Vamos falar agora de poesia. E se engana quem pensa que vou falar de um poeta romântico, no estilo tradicional. Não, é hora de falar de um poeta diferenciado, que foi inquieto, irreverente, irônico, combativo e inovador. Com isso, defendeu a valorização do nosso passado, mas com um olhar crítico e irônico, atualizando a nossa história colonial e defendendo um nacionalismo que voltasse às suas origens, mas com uma visão crítica.
Ele usou seu talento para liderar um dos momentos mais marcantes e decisivos da nossa literatura, a Semana de Arte Moderna de 1922. Transformou-se numa das principais figuras da vida cultural brasileira na primeira metade do século XX.
Na verdade, mais do que poesia, vamos falar agora de literatura, pois esse autor foi poeta, mas também foi escritor de romances, de peças teatrais, foi um artista completo em termos de literatura.
É hora de falarmos de um dos “pais do modernismo brasileiro”, vamos falar de Oswald de Andrade.
Oswald
José Oswald de Sousa de Andrade nasceu em São Paulo no dia 11 de janeiro de 1890, filho único do casal José Oswald Nogueira de Andrade e Inês Henriqueta Inglês de Sousa Andrade, que era irmã do escritor Inglês de Sousa.
Oswald, o filho, vai iniciar seus estudos na Escola Modelo Caetano de Campos, em 1900. No ano seguinte vai para o Ginásio Nossa Senhora do Carmo. Em 1903 é matriculado no Colégio São Bento, onde ficaria até 1908, concluindo seus estudos. No São Bento conheceria o poeta Guilherme de Almeida.
Terminado os estudos no São Bento, Oswald de Andrade inicia, em 1909, a faculdade de Direito ao mesmo tempo em que passa a escrever no jornal Diário Popular. O poeta inicia assim sua carreira no jornalismo, como redator e crítico teatral, assinando a coluna ‘Teatro e Salões’.
Em 1911 funda, junto com o advogado Dolor de Brito e com o apoio financeiro da família, a revista “O Pirralho”, que iria circular até 1918. No ano seguinte, em 1912, Oswald de Andrade, que era de uma família de posses, interrompe a faculdade de Direito e faz uma viagem para a Europa, onde vai conhecer países como Inglaterra, França, Espanha, Itália, Alemanha e Bélgica. Oswald vai travar conhecimento com a cultura europeia, muito diferente da nossa. Também vai manter diversos casos amorosos em sua estadia em solo europeu. Em Paris conhece Henriette Denise Boufflers, uma estudante francesa por quem Oswald vai se apaixonar.
Ainda em 1912 ele recebe a notícia do falecimento de sua mãe e retorna ao Brasil, trazendo consigo Henriette, a quem chama carinhosamente de Kamiá. Eles vão morar em São Paulo e, em 1914, nasce José Oswald Antônio Boufflers de Andrade, filho do casal. As traições de Oswald e a insegurança de Kamiá fazem o casamento afundar. Em 1915 ele vai ter um caso com Carmen Lydia, uma dançarina espanhola. No ano seguinte Kamiá descobre a infidelidade do marido e acaba com o casamento, voltando para Paris com o filho.
Em 1917 um dos casos amorosos de Oswald será importante para a literatura brasileira. Nesse ano ele inicia um romance com a jornalista Maria de Lourdes Olzani e, por meio dela, conhece Mário de Andrade, com quem vai travar longa e, no final, polêmica amizade. Nesse mesmo ano defende a pintora Anita Malfatti, dos ataques de Monteiro Lobato, que rotulou as obras de Malfatti como distorções de mau gosto.

Ao lado de Mário de Andrade ele vai se juntar a Anita Malfatti, Menotti del Picchia e Tarsila do Amaral para formar aquele que ficaria conhecido como o ‘Grupo dos Cinco’, embrião que articularia a Semana de Arte Moderna de 1922.
No ano de 1919 concluiu o curso de Direito, mas, nessa época, já estava atuando como jornalista, escrevendo para diversos jornais, entre eles O Estado de São Paulo, o Diário Popular, Correio da Manhã e Correio Paulistano.
Semana de Arte Moderna
A Semana de Arte Moderna de 22 acabou se tornando o evento mais importante da cultura brasileira no século XX. Se por um lado comemorava-se um século de independência do Brasil em relação a Portugal, por outro o país ainda buscava sua identidade cultural, livre das amarras do colonizador.
Realizada no Theatro Municipal de São Paulo, de 13 a 18 de fevereiro de 1922, a Semana apresentou uma grande variedade de opções culturais para os visitantes, como exposições de pinturas e esculturas, apresentações de dança e música, recital de poesias e palestras.
Todos os artistas participantes sugeriam uma nova visão do conceito de arte, com inspiração na estática inovadora das vanguardas culturais europeias. Era a busca por uma completa renovação social, cultural e artística em nosso país. Foram dias de muita efervescência cultural em São Paulo e que se transformariam em um grande marco em nossa história.
Carreira Literária

Em 1922 Oswald de Andrade já acumulava anos de trabalho como jornalista, escrevendo para vários periódicos. Trabalhou ativamente na organização da Semana de Arte Moderna daquele ano. Mas ainda faltava alguma coisa.
Alguns anos antes, em 1916, ela já havia escrito as peças teatrais, “Mon coeur balance/Leur âme/Histoire de la fille du roi”, em parceria com Guilherme de Almeida, seu antigo colega de escola. Oswald de Andrade faz sua estreia como escritor, como a obra “Os Condenados”, romance publicado em 1922.
A este primeiro livro seguiram-se vários outros, conforme descrito abaixo. Além de poesias e romances, Oswald escreveu dois importantes manifestos da cultura brasileira, o “Manifesto da Poesia Pau-Brasil” e o “Manifesto Antropófago”.
– Os Condenados (1922) — romance
– Memórias Sentimentais de João Miramar (1924) — romance
– Manifesto da Poesia Pau-Brasil (1924)
– Pau-Brasil (1925) — poesia
– Primeiro Caderno do Aluno de Poesia Oswald de Andrade (1927) — poesia
– A Estrela de Absinto (1927) — romance
– Manifesto Antropófago (1928)
– Serafim Ponte Grande (1933) — romance
– A Escada Vermelha (1934) — romance
– O Homem e o Cavalo (1934) — teatro
– A Morta (1937) — teatro
– O Rei da Vela (1937) — teatro
– Cântico dos Cânticos para Flauta e Violão (1942) — poesia
– Marco Zero I: a revolução melancólica (1943) — romance
– Marco Zero II: chão (1945) — romance
– O Escaravelho de Ouro (1946) — poesia
– O Cavalo Azul (1947) — poesia
– Manhã (1947) — poesia
– O Santeiro do Mangue (1950) — poesia
– Um Homem sem Profissão (1954) — memórias
Manifestos
Além de seus romances, poesias e peças teatrais, Oswald de Andrade foi muito importante para a literatura brasileira pelos dois manifestos que escreveu: Pau Brasil e Antropófago. Ambos muito representativos do modernismo brasileiro.
O “Manifesto da Poesia Pau Brasil” defendia que o nosso país tivesse uma poesia brasileira de exportação, tal como aconteceu com o pau-brasil, uma árvore nativa cuja madeira foi o primeiro produto de exportação do Brasil Colônia. Segundo Oswald, a poesia nacional deveria ser espontânea e original, não devendo nada à cultura europeia.
Já o “Manifesto Antropófago”, surgiu do “Movimento Antropofágico”, criado por Oswald de Andrade e sua mulher à época Tarsila do Amaral. O movimento envolvia a literatura e a pintura, com a proposta de implosão da cultura estrangeira com a criação de uma cultura revolucionária brasileira. Em 1928, juntamente com Raul Bopp e Alcântara Machado, Oswald fundaria a “Revista Antropofágica”, que levaria em sua primeira edição o manifesto do autor.
Vida Pessoal
A vida pessoal de Oswald de Andrade foi muito atribulada. Se por um lado seu trabalho literário ia avançando firme, com o lançamento dos manifestos e de seus livros, por outro sua vida pessoal era um vai e vem interminável.
Em 1914 nasceu seu primeiro filho, José Oswald, de sua relação com Kamiá. Após se separar dela, além de vários romances, Oswald voltaria a se casar mais algumas vezes. Primeiro em 1926, com Tarsila do Amaral. Tarsila, inclusive, faz as ilustrações de seu livro de poesias “Pau-Brasil”, lançado nesse mesmo ano. A união com Tarsila iria até 1929 quando eles se separam e Oswald assume sua relação com a escritora Patrícia Rehder Galvão, Pagu, com quem já mantinha um relacionamento há algum tempo.
Pagu, além de escritora era poetisa, tradutora, desenhista, cartunista, jornalista e militante comunista, esse fato iria aproximar Oswald do partido comunista do Brasil. Os dois se casariam no dia primeiro de abril de 1930, em uma cerimônia nada convencional, realizada no Cemitério da Consolação, em São Paulo. O fato foi amplamente repercutido pela imprensa. Pagu já casou grávida e o filho do casal nasceu em setembro daquele mesmo ano. O menino foi batizado de Rudá Poronominare Galvão de Andrade.
Juntos eles fundaram o jornal “O Homem do Povo’, que circularia até 1945, quando Oswald rompe com o partido comunista. O relacionamento do casal duraria até 1934, quando Pagu buscou a separação após constatar a infidelidade do marido. Oswald de Andrade assumiu, então, seu romance com a pianista Pilar Ferrer, de quem já era amante há dois anos. O relacionamento só duraria mais um mês e o poeta iniciaria um namoro com a poetisa Julieta Bárbara Guerrini, com quem viveria até 1940.
Em 1943 Oswald começa a namorar Maria Antonieta D’Alkmin. No ano seguinte eles passariam a viver juntos e teriam dois filhos Antonieta Marília D’Alkmin de Andrade, nascida em 1945, e Paulo Marcos D’Alkmin de Andrade, de 1948. O relacionamento entre os dois duraria até a morte de Oswald, ocorrida em 22 de outubro de 1954.
Curiosidades
– Oswald de Andrade era um simpatizante da esquerda, tendo se filiado ao PCB em 1930. Ele foi preso algumas vezes em razão do seu posicionamento político;
– Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade casaram-se em 1926. Na época as separações não eram permitidas. Como ela já era casada, precisou anular seu casamento anterior para poder se unir a Oswald;
– Tarsila presenteou Oswald, em um de seus aniversários, com a pintura do “Abaporu”, sua tela mais famosa;
– Entre os padrinhos de Oswald e Tarsila estavam o presidente Washington Luís e o governador Júlio Prestes, de São Paulo;
– Ao longo da vida ele teve sete mulheres;
– O casamento de Oswald e Pagu foi celebrado dentro de um cemitério;
Amizade com Mário
Um dos fatos marcantes na vida de Oswald foi sua amizade com Mário de Andrade. Eles se conheceram em 1917, por intermédio de uma namorada de Oswald. Juntos trabalhariam na organização da Semana de 22. Em 1927 publicam um poema na revista “Verde” com o pseudônimo Marioswald, uma junção dos dois nomes. A amizade era forte e fraterna, pois eles nutriam grande admiração pela inteligência do outro, apesar de também apresentarem muitas discordâncias, fruto da diferença de personalidades.
Essa relação fraternal seria definitivamente abalada em 1929, por diversas razões. Primeiro quando Oswald abandonou Tarsila do Amaral, após várias traições, deixando a pintora fragilizada emocionalmente. Mário de Andrade discordou frontalmente da atitude do amigo.
Em seguida, o temperamento tempestuoso e intempestivo de Oswald fez com que ele avançasse sobre o próprio Mário, atacando-o na “Revista de Antropofagia”, chegando ao ponto de envolver familiares de Mário na discussão. Foi a gota d’água para que Mário de Andrade rompesse definitivamente a amizade com Oswald. Este ainda tentou, por algumas vezes, se reaproximar de Mário, sem sucesso.
A morte de Mário de Andrade, em 25 de fevereiro de 1945, aos 52 anos, foi um duro golpe para Oswald, que estava em viagem e não conseguiu retornar para o enterro. A amizade entre dois gênios da literatura brasileira que foi interrompida pela rebeldia de Oswald e acabou não sendo retomada.
Um pouco de poesia

Oswald de Andrade foi um poeta revolucionário, não só criticando a ordem vigente, mas apontando novos caminhos para a poesia e a literatura. Confira um pouco do seu magistral talento em dois de seus poemas.
Erro de Português
Quando o português chegou
Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português
Alerta
Lá vem o lança-chamas
Pega a garrafa de gasolina
Atira
Eles querem matar todo amor
Corromper o pólo
Estancar a sede que eu tenho doutro ser
Vem do flanco, de lado
Por cima, por trás
Atira
Atira
Resiste
Defende
De pé
De pé
De pé
O futuro será de toda a humanidade
Rebelde, inovador e genial
Oswald de Andrade foi mais do que um poeta genial, também foi genial como escritor de romances e de peças teatrais. Foi genial como crítico de uma sociedade que precisava rever seu pensamento cultural. Atacou a produção cultural da época, mas não o fez pelo prazer de apontar o dedo para o que estava estabelecido, ele apontou caminhos, mostrou novos horizontes que a cultura brasileira poderia seguir.
Foi contestador, foi crítico, mas também foi criador. Entendeu que o momento cultural em que vivia era propício para desconstruir a literatura para poder reconstrui-la com mais força, aproveitando o que ela tinha de bom e buscando novos caminhos.
Ele foi revolucionário e, para nossa sorte, brasileiro, e nos ofereceu um repertório cultural que até hoje nos encanta.
Então, viva Oswald de Andrade!