A literatura foi generosa com os apreciadores de romance policiais pois nos ofereceu, ao longo do tempo, grandes escritores, que por sua vez criaram personagens inesquecíveis. Quem admira o gênero com certeza já leu Edgar Allan Poe, Sir Arthur Conan Doyle, Agatha Christie, Raymond Chandler, Georges Simenon que nos legaram detetives geniais como Auguste Dupin, Sherlock Holmes, Hercule Poirot, Philip Marlowe e Jules Maigret entre muitos outros grandes personagens.
Todos tinham, de alguma forma, relação com o sistema judiciário e penal. Eram policiais, ex-policiais ou detetives particulares. Até aí, nada demais, a lógica é essa. As histórias policiais são criadas dessa forma, roubos, crimes, em especial assassinatos, que são investigados e decifrados por pessoas ligadas à lei.
Por isso, esse autor que trago hoje para vocês tem algo de muito peculiar, único eu diria. O “herói” de suas novelas policiais não era um detetive, nem era ligado à justiça. Pelo contrário, seu personagem era, na verdade, um criminoso, um ladrão com ares de cavalheiro.
Agora vamos falar do escritor francês Maurice Leblanc e de sua genial criação, Arsène Lupin, uma espécie de ladrão de casaca.

Le Blanc
Marie Émile Maurice Leblanc nasceu em Rouen, na França, no dia 11 de dezembro de 1864. Filho do empresário, entre outras atividades, da área da marinha mercante, o armador naval Émile Leblanc e de Mathilde Blanche, filha de ricos donos de tinturaria. Era o segundo de três filhos, tinha duas irmãs, uma mais velha e outra mais nova.
Aos seis anos, em 1870, seu pai fez com que ele fosse para a Escócia, por conta da Guerra Franco-Alemã, ocorrida entre 1870 e 1871, que envolveu o Império Francês e o Reino da Prússia. O fim desse conflito marcaria a queda de Napoleão III e o fim do Segundo Império e o surgimento da Terceira República Francesa.
Em 1871, com o fim do conflito, Maurice retorna à França e inicia seus estudos. Depois, em 1875 vai estudar no Liceu Corneille, uma tradicional escola secundária de Rouen, fundada pelos jesuítas em 1593, onde permanece até 1882. Nesse período, Leblanc se mostra um excelente aluno, ganhando diversos prêmios por conta de sua capacidade intelectual.
Após terminar o ensino secundário, Maurice vai cursar Direito, estudando na França, Alemanha e Itália. Ele chega a trabalhar na fábrica de cartões seu pai, Mirourde-Pichar, mas desiste da carreira empresarial para se tornar escritor.
Após uma conversa com o pai, ele confessa que sua vocação não era ser empresário, mas que queria ir para Paris, para ser escritor. E assim, em 1888, Maurice segue para a capital francesa onde começa a trabalhar com a escrita, primeiro como jornalista, depois produzindo romances de ficção e outros textos. Por duas décadas atuaria como repórter policial enquanto escrevia suas histórias. Esse período no jornalismo lhe permitiu recolher material que ajudaria a compor seu mais famoso personagem, Arséne Lupin.
Carreira Literária

Em 1893 Leblanc inicia sua carreira literária com a publicação do romance “Une Femme” (Uma Mulher), que seria bem recebido pela crítica. Na sequência ele escreveria “Casais”,” Aqui estão as asas” e a peça “La pitié”, que foi um fracasso e fez com que ele se afastasse do teatro por um bom tempo. Em 1901 publica um romance autobiográfico, “L’Enthousiasme”.
Em julho de 1905 a primeira história de Arsène Lupin é publicada na revista Je sais tout. A ideia veio a partir de um pedido do editor da revista, Pierre Lafitte, para que Leblanc escrevesse uma novela policial cujo personagem principal fosse o equivalente francês de Sherlock Holmes, já um grande sucesso de Sir Arthur Conan Doyle. Leblanc então cria seu personagem e publica uma série de contos na revista e a aceitação foi surpreendente. Lupin, o charmoso ladrão se tornou um grande sucesso, fazendo a fama de Maurice Leblanc como escritor. No total foram 21 romances com o personagem e outras coleções de contos que imortalizaram tanto Lupin como Leblanc, entre eles destacamos:
– Arsène Lupin o Ladrão de Casaca
– Arséne Lupin Contra Herlock Sholmes
– A Agulha Oca
– 813
– A Rolha de Cristal
– As Confidências de Arsène Lupin
– O Estilhaço de Granada
– O Triângulo de Ouro
– A Ilha dos Trinta Ataúdes
– Os Dentes do Tigre
– As Oito Pancadas do Relógio
– A Condessa de Cagliostro
– A Moça dos Olhos Verdes
– A Agência Barnett & Cia
– A Mansão Misteriosa
– O Mistério do Rio do Ouro
– A Mulher de Dois Sorrisos
– Arsène Lupin na Pele da Polícia
– A Vingança de Cagliostro
O sucesso de Lupin fez de Maurice Leblanc uma celebridade na literatura francesa. Mas, assim como Sir Arthur Conan Doyle, que não gostava das citações a seu personagem Sherlock Holmes nas obras de Leblanc, o autor francês acabou “prisioneiro” de sua maior criação. Se Conan Doyle não conseguiu mais se livrar de Sherlock, chegou a matá-lo, mas foi obrigado a ressuscitar o personagem após diversas manifestações dos leitores, Maurice Leblanc também ficou preso a Arsène Lupin. Apesar de escrever diversas obras que não envolvessem o charmoso ladrão. Ele chegou a escrever dois romances de ficção científica, em 1919 e 1920. Mas seu sucesso estava diretamente ligado à Lupin e isso fez de Leblanc membro da Legião de Honra Francesa, uma condecoração concedida àqueles que se destacam por suas realizações militares ou civis em prol da nação.
Maurice Leblanc faleceu no dia seis de novembro de 1941, aos 76 anos, vítima de pneumonia, na cidade francesa de Perpignan.

Arsène Lupin
Lupin é um personagem que ganhou seu espaço na história do romance policial como o “ladrão cavalheiro”, uma figura diferente dos principais personagens da ficção policial como Sherlock Holmes, Hercule Poirot e outros.
Leblanc não criou suas histórias em torno de um brilhante homem da lei, que desvenda o mistério de descobre o culpado, ele deu vida a um ladrão charmoso, inteligente, mestre na arte do disfarce, mas que, em alguns momentos, acaba fazendo justiça a sua maneira. Um ladrão que, com o passar do tempo, vai deixando de ser ladrão, sem dúvida uma criação totalmente inusitada dentro do gênero.
Muitos estudiosos da literatura afirmam que Maurice Leblanc, que era um socialista radical, se inspirou no anarquista Marius Jacob para dar vida à Lupin. Jacob realizou mais de 150 assaltos e acabou pegando 23 anos de prisão por isso. Esse anarquista criou um grupo, chamado por ele mesmo de “trabalhadores da noite”, cujos princípios eram: não matar, exceto para proteger a própria vida; roubar apenas de pessoas consideradas por eles parasitas sociais como patrões, juízes, soldados e religiosos; jamais roubar de pessoas cujas profissões eram consideradas úteis como médicos, artistas, arquitetos e outras. Uma parte do dinheiro levantado pelo grupo, com os roubos, deveria ser utilizado na causa anarquista.
Sem dúvida Lupin carrega algumas características de Marius Jacob.
Curiosidades
– Aos quatro anos de idade escapou por pouco de um incêndio na residência de sua família;
– Aos seis precisou ir para a Escócia por conta da Guerra Franco-Alemã;
– A casa de Leblanc, em Étretat, na França, hoje é o museu “Le Clos Arsène Lupin”;
– O primeiro sobrenome do personagem era “Lopin”, mas Leblanc mudou para “Lupin” após a reclamação de um político parisiense cujo sobrenome, coincidentemente, era “Lopin”;
– O personagem de Lupin mudava de aparência com frequência, mas era sempre lembrado por três peças mais usuais em sua vestimenta: cartola, monóculo e capa;
– A criação de Lupin era um contraponto ao sucesso de Sherlock Holmes, que é citado em várias histórias do francês. Leblanc usou algumas vezes o nome de Sherlock, mas isso não agradou Sir Arthur Conan Doyle, daí surgiu Herlock Sholmes, apresentado como um grande detetive, mas que sempre perdia para a astúcia de Arsène Lupin.

Mocinho ou bandido?
A criação no gênero policial é fantástica pela sua riqueza de personagens e histórias bem construídas, que levam o leitor a ficar preso ao texto até conseguir descobrir quem é o culpado. Esse suspense é a peça-chave do bom romance policial e isso muitos fizeram com maestria e fazem até os nossos dias.
Nesse aspecto Maurice Leblanc foi diferente, foi um inovador. Ao invés de criar um detetive que desvendaria os mais intrincados mistérios, ele deu vida a um personagem totalmente diferente, um fora da lei, um bandido que usa sua astúcia e seu charme para o mal. Leblanc inverte a lógica das histórias policiais, pois toda sua narrativa é feita a partir do “vilão” e não de um “mocinho”.
Apesar disso, Leblanc consegue criar um personagem que ganha a simpatia do leitor e que, com o passar do tempo, começa a agir como uma pessoa do bem, ajudando pessoas em dificuldades com a lei, uma mudança sensacional na narrativa desse interessante personagem.
Por todas essas razões é impossível não colocar Maurice Leblanc e sua obra, especialmente com Arsène Lupin, em lugar especial na galeria dos grandes autores de romance policial da história na literatura. Leblanc foi ousado e inovou em sua criação e ela se tornou lendária. Bom para todos nós que adoramos um romance policial.
Eu acho as histórias de Arsène Lupin muito interessantes e você, já teve oportunidade de apreciar a obra de Maurice Leblanc?
Se já leu, compartilhe sua opinião conosco. Se não leu, corre lá e vai conhecer um pouco mais esse incrível escritor e sua obra genial.
Não perca tempo!