Quero dividir com vocês uma reflexão sobre um tema que é fundamental, que, na verdade, é a razão para estarmos aqui conversando, a leitura. Em qualquer sociedade civilizada é notória a importância do saber e da cultura. Um dos hábitos mais importantes para desenvolver a inteligência, o poder de raciocínio e o pensamento crítico é a leitura. Bons hábitos de leitura são fundamentais para que o cidadão, desde muito jovem, possa desenvolver seu poder de raciocínio.
As grandes civilizações, ao longo da história, desenvolveram suas sociedades com base na propagação do conhecimento. Desde os tempos mais remotos foi assim, gregos, egípcios, romanos e outros povos alcançaram alto grau de desenvolvimento social por meio da disseminação do conhecimento.
A leitura, juntamente com a escrita, é dos pontos fundamentais nesse avanço civilizatório. E, considerando esse fato, vejo com muita preocupação os resultados da 5ª edição da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, promovida pelo Instituto Pró Livro, junto com o Itaú Cultural.
A Pesquisa
Realizada desde o ano 2000, a pesquisa está em sua 5ª edição e aponta vários aspectos que devemos considerar e refletir, pois os números são, no meu entendimento, preocupantes. Nesta edição da pesquisa, realizada pelo Ibope Inteligência, foram feitas 8.076 entrevistas, abrangendo 208 municípios brasileiros, no período de outubro de 2019 a janeiro de 2020. A pesquisa anterior havia sido realizada em 2015.
Aqui precisamos abrir um parêntese para lembrar que essa última pesquisa foi feita antes do surgimento da pandemia da Covid-19 no Brasil. É preciso assinalar esse fato, pois esses quase dois anos de pandemia podem ter promovido uma alteração no quadro que foi gerado a partir da pesquisa sobre a qual vamos falar aqui. Se isso realmente aconteceu, somente uma nova pesquisa mais à frente irá apontar. Mas vamos aos fatos que temos.
Os números da pesquisa apontam que entre 2015 e 2019 o país perdeu mais de 4,6 milhões de leitores. Em um universo de 193 milhões de brasileiros com capacidade de leitura, pessoas com mais de cinco anos, o percentual de leitores caiu, nesse período, de 56% para 52%. Isso significa que, dos 193 milhões de leitores potenciais, 100 milhões estão lendo, enquanto o restante, 93 milhões, não leram nenhum livro nos três meses anteriores à realização da pesquisa.
O levantamento aponta que os brasileiros que se disseram leitores leem, em média, cinco livros por ano. Sendo que metade, ou seja, 2,5 dos livros são lidos por inteiro, enquanto a outra metade é lida apenas em parte. Um brasileiro ler, em média, três livros por ano é muito pouco. Entre os livros lidos, a Bíblia é apontada como o mais lido pelo universo dos entrevistados.
Um ponto interessante apontado pela pesquisa, e ao mesmo tempo preocupante, é que a maior queda no percentual de leitores foi registrada entre as pessoas com nível superior e entre os que possuem maior poder aquisitivo e que, teoricamente, são os que possuem melhores condições para desenvolver a leitura. Entre os que possuem nível superior o percentual de leitura caiu de 82%, em 2015, para 68%, em 2019. Nos leitores da classe A, maior poder aquisitivo, o percentual caiu de 76% para 67%.
As razões
Entre os entrevistados, diversas razões foram apresentadas para justificar a pouca ou nenhuma leitura, como podemos ver abaixo:
– 4% disseram não saber ler;
– 19% alegaram ler muito devagar;
– 13% que não possuem concentração para ler;
– 9% não compreendem a maioria das coisas que lê;
– 5% dos que disseram ler e 1% dos que não leem apontaram o preço caro dos livros como motivo para não ler;
– 7% dos que leem e 2% dos que não leem afirmaram que não o fazem por conta da ausência de bibliotecas próximas à sua residência, para obter empréstimo de livros.
Todas essas respostas apresentadas na pesquisa são preocupantes. E não podemos esquecer que, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em levantamento feito em 2017, havia cerca de 11,8 milhões de pessoas que não sabiam ler. Além disso, hoje a leitura enfrenta outros fortes concorrentes, a internet, as redes sociais e aplicativos como o WhatsApp. Na pesquisa de 2015 47% dos entrevistados apontaram que usavam a internet no tempo livre. Esse percentual subiu para 66% em 2019. No caso do WhatsApp o número subiu de 43% para 62%.
É preciso destacar que existem diferenças metodológicas entre as pesquisas de 2015 e 2019, como o número de entrevistados, a quantidade de municípios abrangidos e a proporcionalidade da amostragem. Você pode verificar esses pontos acessando o link da pesquisa (https://prolivro.org.br/wp-content/uploads/2020/09/5a_edicao_Retratos_da_Leitura_no_Brasil_IPL-compactado.pdf). Contudo, a confiabilidade da pesquisa é alta, na faixa de 95% e, independente das diferenças metodológicas das duas pesquisas, o resultado apresentado é preocupante.
Instituto Pró Livro
O Instituto Pró Livro, organizador da pesquisa, é uma OSCIP, criada em 2006 por entidades ligados ao setor livreiro, a Abrelivros, a CBL (Câmara Brasileira do Livro) e o SNEL (Sindicato Nacional dos Editores de Livros). Sua missão é transformar o Brasil num país com mais leitores, incentivando a leitura e o acesso da população aos livros.
A título de esclarecimento, uma OSCIP é uma entidade com qualificação para atuar em áreas típicas do setor público. No Brasil, em geral, elas são contratadas pelo Estado para atuar em áreas em que o poder público não quer mais participar diretamente.
Em razão da bela missão do Instituto, essa pesquisa é realizada periodicamente, para avaliar como está a evolução do padrão de leitura do brasileiro e o que pode ser feito para melhorar essa realidade. As informações apuradas nessas pesquisas são de grande importância e deveriam, inclusive, ser consideradas pelos governos Federal, Estaduais e Municipais.
Diversos dados estatísticos são apresentados pelo Pró Livro, que justificam a realização das pesquisas. E esses dados apontados são sugestivos e convidam a uma reflexão sobre os rumos da nossa educação e, por consequência, da qualidade da leitura em nosso país. Vamos ficar em dois deles apenas:
– O Brasil ocupa a posição de número 60 entre 70 países avaliados e está abaixo da média mundial em leitura;
– Dados do INAF (Indicador de Alfabetismo Funcional) apontam que 27% dos brasileiros com idade de 15 a 64 anos são analfabetos funcionais. Isso quer dizer que três em cada dez pessoas são analfabetos funcionais, que são aqueles incapazes de compreender um texto simples.
Uma triste realidade
Os números apresentados pelo Instituto, nessa pesquisa, não são nada animadores. O Brasil possui sérios problemas na área da educação, essa é uma questão antiga. E os dados apresentados por esta pesquisa mostram que o problema está se agravando. Nesse período de quatro anos, entre 2015 e 2019, andamos de marcha à ré na questão educacional, da cultura e do incentivo à leitura.
Não é difícil entender por que as pessoas estão lendo tão pouco em nosso país. Na minha opinião, esse é um sintoma de as coisas não vão bem na educação. E, se a educação de um país não vai bem, o país como um todo vai mal. Se a situação já é muito ruim, o que dizer quando o governo quer incluir em sua reforma tributária a cobrança de contribuição para o setor de livros, com uma alíquota provavelmente de 12%. Se você acha que não pode piorar, é porque não viu a justificativa do governo para cobrar o imposto. O argumento apresentado pela Receita Federal é de que as famílias de baixa renda, até dois salários mínimos, não consomem livros não didáticos, esse consumo fica para a população com renda de mais de dez salários mínimos.
É fantástico o raciocínio apresentado. Como pessoas de baixa renda não tem acesso à leitura, ao invés de buscar formas de incentivar e permitir que essa parte da população possa ter o direito de ler, o governo prefere restringir mais ainda o acesso à leitura. Parece que só rico tem direito de ler no Brasil ou essa é a intenção do governo, manter esse direito somente para uma parcela da população.
Diante dessa realidade só podemos lamentar a atitude do governo e buscar formas de incentivar a leitura para todos os cidadãos, independente de renda familiar.
Vamos incentivar, sim, a leitura, o acesso ao conhecimento, pois esse liberta o ser humano. Deixe aqui sua opinião sobre a pesquisa e essa proposta do governo e vamos falar de cultura e incentivar a leitura.