Hora de falarmos de uma grande poetisa da literatura brasileira. Só que está mulher foi mais do que uma poetisa, ela também foi escritora, compositora e cantora. Não bastasse isso, ela quebrou barreiras, sendo uma das primeiras escritoras negras do nosso país. Vamos conhecer um pouco da vida e da obra de Carolina de Jesus.
Infância
Carolina Maria de Jesus nasceu na cidade de Sacramento, Minas Gerais, no dia 14 de março de 1914. Ela era de origem muito humilde, filha de pais negros que viviam em uma comunidade rural. Além disso, ela era, como se denominava, uma “filha ilegítima”, uma vez que seu pai era um homem casado com outra mulher.
Filha de uma mulher negra em uma cidade pequena e rural no início do século passado, Carolina foi muito maltratada e pouco estudou. Frequentou a escola obrigada pela mãe, uma vez que a esposa de um fazendeiro de muitas posses resolveu pagar por seus estudos.
Carolina foi até o segundo ano primário, quando já sabia ler e escrever e já havia desenvolvido o gosto pela leitura. Ela e sua mãe viveram em Sacramento até 1930, quando se mudaram para a cidade de Franca, no interior de São Paulo, que fica próxima à divisa com Minas. Carolina vai viver na cidade até 1937, quando sua mãe falece.
Com a morte da mãe, ela decide partir para a cidade de São Paulo. Jovem e sozinha na metrópole, ela vai morar em uma área pobre, construindo uma casa de madeira. Alguns anos depois, em 1947, Carolina, então com 33 anos, estava sem emprego, indo morar na favela do Canindé, já extinta. Era uma época em que estavam surgindo as primeiras favelas na cidade. Ela trabalhou por um tempo na casa de Euryclides de Jesus Zerbini, um famoso cardiologista, onde conseguia ler os livros da biblioteca do patrão nos dias de folga.
Em 1949 nasce seu primeiro filho, João. Sem emprego ela consegue ganhar algum dinheiro trabalhando como catadora. Ela teria ainda mais dois filhos, José Carlos, nascido em 1950, e Vera Eunice, em 1953.
Ao mesmo tempo que trabalhava como catadora, ela usava alguns cadernos que recolhia para registrar o cotidiano da comunidade em que vivia. Ainda na década de 1950 Carolina viveria uma situação que iria marcar e modificar sua vida. Um dia ela se encontrava em uma praça, próxima a sua comunidade, quando viu alguns homens destruindo os brinquedos instalados no local para as crianças e ameaçou denunciar os sujeitos. A cena é presenciada pelo jornalista Audálio Dantas, que começa a conversar com a mulher e descobre que ela possuía diversos cadernos onde descrevia seu drama pessoal e o difícil dia a dia da comunidade do Canindé.
Audálio publica trechos dos escritos de Carolina no jornal Folha da Noite, em 1958, depois na revista Cruzeiro. Entendendo que não fazia sentido publicar trechos de um material tão rico, Audálio ajuda a mulher a organizar e publicar seus escritos. Com a ajuda do jornalista Carolina lança, em 1960, “Quarto de Despejo”, que vendeu cerca de 10 mil exemplares nos primeiros dias após o lançamento, chegando a atingir a marca de 100 mil exemplares vendidos após diversas edições.
O sucesso do livro possibilitou a Carolina mudar-se da comunidade, indo para o bairro de Santana, de classe média na zona norte de São Paulo. Além disso, ela produziu várias outras obras, algumas delas publicadas após a sua morte. Confira.
Em vida
– Quarto de Despejo: Diário de uma favelada – 1960
– Quarto de Despejo: Carolina Maria de Jesus cantando suas composições – lançado pela RCA Victor, álbum musical – 1961
– Casa de Alvenaria: Diário de uma ex-favelada – 1961
– Pedaços de Fome – 1963
– Provérbios – 1965
Póstumas
– Um Brasil para Brasileiros – 1982
– Diário de Bitita – 1986
– Meu Estranho Diário – 1996
– Antologia Pessoal – 1996
– Casa de Alvenaria – Volume 1 – 2021
– Casa de Alvenaria – Volume 2 – 2021
– Onde estaes felicidade? – 2014 – Contos
– Clíris: poemas recolhidos – 2019
– O escravo – 2023 – Romance
Quarto de Despejo
O primeiro livro escrito por Carolina de Jesus é, na verdade, um relato cru da realidade de uma comunidade carente de uma grande metrópole como São Paulo. No livro ela trata de temas como pobreza, abandono, racismo e luta pela sobrevivência. É um retrato da vida das pessoas em uma comunidade carente e as dificuldades que essas pessoas que ficam à margem da sociedade enfrentam.
A obra trouxe fama e algum dinheiro para Carolina, mas também alguns grandes contratempos como ter que enfrentar a inveja e a raiva de seus vizinhos, que acusaram a autora de expor suas vidas sem a devida autorização.
Depois de “Quarto de Despejo”, Carolina não conseguiu publicar outro livro que fizesse o mesmo sucesso, mas consolidou uma carreira vitoriosa como escritora. Entre suas diversas obras se destacam as poesias, muito eloquentes. Confira dois dos poemas escritos por ela.
A Rosa
Eu sou a flor mais formosa
Disse a rosa
Vaidosa!
Sou a musa do poeta.
Por todos su contemplada
E adorada.
A rainha predileta.
Minhas pétalas aveludadas
São perfumadas
E acariciadas.
Que aroma rescendente:
Para que me serve esta essência,
Se a existência
Não me é concernente…
Quando surgem as rajadas
Sou desfolhada
Espalhada
Minha vida é um segundo.
Transitivo é meu viver
De ser…
A flor rainha do mundo.
Carolina Maria de Jesus
Sonhei
Sonhei que estava morta
Vi um corpo no caixão
Em vez de flores eram Iivros
Que estavam nas minhas mãos
Sonhei que estava estendida
No cimo de uma mesa
Vi o meu corpo sem vida
Entre quatro velas acesas
Ao lado o padre rezava
Comoveu-me a sua oração
Ao bom Deus ele implorava
Para dar-me a salvação
Suplicava ao Pai Eterno
Para amenizar o meu sofrimento
Não me enviar para o inferno
Que deve ser um tormento
Ele deu-me a extrema-unção
Quanta ternura notei
Quando foi fechar o caixão
Eu sorri… e despertei.
Morte
Carolina de Jesus morreu em São Paulo, no dia 13 de fevereiro de 1977, aos 62 anos, por conta de uma insuficiência respiratória. O problema foi ocasionado pela asma, doença com a qual Carolina conviveu por toda a vida. Na época ela vivia no distrito de Parelheiros, na zona sul de São Paulo.
Uma guerreira
Carolina de Jesus foi uma guerreira que venceu as mais cruéis adversidades, como a pobreza, o racismo, as dificuldades de trabalhar, progredir e ter dignidade para viver.
Apesar das barreiras, ela utilizou a escrita e a literatura como forma de mostrar a todos o quanto é difícil a vida de uma pessoa que já nasce à margem de uma sociedade que exclui e maltrata.
Passados mais de 60 anos de seu lançamento “Quarto de Despejo” segue sendo um instrumento de denúncia das condições subumanas a que parte da população brasileira está relegada. Um triste retrato que ainda perdura no Brasil do século XXI.
































