Manuel Bandeira

O poeta uma vez escreveu:
“Vou-me embora…”
Quem sou eu para contrariar o poeta, mas quero lhe fazer um pedido, não vá embora, fique aqui comigo e vamos conhecer um pouco da história desse grande poeta da literatura brasileira, vai valer a pena, lendo esse texto você vai se sentir amigo(a) do rei.
A vida é, na verdade, uma grande poesia, cheia de rimas, de encontros e desencontros, que nos embala, nos surpreende. Como ela sorrimos, choramos, sofremos, nos emocionamos, amamos. Vivemos cada dia como se fosse a linha de uma estrofe poética, escrita por um grande poeta.
E as estrofes da poesia que compuseram a vida desse nosso poeta foram fantásticas. A poesia de sua vida, à primeira vista, parecia curta, uma estrofe só, pensaram alguns na época, afinal sofria de um mal, comum em sua época, que poderia tê-lo levado logo cedo. Mas ele tinha pretensões maiores, queria escrever uma longa e bela poesia. Para tal, superou a doença, venceu a lógica, viveu por muito tempo e deixou sua marca na história da literatura brasileira.
Um sobrevivente, que criou uma poesia sublime, que foi do parnasiano ao moderno e fez de sua obra uma bandeira para a literatura brasileira. Vamos falar um pouco de Manuel Bandeira.

O início

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Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho, que ficaria conhecido como Manuel Bandeira nasceu em Recife, no dia 19 de abril de 1886, filho do engenheiro Manuel Carneiro de Sousa Bandeira e de Francelina Ribeiro de Sousa Bandeira. Pertencia a uma família de proprietários rurais, advogados e políticos do Nordeste. Pernambucano como seu primo e, também, poeta João Cabral de Melo Neto.
Quando estava com dez anos sua família mudou-se para o Rio de Janeiro, por conta do trabalho de seu pai, engenheiro civil do Ministério da Viação. Bandeira foi estudar no Colégio Pedro II, que à época chamava-se Externato do Ginásio Nacional, onde cursou o secundário, de 1897 a 1902. Nesse período foi aluno de grandes intelectuais da época como João Ribeiro, Silva Ramos e José Veríssimo, todos integrantes da Academia Brasileira de Letras.
No ano seguinte, em 1903, a família vai para São Paulo e Manuel Bandeira matricula-se na Escola Politécnica de São Paulo para seguir o curso de engenheiro-arquiteto. Mas, problemas de saúde fizeram com que Bandeira tivesse que interromper os estudos. Ele sofria de tuberculose, que naquele tempo vitimava a maioria dos doentes, e precisou fazer tratamento. Primeiro ele foi para a cidade de Campanha, em Minas Gerais, depois esteve em Teresópolis e Petrópolis, no Rio de Janeiro. Em 1913 Bandeira foi para Clavadel, na Suíça para continuar seu tratamento. Nessa fase conheceu o poeta francês Paul Éluard que se encontrava no mesmo sanatório, também em tratamento contra a tuberculose.

A literatura

Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914, retorna ao Brasil, já bem de saúde. Em seu retorno Manuel Bandeira dá vazão à sua vocação, a literatura. Reuniu os escritos feitos nos anos anteriores e, em 1917, publicou seu primeiro livro de poesias “A Cinza das Horas”. Esse primeiro livro, uma coletânea de poemas marca um Manuel Bandeira ainda seguindo uma estética parnasiana, predominante na época. Faz parte dessa obra o poema “Desencanto”, escrito por Bandeira em 1912, quando ele estava em Teresópolis, lutando contra a tuberculose:

Desencanto

Eu faço versos como quem chora
De desalento… de desencanto…
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
Meu verso é sangue. Volúpia ardente…
Tristeza esparsa… remorso vão…
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

– Eu faço versos como quem morre.

Em 1919 publicou o segundo livro de poemas, “Carnaval”, onde figura o famoso poema “Os sapos”, uma sátira ao Parnasianismo, que seria declamado, em 1922, durante a Semana de Arte Moderna, por Ronald de Carvalho. Nele o poeta começa a se afastar do estilo melancólico do primeiro livro e do parnasianismo. Um prenúncio de que o modernismo estava chegando. Manuel Bandeira foi o pioneiro de um novo estilo na poesia brasileira, sendo chamado por Mário de Andrade, de ‘São João Batista do Modernismo’.

Os sapos (trecho do poema)

Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:”Meu pai foi à guerra!”

-“Não foi!” – “Foi!”

– “Não foi!”.

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: – “Meu cancioneiro
É bem martelado.

A esses dois livros seguiram-se vários outros de poesia, prosa, antologias e traduções, confira a lista:

Poesias

  • A Cinza das Horas, 1917 (contém o poema “Cartas de Meu Avô)
  • Carnaval, 1919
  • O Ritmo Dissoluto, 1924
  • Libertinagem, 1930 (contém os poemas “Evocação do Recife” e “Vou-me embora pra Pasárgada”)
  • Estrela da Manhã, 1936
  • Lira dos Cinquent’anos, 1940
  • Belo Belo, 1948
  • Mafuá do Malungo, 1948
  • Opus 10, 1952
  • Estrela da tarde, 1960
  • Estrela da Vida Inteira, 1968

Prosas

  • Crônica da Província do Brasil – Rio de Janeiro, 1936
  • Guia de Ouro Preto, Rio de Janeiro, 1938
  • Noções de História das Literaturas – Rio de Janeiro, 1940
  • Autoria das Cartas Chilenas – Rio de Janeiro, 1940
  • Apresentação da Poesia Brasileira -Rio de Janeiro, 1946; 2ª ed. Cosac Naify – São Paulo 2009
  • Literatura Hispano-Americana – Rio de Janeiro, 1949
  • Gonçalves Dias: biografia – Rio de Janeiro, 1952
  • Itinerário de Pasárgada – Jornal de Letras, Rio de Janeiro, 1954
  • De Poetas e de Poesia – Rio de Janeiro, 1954
  • A Flauta de Papel – Rio de Janeiro, 1957
  • Itinerário de Pasárgada – Livraria São José – Rio de Janeiro, 1957
  • Andorinha, Andorinha – José Olympio – Rio de Janeiro, 1966
  • Itinerário de Pasárgada – Editora do Autor – Rio de Janeiro, 1966
  • Colóquio Unilateralmente Sentimental – Editora Record – Rio de Janeiro, 1968
  • Seleta de Prosa – Nova Fronteira – Rio de Janeiro
  • Crônicas da Província do Brasil – Ed. Cosac Naify – 2009
  • Crônicas inéditas I – Ed. Cosac Naify – SP- 2009
  • Crônicas inéditas II – Ed Cosac Naify – SP- 2009

Antologias

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  • Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Romântica – Nova Fronteira, Rio de Janeiro
  • Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Parnasiana – Nova Fronteira, Rio de Janeiro
  • Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Moderna – Vol. 1, Nova Fronteira, Rio de Janeiro
  • Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Moderna – Vol. 2, Nova Fronteira, Rio de Janeiro
  • Antologia dos Poetas Brasileiros Bissextos Contemporâneos, Nova Fronteira, Rio de Janeiro
  • Antologia dos Poetas Brasileiros – Poesia Simbolista, Nova Fronteira, Rio de Janeiro
  • Antologia Poética – Editora do Autor, Rio de Janeiro, 1961
  • Poesia do Brasil – Editora do Autor, Rio de Janeiro, 1963
  • Os Reis Vagabundos e mais 50 crônicas – Editora do Autor, Rio de Janeiro, 1966
  • Manuel Bandeira – Poesia Completa e Prosa, Ed. Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 2009
  • Antologia Poética (nova edição), Editora Nova Fronteira, 2001

Coautoria

  • Quadrante 1 – Editora do Autor – Rio de Janeiro, 1962 (Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Dinah Silveira de Queiroz, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Rubem Braga)
  • Quadrante 2 – Editora do Autor – Rio de Janeiro, 1963 (Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Dinah Silveira de Queiroz, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Rubem Braga)
  • Quatro Vozes – Editora Record – Rio de Janeiro, 1998 (Carlos Drummond de Andrade, Rachel de Queiroz e Cecília Meireles)
  • Elenco de Cronistas Modernos – Ed. José Olympio – Rio de Janeiro (Carlos Drummond de Andrade e Rubem Braga)
  • O Melhor da Poesia Brasileira 1 – Ed. José Olympio – Rio de Janeiro (Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto)

Traduções

  • O Auto Sacramental do Divino Narciso de Sóror Juana Inés de la Cruz, 1949
  • Maria Stuart, de Friedrich Schiller, encenado no Rio de Janeiro e em São Paulo, 1955
  • Macbeth, de Shakespeare, e La Machine Infernale, de Jean Cocteau, 1956.
  • As peças June and the Paycock, de Sean O’Casey, e The Rainmaker, de N. Richard Nash, 1957
  • The Matchmaker (A Casamenteira), de Thornton Wilder, 1958
  • Don Juan Tenorio, de José Zorrilla, 1960
  • Mireille, de Frédéric Mistral, 1961
  • Prometeu e Epimeteu de Carl Spitteler, 1962
  • Der Kaukasische Kreide Kreis, de Bertolt Brecht, 1963
  • O Advogado do Diabo, de Morris West, e Pena ela Ser o que é, de John Ford, 1964
  • Os Verdes Campos do Eden, de Antonio Gala; A Fogueira Feliz, de J. N. Descalzo, e Edith Stein na Câmara de Gás de Frei Gabriel Cacho, 1965
  • Macbeth, de Shakespeare. Ed. Cosac Naify, São Paulo-2009

Dentro de toda a sua rica produção é preciso abrir um parêntese para falar sobre o livro “Libertinagem”, publicado em 1930, que tornou-se o livro mais badalado do autor. Nele Bandeira adota a forma modernista, abusa do verso livre e produz textos como “Evocação do Recife”, “Pneumotórax” (quando fala da própria doença de forma mais branda), “O Cacto”, “Porquinho-da-Índia”, “Poema tirado de uma notícia de jornal”, “Profundamente” e aquele que talvez seja seu poema mais famoso, “Vou-me embora pra Pasárgada”, que deixo aqui para seu deleite:

Vou-me Embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcaloide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

Manuel Bandeira colecionou um vasto e rico trabalho poético. Além dessa extensa produção literária, ele também encontrou tempo para atuar como crítico literário e de arte e professor de literatura.
Trabalhando na área de educação, foi inspetor federal de ensino, nomeado em 1935. Entre 1938 e 1943 deu aula no Colégio Pedro II, como professor de literatura. Em 1943 foi nomeado professor de Literaturas Hispano-Americanas na Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil, ocupando o cargo até se aposentar, em 1956.

ABL

A rica produção literária levou Manuel Bandeira a ser eleito membro da Academia Brasileira de Letras, em 1940. Ele foi o terceiro ocupante da Cadeira 24, na vaga deixada pelo escritor Luís Guimarães Filho.

Vida Pessoal

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Manuel Bandeira sempre foi muito discreto em relação à sua vida pessoal. Não casou e não teve filhos. Ele faleceu em 13 de outubro de 1968, aos 82 anos, vítima de uma hemorragia gástrica.

Uma Bandeira literária

Manuel foi parnasiano, foi modernista, rimou com rigor, depois aderiu ao verso livre, poetizou a própria condição médica. Versou, educou, foi um mestre em tudo o que se propôs fazer na vida.
Sua rica poesia até hoje é estudada e admirada, com toda a razão, pois ele se transformou, ao longo do tempo, em uma referência literária da nossa cultura. Sua poesia tremula no mais alto mastro da literatura brasileira, tal como uma bela e digna Bandeira.

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Escritor Carlos Carvalho

Carlos Carvalho

Sou escritor, amante de literatura e apaixonado pelos mistérios criados por Agatha Christie. Escrevo contos, poesias e romances. Sendo o Romance Policial meu gênero literário preferido. Sou formado em Jornalismo e pós-graduado em Assessoria de Imprensa e Comunicação Empresarial.

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