Com a sua inteligência e capacidade criativa ele cortou, como um machado, as dificuldades que a vida lhe ofereceu e com os pedaços do que seu machado cortou produziu sua obra genial. Esse era o poderoso Machado, de Assis.
Voltando para mais uma publicação sobre os grandes clássicos da literatura universal. Agora com uma publicação muito especial, pois, efetivamente, trata-se de um clássico, o maior da literatura brasileira e um dos maiores da literatura mundial.
Quando pensamos na literatura brasileira não é possível fazê-lo sem mencionar esse autor, que navegou por todos os mares da literatura, escrevendo contos, romances, poesias, crônicas, peças de teatro, folhetins, além de ter trabalhado como crítico literário e jornalista.
Não bastasse uma obra incomparável, ainda foi um grande exemplo de como a inteligência e a vontade podem vencer obstáculos. Nasceu negro, pobre e nunca esteve em uma universidade, na verdade pouco pode estudar. Mesmo diante de todas essas dificuldades da vida, quando tudo indicava que teria um destino sofrido e miserável, ele mostrou uma capacidade intelectual incomum e o que a qualidade humana pode produzir. Nos deixou como legado a maior obra literária já produzida nesse país em mais de 500 anos de história oficial.
Com a sua inteligência e capacidade criativa ele cortou, como um machado, as dificuldades que a vida lhe ofereceu e com os pedaços do que seu machado cortou produziu sua obra genial. Esse era o poderoso Machado, de Assis.
Primeiros anos
Nascido no dia 21 de junho de 1839, no Morro do Livramento, no centro do Rio de Janeiro, Joaquim Maria Machado de Assis tornou-se, se não o maior, com toda certeza um dos maiores escritores da nossa história.
Machado era filho de pessoas humildes. Seu pai era pintor de paredes e a mãe lavadeira. Apesar dos dois serem simples, ambos sabiam ler e escrever, fato raro à época. Era neto de escravos alforriados. Diante das dificuldades, Machado de Assis lutava para estudar e adquirir conhecimento, acabou tornando-se um autodidata. E seus problemas não paravam, em 1845, perdeu a irmã mais nova, Maria, e a madrinha, Maria José de Mendonça Barroso, quando ocorreu uma epidemia de varíola no Rio. Quatro anos depois, em 1849, quando estava com 10 anos, sua mãe, Maria Leopoldina, morreu com tuberculose. Em 1854 seu pai casou-se com Maria Inês da Silva.
Os primeiros versos
Ainda em 1854 Machado de Assis, então com 15 anos, vai trabalhar na tipografia do jornalista e escritor Francisco de Paula Brito. Ainda nesse ano publicou seu primeiro poema, “À Ilma. Sra D.P.J.A.”, no ‘Periódico dos Pobres’. Dois anos depois foi trabalhar como aprendiz de tipógrafo na Imprensa Nacional. Por conta de um convite do poeta Francisco Otaviano, em 1858 atuaria no ‘Correio Mercantil’, um importante jornal da época, como colaborador e revisor. Em 1860 foi para a redação do ‘Diário do Rio de Janeiro’, a convite do jornalista Quintino Bocaiúva. Nessa época também escrevia para a revista ‘O Espelho’, onde estreou como crítico teatral, para a ‘Semana Ilustrada’ e para o ‘Jornal das Famílias’.
Em 1861 Machado publica o primeiro livro, uma tradução de “Queda que as mulheres têm para os tolos”. No ano seguinte tornou-se censor teatral e passou a colaborar com a revista ‘O Futuro’, dirigida por Faustino Xavier de Novais, irmão de Carolina Augusta Xavier de Novais, sua futura esposa. No ano de 1864, tem sua primeira obra autoral publicada, o livro de poesias ‘Crisálidas’.
Construindo sua carreira
Em 1865, Machado de Assis funda a sociedade artística e literária Arcádia Fluminense, onde promoveria saraus, com a leitura de suas poesias e estreitaria contato com poetas e intelectuais do Rio de Janeiro. Dois anos depois, em 1867 seria promovido no Diário Oficial, tornando-se ajudante do diretor de publicação.
Ele vai publicar seu primeiro romance, “Ressureição”, em 1872. Nessa época já havia lançado outros livros de poesias e contos. Em 1873 é nomeado primeiro oficial da Secretaria de Estado do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas.
Machado de Assis passa a produzir sua obra literária cada vez com mais intensidade, escrevendo para jornais e revistas. Esses escritos, publicados em forma de folhetins, eram reunidos, sendo transformados posteriormente em livros. Foi o caso de um de seus maiores sucessos, “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, publicado em 1881. O lançamento desse livro vai fazer Machado ser considerado o introdutor do ‘Realismo Literário no Brasil’.
Sua vasta obra inclui dez romances, duzentos contos, dez peças teatrais, cinco coletâneas de poemas e sonetos, e mais de seiscentas crônicas. Confira, abaixo, a bibliografia machadiana.
Bibliografia
Queda que as mulheres têm para os tolos, tradução, 1861.
Desencantos, 1861.
Teatro, 1863.
Quase ministro, 1864.
Crisálidas, 1864.
Os deuses de casaca, 1866.
Falenas, 1870.
Contos fluminenses, 1870.
Ressurreição, 1872.
Histórias da meia-noite, 1873.
A mão e a luva, 1874.
Americanas, 1875.
Helena, 1876.
Iaiá Garcia, 1878.
Memórias póstumas de Brás Cubas, 1881.
Tu, só tu, puro amor, 1881.
Papéis avulsos, 1882.
Histórias sem data, 1884.
Quincas Borba, 1891.
Várias histórias, 1896.
Páginas recolhidas, 1899.
Dom Casmurro, 1899.
Poesias completas, 1901.
Esaú e Jacó, 1904.
Relíquias de casa velha, 1906.
Memorial de Aires, 1908.
Crítica, 1910.
Outras relíquias, 1910.
Correspondência, 1932.
Crônicas, 4 vols., 1937.
Crítica literária, 1937.
Casa velha, 1944.
Academia
Machado de Assis foi um dos fundadores da ABL (Academia Brasileira de Letras), juntamente com importantes escritores da época. A última sessão preparatória para a constituição da ABL foi realizada no dia 28 de janeiro de 1897 e dela participaram, além de Machado, Araripe Júnior, Artur Azevedo, Graça Aranha, Guimarães Passos, Inglês de Sousa, Joaquim Nabuco, José Veríssimo, Lúcio de Mendonça, Medeiros e Albuquerque, Olavo Bilac, Pedro Rabelo, Rodrigo Otávio, Silva Ramos, Teixeira de Melo, Visconde de Taunay, Coelho Neto, Filinto de Almeida, José do Patrocínio, Luís Murat. Valentim Magalhães, Afonso Celso Júnior, Alberto de Oliveira, Alcindo Guanabara, Carlos de Laet, Garcia Redondo, Pereira da Silva, Rui Barbosa, Sílvio Romero e Urbano Duarte.
Eram, no total, 30 membros. Como a fundação da ABL era inspirada na Academia Francesa e essa possuía 40 membros fundadores, nessa reunião os presentes escolheram outros dez para compor a ABL, sendo eles Aluísio Azevedo, Barão de Loreto, Clóvis Beviláqua, Domício da Gama, Eduardo Prado, Luís Guimarães Júnior, Magalhães de Azeredo, Oliveira Lima, Raimundo Correia e Salvador de Mendonça. A primeira diretoria da Academia foi composta por Machado de Assis, presidente; Joaquim Nabuco, secretário-geral; Rodrigo Otávio, 1º secretário; Silva Ramos, 2º secretário; e Inglês de Sousa, tesoureiro.
A 20 de julho de 1897, foi realizada a sessão inaugural, com a presença de dezesseis acadêmicos, cabendo ao secretário-geral, Joaquim Nabuco, a honra de proferir o discurso inaugural.
Machado de Assis ocupou a cadeira número 23, cujo patrono, por ele escolhido, foi seu amigo José de Alencar, falecido em 1877.
Vida Pessoal
Como já foi dito, Machado de Assis nasceu em uma família bem humilde, ele era neto de escravos alforriados. Perdeu a mãe aos dez anos de idade, em 1849. O pai faleceu em 1864, quando ele estava com 25 anos. Machado casou-se com Carolina de Novais em 1869. Sendo uma mulher muito culta, Carolina vai ajudar na revisão de textos e obras de Machado. Os dois não tiveram filhos e vão viver juntos até outubro de 1904 quando ocorre o falecimento de Carolina, pouco antes de completarem 35 anos de casados. A morte da esposa foi um duro golpe para Machado, que muito abatido escreveu o soneto “Carolina”, em homenagem a ela, e que iria compor o último livro publicado por ele antes de morrer, “Relíquias de Casa Velha”, de 1906. Confira, abaixo, o soneto.
Carolina
Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.
Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs o mundo inteiro.
Trago-te flores, – restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa separados.
Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.
Sem se recuperar da perda da esposa, Machado de Assis faleceu aos 69 anos, no dia 29 de setembro de 1908. Como era seu desejo, foi enterrado ao lado de Carolina. Em uma cerimônia realizada em 1999, os restos mortais de Machado e de esposa foram levados para o Mausoléu da Academia Brasileira de Letras, onde descansam desde então.
Curiosidades
- Machado foi responsável por uma das primeiras traduções do conto O Corvo, de Edgar Allan Poe;
- Foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras (ABL) e seu primeiro presidente;
- Ganhou o apelido de “Bruxo do Cosme Velho” dos vizinhos, por ter queimado cartas num caldeirão, em sua casa. Ele era morador do Cosme Velho;
- O apelido foi consagrado por Carlos Drummond de Andrade, que fez um poema “A um bruxo, com amor”, em homenagem a ele;
- Machado era um grande jogador de xadrez, tendo sido terceiro colocado no primeiro campeonato brasileiro do esporte. As peças utilizadas por ele no campeonato estão expostas na Academia Brasileira de Letras;
- No prefácio da segunda edição de sua obra Poesias Completas, publicada em 1902, a palavra “cegara” na frase “lhe cegara o juízo”, foi trocada, por engano, por um inusitado “cagara”. Segundo informações à época alguns exemplares chegaram a circular com o erro;
- O escritor sofria de epilepsia e gagueira. Além disso, por ser mulato, sofreu muito preconceito para conseguir reconhecimento;
- O ano da morte de sua mãe, 1849, é o mesmo do nascimento de Rui Barbosa;
- 1864, ano da morte de seu pai, também é o ano da morte de Gonçalves Dias.
Um verdadeiro Mestre, um gênio
É impossível falar em literatura brasileira sem mencionar Machado de Assis. Ele é presença obrigatória em qualquer discussão sobre o assunto. Mas sua obra foi muito além das fronteiras brasileiras, Machado de Assis é considerado por muitos como um dos grandes gênios da história da literatura mundial. Muitos o colocam ao lado de Shakespeare, Dante e Camões, entre outros, ou seja, ele tem lugar garantido no Olimpo da literatura, está ao lado dos maiores de todos os tempos. Ele e Eça de Queiroz são considerados os maiores escritores da língua portuguesa no século XIX.
Sua obra é um verdadeiro tesouro para a literatura. Ler Machado de Assis é obrigatório para todos que desejem um dia escrever, pois é uma fonte inesgotável de sabedoria. Uma pena que o Brasil ainda valorize pouco figuras geniais como Machado de Assis.
Não bastasse seu gênio literário, Machado também rompeu barreiras, sendo negro, pobre e sem condições de estudar, ele tinha tudo para se transformar em estatística negativa no Brasil, de jovens que não conseguem estudar e, por consequência, raramente conseguem bons empregos e ascensão social. Machado contrariou todas as estatísticas e se transformou num dos maiores gênios da nossa literatura.
Machado foi genial e assim permanece até os nossos dias, pois sua obra é eterna, um presente para as novas gerações.