Está na hora de falar de mistério, de mais um escritor de grandes histórias policiais. Vamos conversar sobre um autor que teve, e ainda tem, muita influência no romance policial, pois apresentou elementos diferentes e novos em relação às narrativas que os grandes autores do gênero, como Edgar Allan Poe, Sir Arthur Conan Doyle ou Agatha Christie, já haviam produzido.
Enquanto esses criaram a maior parte de suas histórias tendo como personagem principal policiais ou investigadores amadores, argutos, sofisticados e com grande poder de observação e dedução, esse nosso autor preferiu adotar outro estilo. Seu principal personagem era um detetive particular com comportamento cínico, às vezes violento, e com tendências para exagero na bebida. Foi um dos maiores expoentes do estilo policial noir, que tem como característica principal as histórias que misturam mistério, terror e investigação, tendo como ambientação predominante bares, ruas e locais desertos, ambientes sombrios e em sua maior parte se desenrolam à noite.
Vamos falar do trabalho de Raymond Chandler, de suas histórias e de seu consagrado personagem Philip Marlowe.
O início
Raymond Thornton Chandler nasceu em Chicago, nos Estados Unidos, em 23 de julho de 1888, filho de Maurice Benjamin Chandler e de Florence Dart Thornton. Ele viveu seus primeiros anos de vida na cidade de Plattsmouth, em Nebraska. Seu pai, engenheiro civil, trabalhava em uma ferrovia, era alcoólatra e acabou abandonando a família. Em 1896 Florence, que era natural da Irlanda, resolve mudar de vida e muda-se com o filho para Londres. Chandler não voltaria a ver o pai.
O jovem foi educado na tradicional escola pública londrina Dulwich College, uma instituição de ensino fundada no século XVII. Quando terminou os estudos, ao invés de ingressar na faculdade, preferiu viver um tempo em Paris e Munique, onde pode aperfeiçoar suas habilidades com outros idiomas como o francês e o alemão.
Em 1907 torna-se cidadão britânico, a mãe já havia se naturalizado, e presta concurso público, para o Almirantado, o Departamento do Governo Britânico que comandou a Marinha Real até 1964. Ficou pouco mais de um ano no emprego. Nesse período publicou seus primeiros poemas e ensaios, atuando como profissional free-lancer para o jornal “The Westminster Gazette” e a revista “The Spectator”.
Vida Pessoal
Em 1912 voltou para os Estados Unidos. Durante a Primeira Guerra Mundial serviu no Exército Canadense, combatendo da França, em 1917. Com o fim da Guerra voltou para os EUA, e foi morar em Los Angeles, na Califórnia, onde trabalhou como contabilista, empresário, jornalista e até mesmo detetive. Ele iniciou um romance com Cissy Pascal, uma pianista 17 anos mais velha do que ele e que havia terminado seu segundo casamento. Eles se casaram em 1924 e viveram juntos por 30 anos, até a morte de Cissy, em 1954.
Assim como seu pai, Raymond Chandler enfrentou problemas com o álcool ao longo da vida. Até mesmo sua vida profissional foi afetada por isso. Por conta dos excessos com a bebida, em 1932, foi demitido de uma empresa petrolífera, a Dabney Oil Syndicate. Após a morte de Cissy, Chandler voltou a ter sérios problemas nervosos e aumentou seu consumo de álcool, o que prejudicaria sua carreira literária nos últimos anos de vida. Ainda ficou noivo Helga Greene, que se tornaria sua herdeira após sua morte, em 1959.
Carreira Literária
Após perder o emprego, em 1932, por conta do alcoolismo e da Grande Depressão, que desorganizou a economia mundial e gerou uma onda gigantesca de falências e desemprego, Chandler começou a trabalhar em seus escritos. Em 1933 publica sua primeira história policial “Blackmailers Don’t Shoot”, na revista Black Mask.
Seu primeiro romance policial publicado foi “À Beira do Abismo”, em 1939, que traz seu mais famoso personagem, o detetive Philip Marlowe, que seria protagonista em outras seis histórias do autor:
- Adeus minha Adorada
- Janela para a Morte
- A Dama do Lago
- A Irmãzinha
- O Longo Adeus
- Playback
Além desses romances, Chandler começou a escrever “Amor e morte em Poodle Springs”, mas faleceu antes de concluir a obra. O livro foi terminado por Robert B. Barker, após autorização de seus familiares, e publicado em 1989. Raymond Chandler deixou, também, mais de 20 contos publicados, entre policiais e não policiais.
Seus livros, com Marlowe como protagonista, ganharam adaptações cinematográficas que se tornaram grande sucesso, contando com a participação de atores consagrados de Hollywood como Humphrey Bogart, Lauren Bacall, Robert Mitchum, James Stewart, Robert Montgomery e James Gardner, entre outros.
Raymond Chandler também foi autor e co-autor de argumentos para diversos filmes como “Double Indemnity”, dirigido por Billy Wilder, que foi indicado ao Oscar de Melhor Roteiro Adaptado; “A Dália Azul”, dirigido por George Marshall; e “Strangers on a Train”, cuja direção foi de ninguém menos que Alfred Hitchcock.
Curiosidades
- Raymond Chandler começou tarde a carreira de escritor. Seu primeiro livro, ‘À Beira do Abismo” foi publicado em 1939, quando o autor estava com 51 anos;
- Esse primeiro livro foi um sucesso e ganhou uma versão cinematográfica também bem-sucedida, em 1946, com o detetive Philip Marlowe sendo vivido de forma magistral por Humphrey Bogart. O elenco contava ainda com Lauren Bacall, há época casada com Bogart. A direção foi de Howard Hawks;
- Chandler possui um fã ilustre, o roqueiro Mark Knopfler. O vocalista e líder da banda Dire Straits é fã declarado do autor e escreveu a música “Private Investigations” em sua homenagem;
- Ele enfrentou forte depressão após a perda da esposa, Cissy, falecida em 1954;
- É considerado por muitos o James Joyce do romance policial, de quem foi contemporâneo.
- Era primo-irmão do ator Max Adrian, que foi um dos fundadores da Royal Shakespeare Company, uma das mais importantes companhias teatrais do Reino Unido;
- Chandler nasceu no dia 23 de julho, mesma data de nascimento de Daniel Radcliffe, o Harry Potter. Daniel nasceu em 1989, 101 após o nascimento do autor.
Philip Marlowe
Falar da obra Raymond Chandler implica necessariamente em falar do personagem que protagonizou seus romances policiais, Philip Marlowe.
Marlowe era um detetive diferente dos tradicionais porque as histórias policiais de Chandler também seguiam por outro caminho. Ao invés do tradicional jogo do detetive que segue as pistas para encontrar o culpado, ele criou outro tipo de narrativa. Suas histórias eram muito próximas da realidade, poderiam ter sido criadas a partir das narrativas dos jornais populares da época.
Chandler cria um ambiente próximo ao cotidiano, mostrando o lado sombrio, degradado e corrupto da sociedade. Neste contexto surge Philip Marlowe que antes de ser detetive particular fora assistente da Promotoria Pública de Los Angeles e investigador de uma companhia de seguros, que trabalha por um salário diário em suas investigações e que não se importava de usar métodos pouco convencionais, como a violência, em seu trabalho. Longe do equilíbrio dos grandes detetives, Marlowe era beberrão, cínico, irônico e melancólico, é um solitário que busca simplesmente resolver os casos que encontra e sobreviver numa sociedade fria e perversa, bem diferente, por exemplo, de Sherlock Holmes e Hercule Poirot. Diferente nos métodos, mas eficaz na solução de seus casos Marlowe se consagrou como um dos grandes personagens da história do romance policial.
Diferente, mas igualmente genial
Com certeza a narrativa de Raymond Chandler difere de forma considerável daquelas criadas por seus ilustres antecessores Edgar Allan Poe e Sir Arthur Conan Doyle e de sua antecessora, mas também contemporânea, Agatha Christie. Se a narrativa dos três tinha um viés mais psicológico, atrelado à capacidade de raciocínio e dedução de seus protagonistas, o personagem criado por Chandler era mais ativo, cínico e as vezes violento, retratando um submundo com aspectos bem reais. Outro ponto que diferencia as narrativas é que Dupin (Poe), Holmes (Doyle) e Poirot (Christie) sempre estão acompanhados de fiéis amigos, que em geral são os narradores das histórias. Já Marlowe é um detetive solitário, até mesmo na narração literária, que é feita na primeira pessoa. No mundo de Philip predominam a corrupção policial, a violência, os gângsteres, as prostitutas, homens de negócios sem escrúpulos, enfim, o lado podre e melancólico de uma sociedade, muito bem retratado por Chandler.
Essas diferenças podem ser significativas do ponto de vista da estrutura literária criada pelos autores, mas na verdade, pouco importam do ponto de vista prático do leitor. O que vale realmente é a qualidade do trabalho literário de Chandler. E nisso ele não fica devendo nada aos demais. Ele, juntamente com Dashiell Hammett, sua grande referência literária, foi precursor de um novo estilo de narrativa policial, que ganharia vários adeptos com o passar do tempo.
É claro que todos possuem suas preferências, eu, por exemplo, tenho como referência Agatha Christie, mas gosto muito do estilo e das histórias criadas por Raymond Chandler. Sua narrativa seca, fria e, às vezes, cruel, o transformou num dos ícones da moderna literatura policial.
Agora me diga se você conhece o trabalho do autor e o que acha dele.
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