A Dama revolucionária do romance policial
Vamos voltar, agora, aos romances policiais e seus grandes autores e autoras, que criaram histórias cheias de suspense. Quem nunca leu um livro de mistério e ficou desesperado, sem querer parar de ler para chegar logo ao final da narrativa e descobrir o culpado e o desfecho de toda a situação?
Até hoje muitos autores e autoras cumpriram, de forma magistral, esse papel, já citei vários aqui e, também, já publiquei textos sobre vários deles. Todos com suas características literárias, o que os faz únicos em suas escritas e suas singularidades pessoais. Afinal de contas, falamos da vida literária, mas também pessoal de cada um deles.
A escrita é o resultado do trabalho de um ser humano que está por trás das ideias e as coloca no papel de forma a transmitir uma mensagem a quem vai ler sua obra literária. Por isso, o lado humano também é destacado por aqui, falando um pouco sobre a pessoa do autor ou autora, sua origem e vida pessoal. Assim vamos conhecendo um pouco mais as pessoas que nos fazem viajar com suas histórias incríveis.
E, se tem uma pessoa que criou grandes narrativas de suspense, que fizeram grande sucesso e encantaram muitos leitores, além de ter uma vida pessoal complexa, essa foi a autora Patricia Highsmith.
Juventude
Nascida Mary Patricia Plangman, em 19 de janeiro de 1921, na cidade de Fort Worth, no Texas, ela se tornaria uma das grandes escritoras de suspense da história. Filha de Jay Bernard Plangman, de ascendência alemã e de Mary Plangman Coates, ela nunca pode sentir que existia um laço familiar forte perto dela. O casal Jay e Mary se separou dez dias antes do seu nascimento. Três anos depois sua mãe se casaria com o artista Stanley Highsmith, de quem Patricia adotaria o sobrenome.
Em 1927 Patricia, a mãe e o padrasto se murariam para Nova Iorque. Quando estava com 12 anos, em 1933, voltou para sua cidade natal, Fort Worth, para morar com a sua avó, com quem ficaria por um ano. Ela aprendeu a ler com a avó e pode aproveitar a biblioteca que esta possuía.
A própria Patricia declararia posteriormente que este período seria “o ano da tristeza”, pois se sentiu abandonada pela mãe, o que marcaria o início de seus conflitos maternos, que durariam por toda a sua vida. O relacionamento das duas se transformaria em um confronto nas questões de afeto e retribuição de amor, sem que as duas chegassem a um consenso até o final da vida.

Em sua biografia existe o relato de que seu pai teria convencido a mãe a fazer o aborto, mas essa teria se recusado. Contudo, a própria autora confidenciou que a mãe lhe revelou certa vez que tentara abortar a gravidez, por meio da ingestão de terebintina, muito conhecida por aqui como aguarrás.
Sua infância foi conturbada e deixou suas marcas. Mas ela sobreviveu e seguiu em frente e, alguns anos depois, entraria na Barnard College, uma faculdade de artes, para mulheres, localizada em Nova Iorque, onde se formaria em 1942. Com o diploma na mão, ela tentou emprego em várias revistas, como Vogue, Time e The New Yorker, sem sucesso.
Em 1948, por indicação do escritor Truman Capote, foi integrar uma comunidade de artistas na cidade de Saratoga Springs. Consta que nesse período ela já estava trabalhando em seu primeiro romance, “Strangers on a Train”.
No ano seguinte Patricia seguiria para a Europa, onde se estabeleceria e iniciaria sua carreira literária.
Literatura
Se sua vida pessoal sempre foi atribulada, a carreira como escritora não poderia ter começado de forma mais promissora. Em 1950 ela lança “Strangers on a Train”, que relata a história de dois homens, totalmente desconhecidos, que enfrentam problemas familiares e precisam se livrar de uma pessoa muito próxima, um eliminar seu pai e o outro a mulher. Eles acabam concordando em fazer uma troca e cada um matar pelo outro. A sequência da história é cercada de muito suspense.
O livro fez muito sucesso e, em 1951, ganhou uma versão cinematográfica, dirigida por ninguém menos do que Alfred Hitchcock, tendo como um dos roteiristas Raymond Chandler. No Brasil a versão ganhou o título de “Pacto Sinistro”. O filme foi indicado ao ‘Oscar de melhor fotografia em preto e branco’, em 1952.
Essa estreia bem-sucedida fez decolar a carreira de Highsmith, que lançaria mais de 20 livros e muitos contos. Entre eles:
– Pacto Sinistro (Strangers on a Train) – 1950
– Carol (The Price of Salt ou Carol) – 1953
– The Blunderer – 1954
– O talentoso Ripley (The Talented Mr. Ripley) – 1955
– Em águas profundas (Deep Water) – 1957
– Um Jogo Para os Vivos (A Game for the Living) – 1958
– Este Doce Mal – This Sweet Sickness – 1960
– Duas Faces de Janeiro (The Two Faces of January) – 1961
– O Grito da Coruja (The Cry of the Owl) – 1962
– A Cela de Vidro (The Glass Cell) – 1964
– O Perdão Está Suspenso (A Suspension of Mercy) – 1965
– Those Who Walk Away – 1967
– O Tremor da Suspeita (The Tremor of Forgery) – 1969
– Ripley Subterrâneo (Ripley Under Ground) – 1970
– Resgate de um Cão (A Dog’s Ransom) – 1972
– O Jogo de Ripley (Ripley’s Game) – 1974
– O Diário de Edith (Edith’s Diary) – 1977
– O Garoto que Seguiu Ripley (The Boy Who Followed Ripley) – 1980
– People Who Knock on the Door – 1983
– Found in the Street – 1987
– Ripley Debaixo D´água (Ripley Under Water) – 1991
Colecções de histórias
– Eleven – 1970
– Little Tales of Misogyny – 1974
– O Livro das Feras (The Animal Lover’s Book of Beastly Murder) – 1975
– Slowly, Slowly in the Wind – 1979
– A Casa das Sombras (The Black House) – 1981
– Sereias no campo de golfe (Mermaids on the Golf Course) – 1985
– Tales of Natural and Unnatural Catastrophes – 1987
– Nothing That Meets the Eye: The Uncollected Stories – 2002
O Talentoso Ripley

Uma obra da autora que também se tornou um grande sucesso foi “O Talentoso Ripley”. Nesse livro, lançado em 1955, Patricia vai apresentar aos leitores Tom Ripley, um jovem inteligente, sagaz, ambicioso, exímio imitador, com grande poder de convencimento e, além de tudo, um bem-humorado piadista. Ainda muito jovem ele foge de um lar cheio de problemas e passa a viver de pequenos golpes e furtos. Sua vida muda quando recebe uma proposta, de um poderoso homem de negócios, um rico industrial, para ir a uma aldeia italiana para convencer o filho deste a voltar para casa e assumir os negócios do pai.
Em solo italiano ele conhece o jovem que tem que levar para casa, Dickie Greenleaf e sua namorada Marge. Tom se encanta com estilo de vida refinado de Dickie, que passa a ser objeto de desejo de Ripley e que vai virando uma obsessão para este. A sequência da história mostra o lado mais sombrio do ser humano.
Esse foi outro grande sucesso de Patricia que foi parar nas telas de cinema. Lançado em 1999, com a direção de Anthony Minghella e estrelado por Matt Damon, Jude Law e Gwyneth Paltrow, o filme faturou mais de US$ 120 milhões e rendeu a Jude Law uma indicação ao Oscar como ‘Melhor Ator Coadjuvante’, em 2000. O personagem principal é tão intenso que Anthony Minghella fez a seguinte afirmação sobre ele, “Tom Ripley é um dos personagens mais interessantes da literatura mundial.”
O sucesso literário foi grande, mas Patricia Highsmith enfrentou outros problemas de ordem pessoal, além do difícil relacionamento com sua mãe.
Sexualidade

A questão sexual foi outro ponto marcante na vida da autora. Ela viveu numa época em que a sexualidade ainda era um grande tabu, principalmente em determinado momento de sua vida adulta em seu país. Nos Estados Unidos dos pós-guerra a homossexualidade era vista e tratada como doença, um problema de desvio moral. Além disso, na década de 1950 os americanos enfrentavam outra questão interna, o marcarthismo, fruto da guerra fria, que tinha por prática perseguir cidadãos e acusá-los de subversão e traição, sob a ótica da ameaça vermelha do comunismo. Todos que eram considerados “desviantes” eram perseguidos. Os principais alvos de suspeita foram artistas, músicos, intelectuais, educadores, funcionários públicos e sindicalistas.
Nesse clima pesado Patricia busca compreender a própria sexualidade e lança, em 1953, “Carol” ou “The Price of Salt”, título original. Essa obra descreve o encontro entre duas mulheres solitárias, Therese e Carol, que se encontram casualmente e acabam se envolvendo. A trama envolve mudança de vida e de paradigmas, homossexualidade, escolhas, amor proibido e preconceito social.
Essa foi mais uma história da autora que foi parar no cinema, em 2015, com Cate Blanchett e Rooney Mara nos papéis principais e direção de Todd Haynes. O filme recebeu seis indicações ao Oscar em 2016.
Na época do lançamento do livro, este ajudou a pautar as discussões sobre homossexualidade. Sua vida pessoal e suas relações afetivas com outras mulheres foram alvo de muita polêmica na época.
Morte
Patricia faleceu no dia quatro de fevereiro de 1995, em Locarno, na Suíça, onde residia desde 1982. Ela estava com 74 anos e foi vitimada por um câncer no pulmão. A escritora foi cremada.
Curiosidades
– Gillian Flynn, que escreveu o livro “Garota Exemplar”, tem Patricia Highsmith como uma de suas autoras favoritas;
– Para poder filmar “Strangers on a Train” Hitchcock comprou, de forma anônima para baratear o preço, os direitos de adaptação do livro. Na época pagou US$ 7.500,00;
– Hitchcock, inclusive, repete nesse filme uma constante em suas obras, ele aparece em cena, logo no início do filme, embarcando em um trem com um contrabaixo;
– Raymond Chandler aparece nos créditos como principal roteirista de “Strangers on a Train”, mas boa parte do roteiro foi feito por Czenzi Ormonde;
– Os livros de Highsmith apresentam personagens aparentemente pacatos, mas que ao longo da história mostram seu lado mais sombrio;
– Com o sucesso alcançado por suas obras, Patricia Highsmith passou a ser considerada, por muitos, como a maior autora de thrillers policiais da história;
– Patricia mantinha uma criação de caracóis em casa.
Uma revolucionária
Patricia Highsmith foi uma verdadeira revolucionária, seja com sua obra literária, que marcou época com histórias de grande teor psicológico, seja pelas discussões que levantou sobre homossexualidade em uma época complexa da sociedade americana. Seu livro “Carol” ou “The Price of Salt” foi muito importante na discussão sexual nos Estados Unidos da década de 1950.
Se tivesse lançado apenas essa obra, já teria sido um grande feito. Mas ela foi muito mais além. Seus livros de suspense fizeram um grande sucesso, atravessando gerações e fazendo dela uma das mais consagradas autoras de romances policiais da história, e com toda a justiça.
Por isso, os amantes da literatura policial não podem deixar de conhecer a obra de Patricia Highsmith.