Falar de literatura e de livros é sempre muito prazeroso. Todo amante da leitura adora falar sobre um bom livro que leu, eu não sou diferente. Já li muitos livros ao longo da minha vida e espero ler muitos mais enquanto tiver condições físicas e financeiras para fazê-lo.
Os livros são marcantes para nós pelas mais diversas razões, como por exemplo, pela bela história, pela escrita de alta qualidade, pelos ensinamentos que ele nos oferece, pelas viagens que nos proporcionam, enfim, os motivos são diversos. Agora, quando nos deparamos com uma obra que se torna inesquecível, aquele livro que você guarda na sua prateleira para sempre, por todas essas razões e por uma outra muito especial, por ser um texto que lhe emociona, isso não tem preço.
Essa foi a experiência que vivenciei quando tive a oportunidade de ler este livro. Não conhecia o autor, mas fiquei encantado com leveza com que o livro foi escrito, mesmo sendo uma narrativa densa e complicada. Mas, ao longo da narrativa é muito difícil não se emocionar com a história de Amir e Hassan e a complexa relação entre os seres humanos que nos oferece Khaled Hosseini em sua brilhante obra “O Caçador de Pipas”.

Uma história especial
O livro narra a história de duas crianças afegãs, Amir e Hassan, que vivem em Cabul. A obra descreve a relação entre eles, sendo Amir, o protagonista e narrador da história, um garoto de família rica e Hassan filho de um empregado do pai de Amir.
Muito mais do que a relação entre duas crianças, a narrativa gira em torno dos garotos e do comportamento de cada um deles diante da amizade que os une e os medos que cercam a vida de uma criança. Mas também aborda o contexto político de um país convulsionado, na década de 1970, pela derrubada de uma monarquia, um golpe de estado e a invasão da antiga União Soviética, toda essa radicalização política em apenas uma década. Obviamente as mudanças políticas e as disputas de grupos étnicos, muito forte no Afeganistão, interfere diretamente nos acontecimentos que vão cercar a vida de Amir e Hassan.
A narrativa do livro é feita em primeira pessoa, por Amir, filho de uma família rica de Cabul, que perdeu a mãe durante o seu parto e teve que conviver com um sentimento de culpa pela morte dela, em razão da frieza com que era tratado pelo pai.
Seu melhor amigo era Hassan, um jovem da etnia hazara, minoria no Afeganistão, que nasceu com lábio leporino. Ele era filho de Ali, empregado da família há muitos anos, que morava com o filho em uma pequena casa no quintal da casa de Amir. Assim como o protagonista, Hassan também não foi criado pela mãe, que fugiu com um grupo de cantores nômades. Por serem da etnia hazara e de uma corrente religiosa também minoritária no país, os xiitas, Hassan e o pai eram hostilizados pelos representantes da maioria predominante, os pashtuns sunitas. Esses problemas étnicos persistem até hoje em países como o Afeganistão.
Além da frieza com que era tratado pelo pai, Amir também tinha que lidar com a forma como o pai tratava Hassan, sempre demonstrando afeto pelo garoto, tanto que vai pagar uma plástica para o menino, para correção do defeito de nascença nos lábios. Somente anos mais parte Amir vai entender as razões dessa dedicação de seu pai a Hassan.
As pipas
Em Cabul é realizado anualmente um campeonato de pipas, para marcar o início do inverno. Para o torneio, as crianças empinam suas pipas e começavam a tentar cortar a pipa dos demais competidores, a pipa que permanecer no céu vence a competição. Aqui no Rio de Janeiro dizemos que as pipas vão cruzando, até que sobre apenas uma, o grande campeão. Amir participava da competição e, aos 12 anos, consegue ganhá-la, conquistando, assim, mais respeito junto ao pai.
Já Hassan era um caçador de pipas. Ele buscava as pipas que eram cortadas e tinha um grande talento para caçá-las, conseguia intuir onde elas cairiam. Essa competição vai marcar a vida dos dois garotos. Quando Hassan corre para pegar a última pipa que foi cortada encontra um garoto chamado Assef, um jovem com tendências nazistas. Maior e mais forte que Hassan, Assef violenta o garoto. Amir assiste a tudo, mas, com medo, não tem coragem de interferir para ajudar seu amigo.
Amir mantém segredo sobre o que testemunhou naquele dia. Mas o complexo de culpa, por não ter ajudado Hassan, começa a persegui-lo. Diante desse sentimento, Amir começa a se afastar de Hassan, que não entende a mudança de comportamento do amigo.
Sem conseguir conviver com esse sentimento de culpa, Amir busca uma forma de resolver seu problema, criando uma situação para incriminar Hassan perante seu pai e, desta forma, se livrar do amigo, achando que assim resolveria seu drama de consciência. Ele esconde um relógio e uma certa quantia em dinheiro embaixo do colchão de Hassan, para incriminar seu amigo. Diante da situação, Hassan assume a culpa e ele e o pai deixam a casa e se mudam para outra cidade, mesmo diante dos protestos do pai de Amir. Com isso, ele consegue se livrar da presença do amigo, mas não da culpa, que continua carregando ao longo dos anos.
Em 1980, após a invasão soviética, Amir e o pai fogem do Afeganistão, primeiro vão para o Paquistão. Depois eles vão para os Estados Unidos, onde o pai vai trabalhar em um posto de gasolina e vendendo sucatas em uma feira. Uma realidade muito diferente da confortável vida de Amir no Afeganistão.
O garoto cresce e conhece uma jovem, Soraya Taheri, com quem irá se casar. O pai de Amir descobre que tem câncer de pulmão e vem a falecer um tempo depois. Nesse intervalo, Amir de torna um escritor de renome.

A verdade
Quinze anos depois do falecimento de seu pai, em 1999, Amir recebe um telefonema de Rahim Khan, que foi sócio e amigo de seu pai e que estava vivendo no Paquistão. Amir viaja para encontrar Rahim, que lhe conta os acontecimentos depois que ele e o pai deixaram o Afeganistão. Ele conta que viveu no antigo casarão da família de Amir, e levou com ele Hassan, a esposa e o filho deles, Sohrab.
Depois de dez anos Rahim segue para o Paquistão. Hassan e a família permanecem em Cabul. Hassan e a esposa são mortos por um soldado talibã, enquanto Sohrab e levado para um orfanato.
Rahim Khan deseja que Amir volte ao Afeganistão para resgatar Sohrab. Para convencê-lo ele revela um segredo de seu antigo sócio. Ele conta a Amir que seu Baba, como Amir chamava o pai, era o verdadeiro pai de Hassan, o que fazia desse seu irmão, sendo Sohrab seu sobrinho.
Nesse momento da vida, Amir já está casado com Soraya, mas o casal não consegue ter filhos. Diante das revelações de Rahim, Amir decide enfrentar seus medos do passado e voltar ao Afeganistão para procurar o sobrinho. Após alguma procura ele localiza o orfanato para onde o garoto havia sido levado. Lá é informado que Sohrab fora tirado de lá por um oficial talibã, que abusava sexualmente dele. Amir localiza o oficial e descobre que ele é ninguém menos do que Assef. Amir tem uma briga com ele e é salvo por Sohrab, que atira no olho de Assef com um estilingue. Tio e sobrinho conseguem fugir e vão para o Paquistão. Amir decide adotar o garoto, mas enfrenta problemas com as autoridades americanas locais. Diante da perspectiva de voltar para um orfanato Sohrab tenta o suicídio cortando os pulsos, mas é salvo por Amir, que depois consegue levar o garoto para os Estados Unidos e adotá-lo. Desta forma, Amir busca a redenção do seu passado perante seu irmão Hassan.
O autor
Khaled Hosseini nasceu em Cabul no dia quatro de março de 1965, filho de um diplomata e de uma professora. Aos 11 anos ele se muda com a família para Paris. Em 1980, após a invasão soviética, a família busca asilo nos Estados Unidos.
Ele completa os estudos na América e se forma em medicina pela Universidade da Califórnia. Hoje ele é casado e tem dois filhos.
Além de “O Caçador de Pipas”, Hosseini escreveu mais dois belos livros, que também foram muito bem recebidos pelo público e a crítica, “A Cidade do Sol” e “O Silêncio das Montanhas”.
Em 2006 Khaled Hosseini foi nomeado representante da Organização das Nações Unidas. Depois de 27 anos vivendo exilado nos Estados Unidos, Khaled voltou ao Afeganistão, a Cabul, segundo ele mesmo descreve, vivenciando a experiência e os sentimentos que Amir experimentou em seu retorno à cidade natal.
Em 2007 “O Caçador de Pipas” virou filme, dirigido por Marc Forster. O filme concorreu ao Oscar de Melhor Trilha Sonora Original, em 2008. Ganhou, ainda, o Globo de Ouro e o prêmio Bafta de Melhor Trilha Sonora Original em 2008 e o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro no mesmo ano.
Belo e emocionante
É difícil ler “O Caçador de Pipas” e não se emocionar com a história, muito tocante e de uma extrema sensibilidade. Além disso, Khaled Hosseini consegue trazer uma leveza para a narrativa, em que pese o drama e a tensão que a história carrega.
Contando a história de Amir, Hosseini, com toda certeza, descreve as emoções, dramas e os sentimentos mais profundos que atingem milhares de refugiados por todo o mundo, vítimas das guerras e da fome.
É uma história que nos faz refletir sobre a relação entre pais e filhos, sobre amor, ódio, traição, coragem, covardia, enfim, os mais diversos sentimentos com os quais somos obrigados a lidar ao longo de nossas vidas. Khaled Hosseini também aponta a questão política, colando como pano de fundo as reviravoltas da política afegã ao longo dos anos, retratando uma sociedade onde as mudanças políticas são frequentes e, muitas vezes, violentasse a intolerância acaba imperando e cobrando um alto preço em vidas inocentes perdidas.
O livro é belo, com uma história dramática e envolvente. Vale muito a pena ler e se emocionar com “O Caçador de Pipas”.