7 – A família
Em menos de 15 minutos Nando estava no apartamento da ex-esposa de Gustavo, que já esperava por ele.
– Bom dia, inspetor, pode entrar.
– Bom dia, obrigado Dona Luíza. – cumprimentou Nando enquanto entrava no apartamento – Agradeço pela sua disponibilidade em me receber para tratar desse assunto.
– Tudo bem, não podemos fugir dessa situação, não é verdade? – indagou a mulher. – Mas qual o problema em relação à morte do Gustavo que o traz aqui?
– O seu ex-marido se suicidou. Como é de praxe nesses casos, a perícia foi chamada, pois era preciso constatar o que havia ocorrido, um acidente ou suicídio. – explicou Nando.
– E o que vocês constataram?
– A perícia concluiu que foi um suicídio, ele se jogou da varanda do prédio.
– Então, qual o problema em relação à morte dele?
– A perícia encontrou algumas informações no e-mail do senhor Gustavo que nos levam a crer que ele estava sendo chantageado, talvez essa tenha sido a razão do suicídio. É isso que estamos investigando. – colocou o policial.
– Agora entendi. Então, em que posso ajudá-lo? – perguntou a mulher.
– Bem, Dona Luíza, nós sabemos que vocês já estavam separados há muito tempo.
– Há 12 anos para ser exata. – falou ela interrompendo a fala de Nando.
– De qualquer forma a Senhora conviveu com ele muito tempo, vocês têm uma filha. Gostaríamos de saber como era a relação de vocês, se era amigável. Se ele conversava com a senhora com alguma frequência. Qualquer coisa que ele tenha comentado pode nos ajudar.
A mulher permaneceu alguns instantes encarando o policial, depois se levantou, caminhou até a janela e voltou ao sofá, tornando a sentar à frente de Nando, que aguardava em silêncio.
– Inspetor Fernando, existem coisas que são muito difíceis de serem enfrentadas. O Senhor nem imagina quanto. – começou ela a falar.
– Eu entendo que muitas vezes uma separação é complicada, mesmo com o passar do tempo. Mas infelizmente eu preciso falar com a senhora e buscar informações que possam nos ajudar nessa investigação. Sei que não deve estar sendo fácil, principalmente para sua filha, mas eu tenho que fazer o meu trabalho. – ponderou Nando.
– Eu compreendo a sua situação, não estou reclamando da sua presença. – falou Luíza – É que, como você disse, é um momento difícil, especialmente para minha filha. Perder o pai dessa forma é muito traumático.
– Eu imagino como deve ter sido complicado dar a notícia para ela.
– Foi muito difícil mesmo. Mas vamos em frente, no que o senhor precisa de mim? – indagou ela.
– Tudo o que a senhora puder me dizer sobre a vida do senhor Gustavo, sobre a vida pessoal, profissional, tudo o puder me falar será importante.
– Ah, Inspetor. Tudo o que envolve a vida do Gustavo é muito complicado, difícil explicar.
– Porque não tenta. O que pode ser tão grave sobre a vida dele que é tão complicado para a senhora falar?
– Não é complicado, Inspetor, é humilhante. Isso é bem diferente.
– Humilhante? – perguntou Nando tentando entender o que a mulher queria dizer.
– Sim, humilhante. O que o Gustavo fez comigo foi a maior humilhação que uma mulher poderia sofrer em um casamento.
Ela abaixou a cabeça e ficou imóvel. Nando percebeu que ela estava tomando uma decisão, falar ou não, e decidiu arriscar uma pergunta. Ele sabia que poderia surtir o efeito esperado, mas também corria o risco de ser um desastre e ele ser expulso dali, mas achou que era hora de arriscar.
– Dona Luíza, a senhora está se referindo a uma traição?
Após alguns segundos, ela respirou fundo e respondeu.
– Muito pior do que isso, Inspetor.
“O que poderia ser pior do que uma traição no casamento”, pensou Nando. Mas dessa vez ele preferiu esperar, em silêncio, que a mulher continuasse a falar, o que ela fez após mais alguns segundos de espera.
– É muito difícil as pessoas entenderem um sofrimento que você guarda por anos, como eu fiz, tudo por causa da minha filha. – falou ela – O Gustavo foi meu primeiro e único namorado. Nós namoramos, noivamos e nos casamos, tudo conforme a tradição. Minha família era muito religiosa e fizemos tudo para agradar a todos. Depois veio a nossa filha e tudo parecia ir bem. Até que um dia meu mundo desabou.
– Em que sentido? – perguntou Nando.
– No pior sentido. – falou ela abaixando a cabeça antes de continuar a falar, parecia envergonhada – Foi numa época de férias escolares. Eu tenho alguns parentes que moram no interior do Estado, em São Fidélis. Nós tínhamos marcado de ir para lá ficar alguns dias. As vezes íamos para lá, a Thaís, nossa filha gostava, era um lugar onde ela podia brincar à vontade e recebia a máxima atenção de toda a família. Só que dessa vez o Gustavo disse que não poderia ir, que tinha aparecido um trabalho urgente e ele precisaria ficar mais uns dias no Rio. Nós combinamos que eu iria para lá com a Thaís e ele iria assim que fosse possível.
Ela fez uma pausa, levantando a cabeça, mas evitava encarar Nando, fixando o olhar em um ponto fixo na parede.
– Assim fizemos. – continuou ela – Nós fomos para São Fidélis e Gustavo ficou aqui no Rio. No segundo dia que estávamos lá eu recebi uma ligação avisando que uma grande amiga minha havia sofrido um acidente de carro. Eu deixei Thaís em com meus parentes e voltei o mais rápido possível para o Rio, sem avisar ao Gustavo. Só iria avisá-lo quando chegasse aqui. Cheguei na rodoviária e fui direto para casa, isso já de noite. Quando cheguei, encontrei o Gustavo com um rapaz, na nossa cama. O senhor não imagina o choque que foi para mim vivenciar aquela situação. Até hoje quando eu fecho os olhos e penso, aquela imagem volta à minha cabeça, muito nítida. Parece que estou vendo os dois na minha frente.