A poesia é fascinante, principalmente quando ela é feita com simplicidade, pois as melhores coisas da vida são simples. Agora, quando você encontra um poeta que consegue conferir um toque de genialidade à sua poesia, deixando sempre mensagens e reflexões interessantes, você está diante de um escritor muito especial.
Esse é o caso de Mario Quintana, que com seus versos simples e belos se tornou um dos maiores poetas do século XX no Brasil.
Está na hora de conhecermos um pouco mais sobre a vida e a obra desse singelo escritor, que há décadas vem encantando a todos que têm a oportunidade de conhecer sua obra, ele que recebeu o apelido de o “poeta das coisas simples”.
Infância e Juventude
Mario de Miranda Quintana nasceu no Rio Grande do Sul, na cidade de Alegrete, no dia 30 de julho de 1906, filho do farmacêutico Celso de Oliveira Quintana e de Virgínia de Miranda Quintana.
Ele iniciou os estudos em Alegrete e, além da educação formal, foi iniciado no estudo da língua francesa com os pais.
Em 1919, aos 13 anos, muda para Porta Alegre e vai estudar no Colégio Militar, no regime de internato. Nessa fase de sua vida ele publica seus primeiros versos, numa revista literária produzida pelos alunos do Colégio Militar.
Alguns anos depois, em 1923, Quintana publica, no Jornal de Alegrete, um soneto, utilizando o pseudônimo de JB. No ano seguinte ele sai do Colégio Militar e vai trabalhar na Editora Globo como empacotador, seu primeiro emprego.
Ele permanece pouco tempo no emprego e, em 1925, retorna a Alegrete para trabalhar na farmácia de seu pai.
Os anos de 1926 e 1927 trouxeram uma alegria, ele foi premiado no concurso de contos do jornal Diário de Notícias pelo conto “A Sétima Passagem”. Por outro lado, foi um período de muita tristeza para ele, em 1926 enfrentou a morte de sua mãe. No ano seguinte o poeta teve que lidar com o falecimento do pai.
Mario Quintana inicia sua carreira no jornalismo em 1929, escrevendo no jornal O Estado do Rio Grande, época em que estabeleceu contato com intelectuais e escritores com Érico Veríssimo e Augusto Meyer.
Também nesse período vai começar a trabalhar como tradutor, que seria uma importante ocupação em sua vida.
Traduções
Mario Quintana se destacaria no mundo da literatura não só como um poeta genial, mas também como um excelente tradutor. Foram mais de 130 obras que ganharam versão para o português pelas mãos de Quintana. O livro “Palavras e Sangue”, do escritor italiano Giovanni Papini, foi a primeira obra traduzida pela poeta, em 1934.
Outro importante livro traduzido por ele foi “Em Busca do Tempo Perdido”, do francês Marcel Proust
Além dessas duas obras, ele trabalhou em centenas de versões de livros para o português, entre eles:
– A gata persa, de Alessandro Varaldo;
– Sanders da África, de Edgar Wallace;
– O poder e a glória, de Graham Greene;
– Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf;
– O Tio Prodigioso, de Fredric Brown;
– Contos e novelas, de Voltaire;
– Os fantasmas do chapeleiro, de Georges Simenon;
– Sparkenbroke, de Charles Morgan;
– A Lagoa Azul, de Henry de Vere Stacpoole;
– Ilusões Perdidas, de Honoré de Balzac;
– O Pequeno Príncipe, Antoine de Saint-Exupéry.
Literatura
Quintana consolidou seu trabalho como tradutor e, em 1940, lançou seu primeiro livro “A Rua dos Cataventos”, uma reunião de sonetos. O público recebeu tão bem o trabalho do autor que vários deles seriam transcritos em antologias e obras escolares.
Confira um dos sonetos desse primeiro livro:
Soneto II
“Dorme, ruazinha… É tudo escuro…
E os meus passos, quem é que pode ouvi-los?
Dorme o teu sono sossegado e puro,
Com teus lampiões, com teus jardins tranquilos…
Dorme… Não há ladrões, eu te asseguro…
Nem guardas para acaso persegui-los…
Na noite alta, como sobre um muro,
As estrelinhas cantam como grilos”…
O vento está dormindo na calçada,
O vento enovelou-se como um cão…
Dorme, ruazinha… Não há nada…
Só os meus passos… Mas tão leves são
Que até parecem, pela madrugada,
os de minha futura assombração…
A essa primeira obra várias outras se sucederam, conforme a listagem abaixo:
Obras do autor
– Rua dos Cataventos (1940)
– Canções (1946)
– Sapato florido (1948)
– O aprendiz de feiticeiro (1950)
– Espelho mágico (1951)
– Inéditos e esparsos (1953)
– Poesias (1962)
– Caderno H (1973)
– Apontamentos de história sobrenatural (1976)
– Quintanares (1976)
– A vaca e o hipogrifo (1977)
– Esconderijos do tempo (1980)
– Baú de espantos (1986)
– Preparativos de viagem (1987)
– Da preguiça como método de trabalho (1987)
– Porta giratória (1988)
– A cor do invisível (1989)
– Velório sem defunto (1990)
– Água (2011)
– Eu passarinho (2006)
Livros infantis
– O batalhão das letras (1948)
– Pé de pilão (1968)
– Lili inventa o mundo (1983)
– Nariz de vidro (1984)
– O sapo amarelo (1984)
– Sapato furado (1994)
A sequência de livros, todos muito bem recebidos pelo público e a crítica, renderam ao poeta o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, em 1980, pelo conjunto da sua obra, e o Prêmio Jabuti em 1980, como Personalidade Literária do Ano.
Apesar de ter recebido o Prêmio Machado de Asis, da ABL, sua relação com a Academia não teve um final feliz.
Ao longo de sua vida Mario Quintana concorreu em três ocasiões para se tornar membro da ABL, mas foi derrotado em todas as disputas.
Alguns de seus amigos articularam a participação do autor em uma quarta candidatura, onde eles garantiam que Quintana seria o vencedor.
O poeta recusou-se a participar de uma nova eleição e não se tornou membro da ABL.
Vida Pessoal
O poeta nunca se casou nem teve filhos. Com poucos parentes, acabou vivendo um tanto solitário e preferiu viver em hotéis a ter a sua própria casa. Boa parte de sua vida viveu no Hotel Majestic, situado no centro histórico de Porto Alegre. Entre 1968 e 1980 o autor viveu ali, ocupando o quarto 217. Com a falência do Hotel, Quintana viveu um tempo no Hotel Royal, do ex-jogador Paulo Roberto Falcão. Por último o poeta viveu no Porto Alegre Residence.
Em 1982 o prédio do Majestic foi tombado, passando, em 1983, a pertencer ao governo do Rio Grande do Sul, que o transformou em Casa de Cultura Mario Quintana.
O poeta faleceu aos 87 anos, no dia cinco de maio de 1994, em Porto Alegre, vítima de insuficiência cardíaca e respiratória.
Frases
– “A amizade é um amor que nunca morre.”
– “Tão bom morrer de amor… e continuar vivendo.”
– “A indiferença é a maneira mais polida de desprezar alguém.”
– “O verdadeiro analfabeto é aquele que sabe ler, mas não lê.”
– “Não faças da tua vida um rascunho. Poderás não ter tempo de passá-la a limpo.”
– “Uma vida não basta ser apenas vivida: também precisa ser sonhada.”
– “Há duas espécies de chatos: os chatos propriamente ditos e os amigos, que são os nossos chatos prediletos.”
– “Autodidata é um ignorante por conta própria.”
– “Minha vida é uma colcha de retalhos. Todos da mesma cor.”
– “O passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente.”
– “A resposta certa, não importa nada: o essencial é que as perguntas estejam certas.”
– “O livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado.”
– “A preguiça é a mãe do progresso. Se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria inventado a roda.”
Curiosidades
– Era considerado um grande tradutor, tendo trabalhado em mais de 130 traduções ao longo de sua vida;
– Teve uma relação com a Academia Brasileira de Letras, pois tentou, por três vezes, uma vaga na ABL mas nunca conseguiu;
– Depois, foi convidado para se candidatar uma quarta vez à ABL, com a garantia de que conquistaria a vaga, mas ele acabou recusando e não se candidatou;
– Foi homenageado por ninguém menos do que Manuel Bandeira com um poema “Meu Quintana”;
– O primeiro emprego do poeta foi de empacotador, na Editora Globo, em Porto Alegre, quando ele estava com 18 anos;
– Foi voluntário durante a Revolução de 1930, marchando do Sul para o Rio de Janeiro, como integrante do 7o Batalhão de Caçadores de Porto Alegre
– Uma vez o poeta foi atropelado. Socorrido, foi levado ao hospital e perguntou à sobrinha se ela tinha anotado a placa do carro. A sobrinha falou que não era o caso de prestar queixa pois o motorista era quem o havia socorrido, ao que o poeta, bem-humorado, respondeu, “Mas quem é que está falando em registrar ocorrência, Elena? O que quero é que anotem a placa para jogar no bicho!”.
Simples e Genial
Mario Quintana, pelo testemunho daqueles que o conheceram, era um homem simples, assim como a sua poesia. Simples, intuitivo e belo, assim era o trabalho desse gênio da nossa literatura.
Com muita simplicidade construiu um dos maiores legados da literatura e da poesia brasileira. Talvez tenha lhe faltado o reconhecimento devido a sua obra. Não que tenham negado a Mario Quintana seu lugar no Panteão dos grandes autores da nossa língua, mas acredito que ficamos devendo a ele uma maior reverência.
E para os que acham que Maior Quintana foi apenas mais um poeta, respondo com um poema do próprio autor.
Poeminha do Contra
“Todos esses que aí estão
Atravancando o meu
caminho,
Eles passarão…
Eu passarinho!”
