A Morte vem de Cima

13 – A mulher do coronel fala

A mulher esperou que os homens se acomodassem antes de continuar a falar.

– Essa situação não tem sido nada fácil para nenhum de nós. – começou ela.

– Claro, o Gustavo resolveu arrumar toda essa confusão. Que porcaria é essa de inventar, depois de velho, que era gay? Ele era homem, nasceu homem, deveria morrer homem. – protestou Guilherme.

– Infelizmente as coisas não funcionam dessa forma. – falou a mulher segurando a mão do marido – O Gustavo não fez nada disso de propósito, somente depois de muitos anos ele teve coragem de assumir o que era.

– Ele era um bosta, isso sim. – xingou o militar.

– Seu irmão nunca foi um bosta. Só era uma pessoa que viveu uma vida de mentiras, Guilherme. E você sabe disso, ele conversou com você.

– Então, ele o procurou para falar do assunto? – perguntou Ricardo.

O coronel soltou um grunhido e abaixou a cabeça. Foi a mulher quem continuou a falar.

– Sim. Um tempo depois de ter se separado o Gustavo procurou meu marido e contou toda a verdade para ele.

– E como o Senhor reagiu? – perguntou Nando.

– O Guilherme não reagiu nada bem. – falou ela.

– Eu reagi como deveria ter reagido um homem na minha posição. Nunca que eu iria aceitar esse tipo de situação. Um irmão meu gay. Isso é intolerável, não posso admitir uma coisa dessa. Onde nós estamos. Eu represento o exército brasileiro, por mais de 30 anos dediquei minha vida a lutar pela pátria. Construí uma carreira respeitável, uma ficha com relevantes serviços prestados à pátria. Aí vem o meu irmãozinho dizer que é gay, meu irmão gay. Um homem de sei lá quantos anos, um velho, dizendo que gostava de homens. Ele não tinha o direito de fazer isso comigo, não tinha. Sabem do que mais? Para mim essa conversa está encerrada. – falou o homem se retirando da sala.

 A mulher esperou por alguns segundos antes de continuar a falar.

– Essa situação está sendo muito difícil para o meu marido, peço desculpas por ele.

– Tudo bem, dona… – Ricardo deixou a frase no ar.

– Marina. Desculpem, nem me apresentei no meio dessa confusão.

– Eu sou o inspetor Ricardo, esse é o inspetor Fernando.

– Eu espero que vocês entendam que meu marido não age dessa forma por maldade. Ele simplesmente não soube como lidar com isso, não estava preparado para receber a informação de que o irmão era gay.

– Nós compreendemos. – disse Nando – Mas precisamos saber das informações. Saber se o Senhor Gustavo falou algo mais para o seu marido.

– Eu entendo a posição de vocês. O Gustavo procurou o Guilherme para contar o motivo da separação, ele achou que o irmão iria entendê-lo. Infelizmente o Guilherme reagiu muito mal.

– Eles brigaram? – perguntou Ricardo.

– Eu não diria que houve uma briga. Quando o Gustavo contou o Guilherme se descontrolou e o agrediu com uns socos. Eu corri para intervir e ele expulsou o Gustavo, ordenando que o irmão nunca mais voltasse.

– O Senhor Gustavo voltou a procurar o irmão? – indagou Nando.

– Não, ele não procurou mais o Guilherme. – disse ela.

– Então ele não chegou a comentar nada sobre o trabalho ou algum outro problema que ele vinha enfrentando? – perguntou Ricardo.

– Com o Guilherme não, mas falou comigo.

– Com a Senhora? – a pergunta foi feita pelos dois policiais de forma simultânea.

– Sim. Um tempo depois da briga eu procurei o Gustavo, sem que meu marido soubesse. Nós conversamos e ele me contou a história dele, de como viveu aquela mentira por anos, até criar coragem de se libertar.

– Ele falou algo mais? Sobre problemas de preconceito ou algo parecido que estava enfrentando? – perguntou Ricardo.

– O Senhor está se referindo a chantagem, Inspetor?

– Exatamente.

– Ele me disse que precisava de ajuda pois estava sofrendo uma chantagem por conta da questão sexual. Ele estava bem preocupado e com medo.

– Ele citou o nome de alguém, deu alguma ideia de quem poderia ser o responsável pela extorsão? – indagou Nando.

– Não, ele não falou em nomes, mas deu a entender que o problema passava pelo trabalho dele. – respondeu ela.

– O que a Senhora fez com essa informação? – perguntou Ricardo.

– Eu prometi para ele que ia conversar com o Guilherme e tentar fazer com que ele ajudasse o irmão.

– E como foi essa conversa? – quis saber Nando.

– Muito pior do que imaginei. Pensei que a questão de o irmão estar sendo chantageado iria mexer com os brios do militar e ele iria sair em defesa do Gustavo, mas não aconteceu nada disso. Ele brigou comigo por ter me envolvido na questão e ter ido falar com o irmão dele. Brigou comigo e encerrou a conversa ali, sem tomar nenhuma atitude.

– Ele não fez nada? – era Ricardo quem perguntava.

– Não, ele ignorou o assunto. Eu ainda tentei insistir, mas ele sempre brigava comigo e mudava de assunto. Quando chegou a notícia da morte do Gustavo, nas circunstâncias que ela ocorreu, ele logo deduziu que o suicídio tinha um motivo e que só podia ser a tal da chantagem. Desde então ele tem vivido atormentado, achando que poderia ter salvado a vida do irmão se tivesse feito algo.

– Ele está sofrendo pelo que deixou de fazer? – arriscou Nando.

– Eu acredito que sim. Acho que é isso que está acontecendo com o Guilherme. Ele está vivendo toda a agonia de carregar essa culpa. Por isso ele reage tal mal e foge do assunto, como fez com vocês.

– É compreensível. – intercedeu Ricardo – É realmente uma situação muito delicada.

– É tudo o que sabemos sobre o caso do Gustavo. Infelizmente ele não me disse mais nada que pudesse ajudar na investigação. – disse a mulher.

– De maneira alguma. – falou Ricardo – Nos ajudou bastante. O que a Senhora disse vai ao encontro de uma informação que nós tínhamos e dá um norte para a nossa investigação. Ficamos muito agradecidos.

– Eu que a agradeço e espero que vocês possam desculpar a atitude intempestiva do meu marido. Tem sido muito difícil para ele conviver com a sombra da morte do irmão.

– Pode ficar tranquila, dona Marina, nós compreendemos o comportamento do seu marido. Mais uma vez obrigado por tudo. – falou Nando.

Os dois policiais deixaram o apartamento.

– E então? – perguntou Nando.

– Depois dessas duas conversas temos muito em que pensar. – falou Ricardo enquanto olhava o telefone – A Suzana, chefe do RH da Boa Vigilância mandou uma mensagem dizendo que enviou as informações para o meu e-mail. Vamos voltar para a delegacia para ver o que ela mandou.

– Vamos nessa. – concordou Nando.

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