunto. Permanece quatro anos na Europa, servindo ainda em Madri e Marselha

 – Em 1961 é convidado para ocupar o cargo de chefe de gabinete no Ministério da Agricultura, no governo Jânio Quadros. 

– Em 1964 vai para Genebra trabalhar na Delegação do Brasil junto às Nações Unidas.

– Muda-se para Berna, na Suíça, em 1966, depois de tornar-se ministro conselheiro.

– Ainda como ministro-conselheiro, vai servir na embaixada de Assunção, no Paraguai, em 1970.

– Em 1972 é nomeado embaixador em Dakar, no Senegal.

– Ocupa o cargo de embaixador no Equador, 1979 e em Honduras, em 1981.

– Em 1982 vai para Portugal, para a cidade do Porto como cônsul-geral.

– Volta ao Rio de Janeiro em 1987, onde permanece durante três anos, até aposentar-se em 1990.

Vida Literária

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Mesmo vivenciando a carreira diplomática ao longo de mais de 30 anos, a atividade literária acompanhou João Cabral durante todo esse período. Entre 1947 e 1990, quando se aposentou, lançou os seguintes livros:

  • Psicologia da Composição com a Fábula de Anfion e Antiode (1947)
  • O Cão sem Plumas (1950)
  • Poesia e composição (1952)
  • O Rio ou Relação da Viagem que faz o Capibaribe de sua Nascente à Cidade do Recife (1953)
  • Morte e Vida Severina (1955)
  • Uma faca só lâmina (1955)
  • Dois Parlamentos (1960)
  • Quaderna (1960)
  • A Educação pela Pedra (1966)
  • Museu de Tudo (1975)
  • A Escola das Facas (1980)
  • Auto do Frade (1984)
  • Agrestes (1985)
  • Crime na Calle Relator (1987)
  • Primeiros Poemas (1990)
  • Sevilha Andando (1990)
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Essa intensa atividade literária lhe rendeu diversos prêmios como:

– Prêmio José de Anchieta, de poesia, do IV Centenário de São Paulo;

– Prêmio Olavo Bilac, da Academia Brasileira de Letras;

– Prêmio de Poesia do Instituto Nacional do Livro;

– Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro;

– Prêmio Bienal Nestlé, pelo conjunto da Obra;

– Prêmio da União Brasileira de Escritores, pelo livro “Crime na Calle Relator”;

– Prêmio Camôes, Portugal, 1990

– Prêmio Literário Internacional Neustadt, 1992

– Prêmio Reina Sofía de Poesía Iberoamericana, 1994

O Prêmio Literário Internacional Neustadt, é uma premiação promovida pela Universidade de Oklahoma, que a cada dois anos premia romancistas, dramaturgos e poetas pelo conjunto de sua obra. Os únicos escritores de língua portuguesa vencedores desse prêmio foram João Cabral e o moçambicano Mia Couto, em 2014.

Acadêmico

Em 15 de agosto de 1968 foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) para ocupar a cadeira número 37, no lugar do jornalista Assis Chateaubriand. Uma curiosidade interessante é que João Cabral ocupou a cadeira que também havia sido de Getúlio Vargas, antes de Chateaubriand, em cujo governo o poeta foi investigado por subversão. Uma poética coincidência.

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Curiosidades

– João Cabral é membro de uma família de “ilustres”, irmão de Evaldo Cabral de Mello Neto, historiador, e primo do poeta Manuel Bandeira, pela família do pai, e do sociólogo Gilberto Freyre, pela família de sua mãe; 

– Em 1999, no ano de sua morte, ele esteve entre os favoritos ao Prêmio Nobel de Literatura, mas acabou não sendo indicado;

– No período em que viveu na Espanha criou forte amizade com o pintor Joan Miró;

– Sendo contrário ao sentimentalismo na poesia, trocou carinhosas “alfinetadas” com seu amigo Vinicius de Moraes;

– João Cabral sofreu, durante boa parte da sua vida, de fortes crises de enxaqueca. Para amenizar o problema tomava vários comprimidos de aspirina por dia. Sua relação com o remédio foi tão intensa e duradoura que dedicou um poema a Aspirina:

Num Monumento à Aspirina

Claramente: o mais prático dos sóis,
o sol de um comprimido de aspirina:
de emprego fácil, portátil e barato,
compacto de sol na lápide sucinta.
Principalmente porque, sol artificial,
que nada limita a funcionar de dia,
que a noite não expulsa, cada noite,
sol imune às leis de meteorologia,
a toda a hora em que se necessita dele
levanta e vem (sempre num claro dia):
acende, para secar a aniagem da alma,
quará-la, em linhos de um meio-dia…

– Nosso poeta também gostava muito de futebol e como muitos jovens brasileiros, acalentou o sonho de ser jogador um dia. Chegou a atuar jogando no meio-campo do time juvenil do Santa Cruz, sendo, inclusive, campeão pernambucano de 1935; 

– Ocupante da cadeira 37 da ABL pouco falava nas reuniões acadêmicas. De acordo com seu amigo imortal, Lêdo Ivo, o poeta mal falava com os outros acadêmicos e saia ao final dos encontros sem ninguém perceber;

– Também foi membro da Academia Pernambucana de Letras. Nesta João Cabral nunca apareceu, nem mesmo para tomar posse;

– Curiosamente João Cabral não gostava de música, como dizia, dos lirismos “baratos”, adornados por melodias e cânticos sentimentais. Mesmo assim, compositores como Vinicius de Moraes, Chico Buarque e Caetano Veloso eram fãs de sua obra;

– João Cabral sofria uma doença degenerativa, que provocou sua cegueira, o que lhe causou uma profunda tristeza, por não poder mais ler nem escrever e gerou uma forte depressão no poeta; 

– Nos últimos anos de vida, já sem poder enxergar, João Cabral passou a ouvir poemas e textos, lidos por sua esposa Marly de Oliveira e por sua filha Inez Cabral. O último autor que o poeta ouviu na vida foi Shakespeare.

Vida Pessoal

João Cabral de Melo Neto foi casado duas vezes. Em 1946 casou-se com Stella Maria Barbosa de Oliveira, com quem teve cinco filhos, Rodrigo, Inez, Luiz, Isabel e João. O segundo casamento foi em 1986, com a poetisa Marly de Oliveira

O poeta faleceu no dia 9 de outubro de 1999, no Rio de Janeiro, em consequência de um ataque cardíaco.

Morte e Vida Severina

IMAGEM 5 Morte e vida severina

A obra poética de João Cabral de Melo Neto é, sem dúvida, gigante. Seu trabalho é um dos mais expressivos para a literatura brasileira do século XX. Contudo, quando falamos da poesia de João Cabral inevitavelmente nossa atenção se volta para ‘Morte e Vida Severina’ e não podia ser diferente. Uma obra poética singular, que mereceu adaptação para o teatro, cinema e recebeu uma versão musical.

Lançado em 1955 o livro é uma obra prima. Com maestria João Cabral descreve todo o drama do retirante nordestino Severino, que foge da seca, da fome e luta contra o destino por sua sobrevivência, esbarrando com a morte a cada parada que faz em sua retirada em direção ao litoral. Quando olhamos para o Brasil de 2021 e vemos o drama das milhares de pessoas que ainda vivem em condição de indigência, verificamos que a obra de João Cabral permanece atual. Um poema como E ‘Morte e Vida Severina” será sempre atual, enquanto a desigualdade for tão forte no Brasil.

Muito mais do que um poema, é uma verdadeira aula de sociologia. Deixo aqui um trecho dessa rica obra desse mestre da poesia. 

O meu nome é Severino,
não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
Como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias. (…)

E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte Severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia.

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Escritor Carlos Carvalho

Carlos Carvalho

Sou escritor, amante de literatura e apaixonado pelos mistérios criados por Agatha Christie. Escrevo contos, poesias e romances. Sendo o Romance Policial meu gênero literário preferido. Sou formado em Jornalismo e pós-graduado em Assessoria de Imprensa e Comunicação Empresarial.

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