A Morte vem de Cima

8 – A revelação

A mulher ficou em silêncio por algum tempo. Continuava olhando para a parede, como se estivesse perdida no tempo.

– Eu sinto muito, dona Luíza. – falou Nando tentando trazer a mulher de volta daqueles pensamentos – Imagino que tenha sido uma situação extremamente difícil.

– A mais difícil que já enfrentei na minha vida.

– E o que aconteceu depois disso? – indagou Nando.

– Ele se livrou do rapaz e começou a falar comigo. Eu estava atordoada, não conseguia ouvir nada do que ele dizia. Levei mais de uma hora para conseguir entender o que ele falava. Então ele fez toda a revelação. Ele teve uma educação muito rígida, a mãe o reprimia muito, assim como o irmão mais velho, o Guilherme. Não sei se vocês já estiveram com ele.

– Eu estive com ele hoje, antes de vir falar com a senhora.

– O Guilherme era bem mais velho do que ele e sempre quis ser militar, era muito disciplinado e rígido em termos de princípios morais. Não aceitava a questão da homossexualidade. Então o Gustavo me disse que sempre sentiu que era gay, mas que reprimia isso por causa da família.

– Então ele se casou com a senhora para manter as aparências?

– Sim, no fundo essa foi a razão. Ele disse que gostava de mim, mas como uma grande amiga, que até sentia alguma atração por mim, mas que, na verdade, ele era homossexual e sempre manteve relação com outros homens, em segredo.

– Ele sempre viveu uma vida dupla?

– Sempre. Ele era uma pessoa muito discreta, então não foi difícil manter segredo. Eu descobri por um acaso.

– Foi depois disso que vocês se separaram? – perguntou Nando.

– Foi. Ele ainda propôs que ficássemos juntos, que poderíamos tentar, mas aquilo soou totalmente absurdo para mim. Como eu poderia ficar casada com um homem que se deitava com outros homens, que preferia eles e não a mim? Eu não tinha a menor condição de continuar naquela situação e disse que iria me separar.

– E qual foi a reação dele?

– Ele disse que concordava com a separação, mas implorou que eu não revelasse a verdade para ninguém.

– A senhora concordou com esse pedido?

Após essa pergunta a mulher finalmente encarou Nando. O olhar, agora, não estava mais perdido, mais denotava toda uma raiva reprimida.

– A minha vontade era abrir a janela e gritar para todos ouvirem que ele era um gay, que havia me enganado por vários anos. Aquele desgraçado merecia isso, não foi só a traição, ele colocou a minha vida em risco. O Senhor não sabe o que é uma mulher com quase 40 anos ter que ir a um laboratório fazer um exame de HIV? Pois é, eu tive que passar por isso. Minha vontade era expô-lo da pior forma possível, mas tive que pensar na minha filha. Como seria para ela ter que enfrentar essa situação? Pensando nisso, achei melhor fazermos a separação como se o casamento tivesse acabado pelo desgaste, nada mais do que isso. E a Thaís nunca ficou sabendo de nada.

– Então ela ainda não sabe da situação?

– Não. Estou esperando passar mais um tempo para poder contar, talvez nem conte. O que isso valeria agora que ele está morto.

– Depois da separação vocês continuaram se falando?

– Não. Ficamos um bom tempo sem nos falarmos, só tínhamos contato por conta da Thaís, nada além disso. Nos últimos dois anos é que voltamos a ter algum contato, isso por conta de um problema de saúde que nossa filha teve.

– Vocês ficaram próximos novamente?

– Eu não diria próximos, mas conseguimos conversar e manter uma proximidade. Eu descobri que a minha raiva em relação ao que ele tinha feito comigo tinha diminuído e eu conseguia conviver com ele e precisava fazer isso por causa da minha filha.

– Nesse período ele chegou a comentar algo sobre a vida pessoal? – quis saber Nando.

– Bem pouco, minha raiva diminuiu, mas não passou por completo, então eu não queria saber de muita coisa, isso ainda me machuca. Mas ele ainda mantinha a questão em segredo, muito poucas pessoas sabiam.

– Ele chegou a comentar sobre quem sabia, no trabalho, na família?

– No trabalho ninguém sabia, ainda era um segredo, pelo menos foi isso o que ele disse. Ele não conseguia contar. Ele disse que havia contado para o Guilherme.

– Ele contou para o irmão? A senhora sabe qual foi a reação dele? – quis saber Nando.

– Ele disse que o irmão o escorraçou, disse que tinha raiva e vergonha dele e que não queria mais contato.  Acho que ele não falou mais com o Guilherme depois disso.

– Entendo. Por acaso ele falou sobre alguma pessoa, alguém mais próximo dele?

– Não, inspetor. E eu também não ia querer saber. Fui ao meu limite deixando-o se aproximar um pouco por causa da Thaís e ouvindo pequenos desabafos sobre a briga com o irmão e sobre as pessoas do trabalho, algumas até eu conheço. Mas, mais do que isso era impossível para mim. Eu não iria suportar ouvir confissões amorosas do Gustavo, minha raiva ia aflorar. Isso foi tudo o que ele chegou a comentar comigo.

– Por acaso a empresa enviou os pertences dele para a Senhora?

– Não, eles fizeram contato comigo, mas eu falei que já estávamos separados há muito tempo e que seria mais sensato eles mandarem para o irmão dele.

– Faz sentido. Eles falaram algo mais.

– Somente pediram que depois eu fizesse contato com eles pois havia um seguro de vida do Gustavo em nome da Thaís.

– A Senhora já conversou com eles sobre isso?

– Não. Vou lá na semana que vem para tratar desse assunto. Pelo menos isso ele deixou para a filha e não só a vergonha de ter um pai gay.

Nando percebeu que a raiva da mulher aumentava e achou melhor encerrar a conversa, pelo menos por enquanto.

– Bem, Dona Luíza, eu agradeço a senhora ter me recebido e passado essas informações, elas serão muito úteis. Peço desculpas pelo incômodo.

– Tudo bem, inspetor. Eu entendo que o senhor tem que fazer o seu trabalho e não tem culpa dos meus problemas, o único culpado sempre foi o Gustavo.

Nando se despediu e deixou o apartamento da mulher. Ele estava preocupado com a raiva represada que ela sentia em relação ao ex-marido. Era melhor ir logo embora antes que o vulcão do ódio entrasse em erupção.

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