1 – Um corpo que cai
O sábado corria tranquilo. Ricardo estava de folga e marcara de almoçar com Ritinha. A jovem ia trabalhar à noite, no restaurante, e eles só poderiam se encontrar durante o dia. Já tinha um tempo que eles não se viam, queria matar a saudade. Tomou um banho, trocou de roupa e desceu para pegar o carro.
O dia estava bonito e o sol brilhava forte. Poucas nuvens no céu, um belo dia para aproveitar junto com uma boa companhia, era isso que ele pretendia fazer. A garagem do prédio onde o policial mora possuí uma área de manobra para os carros. Ricardo estava justamente manobrando seu veículo, tranquilo e feliz da vida com seu encontro, quando foi surpreendido por um estrondo ao mesmo tempo em que o carro sofria um impacto extremamente forte. O policial tomou um tremendo susto com o balanço do automóvel, parecia que o carro tinha dado um pulo. Quando olhou para frente não pode acreditar no que estava vendo, um corpo havia caído sobre o seu carro, bem em cima da tampa do motor, na parte da frente do veículo.
Ricardo saltou e ficou olhando para o homem, morto sobre seu carro, era um vizinho que morava no quarto andar, o apartamento de Ricardo ficava dois andares acima. O barulho feito pela queda do homem sobre o carro atraiu diversos moradores, que ocupavam as varandas e janelas dos diversos andares. Alguns, mais curiosos, já estavam na garagem e se aproximavam do carro. O policial verificou o homem que caíra sobre seu carro, com certeza estava morto, então ele seguiu os procedimentos e comunicou ao Corpo de Bombeiros e à Polícia Militar.
– Ninguém toca em nada, por favor. – ordenou Ricardo àqueles que se aproximavam do local.
Depois ele falou com seu chefe, o titular da Delegacia de Homicídios da Capital e com seu parceiro Nando.
– Cacete, o cara despencou do quarto andar e caiu em cima do teu carro? – perguntou Nando.
– Isso mesmo o sujeito caiu direto sobre o meu carro. Estou aqui na garagem esperando a PM e os bombeiros.
– Ele se jogou? – perguntou Nando.
– Não faço ideia. Eu estava fazendo manobra no carro para sair quando ele caiu. Só esperando a perícia para saber.
– É meu amigo, o seu dia vai ser longo. Estou indo aí encontrar você.
– Valeu.
A essa altura várias pessoas cercavam o carro de Ricardo.
– Não há nada que possamos fazer? – perguntou um senhor, que era o síndico do prédio.
– Não, seu Armando. Nada há para ser feito, a não ser esperar a Polícia Militar e a perícia. – respondeu Ricardo.
– Que coisa horrível. Ele era um bom vizinho, por que se matou desse jeito?
– Não temos como saber, seu Armando. A primeira coisa a fazer é esperar a perícia para confirmar se foi acidente, se foi suicídio ou o que aconteceu na verdade. – explicou Ricardo.
– Você acha que ele pode ter sido jogado? – perguntou o síndico.
– Não faço a menor ideia. Nesses casos a perícia precisa ser feita para esclarecer o que aconteceu. Faça um favor, seu Armando, peça para alguém ficar de olho lá na portaria para liberar a entrada do pessoal, quando eles chegarem. – solicitou o policial.
– Claro, claro. Vou pedir para o Zé Carlos ficar de olho. – falou o síndico.
Zé Carlos era o zelador, empregado do condomínio. No sábado ele trabalhava até o meio-dia e já estava quase no fim do expediente, eram 11 horas e 40 minutos, mas Ricardo duvidava que ele fosse se importar de ficar, afinal era um tremendo fofoqueiro, não ia querer perder aquele “espetáculo”.
– Pode deixar comigo, seu Armando. Vou ficar lá no portão e trago eles direto para cá. – disse o zelador sentindo-se quase um policial.
Depois de um tempo ele voltava à garagem com os policiais militares e os bombeiros. Um rápido exame e o bombeiro sentenciou.
– Não há nada a ser feito aqui, podem chamar a perícia. – informou.
– Tudo certo. Vamos isolar tudo aqui. – falou o PM, enquanto seu colega solicitava a perícia e a remoção do corpo.
– Foi você quem encontrou o corpo? – o policial militar perguntou para Ricardo.
– Na verdade não encontrei, ele caiu em cima do meu carro enquanto eu estava manobrando. – esclareceu Ricardo ao mesmo tempo em que se identificava.
– Tudo certo. Vamos esperar o rabecão. Alguém mexeu em algo?
– Não deixei ninguém mexer em nada. – falou Ricardo.
– Você é morador do prédio?
– Sou.
– Ele também morava aqui? – perguntou o policial militar, fazendo um gesto com a cabeça na direção do morto.
– Sim. Era morador do quarto andar. – confirmou Ricardo olhando para cima.
– Que azar, hein? O cara destruiu seu carro. Provavelmente você vai ter uma tremenda dor de cabeça com o seguro. – comentou o PM.
O homem acabara de morrer e o PM falando do carro, como se não se importasse com a tragédia que havia acontecido. Ricardo ia falar algo, mas desistiu. “Prefiro pensar que ele está preocupado comigo e com o meu prejuízo”, o melhor a fazer era ficar quieto.
Demorou um tempo até que a perícia chegasse. Nesse meio tempo quem apareceu foi Nando, que foi logo falar com o colega.
– Que situação mais doida, cara. Quando você poderia esperar que uma coisa dessas acontecesse com você, mas aqui estamos nós e o sujeito ali, estirado sobre o seu carro, morto. Parece coisa de filme.
– É verdade. Isso tudo é muito louco. – falou Ricardo, olhando desolado para a cena.
– Em que andar ele morava? – quis saber Nando.
– No quarto andar.
Nando ficou olhando para cima enquanto pensava no que poderia ter acontecido.
– Você o conhecia?
– Conhecia. Se chamava Gustavo, ele morava aqui já há vários anos, era gente boa. Era um cara na dele, não se metia com ninguém, pelo menos até onde eu sei.
A perita veio falar com eles.
– Bom dia. Meu nome é Lúcia e trabalho com o Leandro. – falou ela apontando para o colega – Você é da Civil?
– Sim. Da homicídios.
– Que ironia, hein? – disse a mulher com um pequeno sorriso nos lábios – Vamos precisar olhar lá em cima. Qual o andar?
– O quarto. É o único sem tela de proteção nessa coluna. – falou Ricardo apontando para o apartamento do homem.
– Você sabe se alguém tem as chaves?
– Acredito que não, mas vou perguntar para o síndico. – disse Ricardo.
– Bem, de qualquer maneira vamos precisar entrar no imóvel depois que terminarmos aqui embaixo. – concluiu ela.
Os peritos começaram a trabalhar junto ao corpo enquanto Ricardo conferia com o síndico a questão da chave do apartamento do morto. O síndico confirmou que ninguém tinha e se prontificou a acompanhar a perita até o apartamento.
– Podemos subir com vocês? – perguntou Ricardo quando os peritos terminaram o trabalho na garagem.
– Claro, vamos nessa. Você é parte dessa confusão. – falou a mulher que completou – Vamos precisar abrir a porta.
– Eu mandei o Zé Carlos ir até a esquina trazer o chaveiro que trabalha ali. Ele já deve estar voltando.
– Ótimo, vai nos poupar trabalho. – concluiu ela.
Assim que Zé Carlos voltou com o chaveiro, Lúcia subiu com Ricardo, Nando, Leandro e o síndico para o apartamento. O chaveiro fez rapidamente o seu trabalho e se retirou. Após uma rápida olhada em volta, Lúcia dispensou o síndico.
– Obrigado pela ajuda, Senhor Armando. Agora só a polícia pode permanecer aqui.
– Tudo bem, se precisarem de mim, estarei lá embaixo. – falou o homem se retirando um pouco desapontado.
Após a saída do síndico, Lúcia foi até a varanda, olhou para baixo, visualizando a garagem, o carro de Ricardo e o corpo. Olhou em volta e voltou para a sala, parando para falar com os dois policiais.
– E aí? – perguntou Ricardo.
– Vamos vasculhar o apartamento. Numa primeira olhada tudo parece em ordem. – falou ela.
– É verdade. Como se o apartamento tivesse sido arrumado hoje. – concordou Nando.
– Bem, agora que vocês já olharam, precisamos trabalhar. É melhor vocês esperarem lá fora – Lúcia falou com os dois policiais da Homicídios.
– Tudo certo, vamos nessa. – Ricardo falou com Nando.
Os dois saíram do apartamento e ficaram esperando no corredor.
– O que você acha? – perguntou Nando.
– Vamos esperar pelo parecer da perícia, mas, pelo que pude olhar, nada parece fora do lugar. Pelo menos o apartamento não foi revirado nem nada parecido. – falou Ricardo.
– Se alguém esteve aqui e revirou o imóvel foi muito cuidadoso para arrumar tudo depois. – rebateu Nando.
– É verdade. – concordou Ricardo – Vamos aguardar o pessoal terminar o trabalho para ver o que temos, mas está parecendo suicídio.
Os dois policiais ficaram parados, na porta do apartamento, observando o imóvel, impecavelmente arrumado. Depois de mais um tempo os peritos terminaram o trabalho.
– Terminamos por aqui. – falou Lúcia.
– Acharam alguma coisa? – perguntou Nando.
– Está tudo arrumado, arrumado até demais. Aparentemente nada fora do lugar, nenhum sinal de luta ou algo parecido. Tinha um laptop ligado, vamos levar para periciar e ver se encontramos algo. Mas, a princípio parece que o sujeito cometeu suicídio. – explicou ela. – Só falta ver com o síndico se tem câmeras.
– Tem câmeras sim. Na portaria, nos elevadores, na garagem e nos andares na saída dos elevadores. – adiantou Ricardo.
– Então vamos ver com ele para verificar o movimento do prédio hoje, se alguém estranho entrou e se dirigiu ao quarto andar. Mas, tudo parece estar no lugar. – disse ela.
– Tudo bem, depois que tiverem o laudo, você pode me mandar uma cópia? – perguntou Ricardo.
– Mandamos uma cópia lá para a Homicídios, para vocês acompanharem o resultado. Você vai ter que prestar depoimento sobre o ocorrido. – esclareceu a perita
– Claro, é só me comunicarem, sem problema. Obrigado – falou Ricardo.
Depois de trancarem a porta do apartamento, os dois peritos desceram para procurar o síndico.
– E agora? – perguntou Nando.
– Bem, agora tenho que ligar para a Ritinha, ia almoçar com ela quando aconteceu essa confusão. Preciso falar com os PM’s, vou precisar pegar a ocorrência por causa do seguro, e ver se já liberaram o corpo, para tirar o carro do meio da garagem. Depois vou comer alguma coisa– comentou Ricardo.
– Pobre da Ritinha. Pior é você fazê-la acreditar numa história dessas.
– Pior que é verdade, vou dizer para ela que caiu um corpo em cima do meu carro quando eu estava na garagem, ela vai pensar que estou inventando essa história.
– Ainda mais vindo de você. – provocou Nando.
– Muito engraçadinho. E ainda tenho que acionar o seguro. – lembrou Ricardo.
– Para esses, pelo menos, você pode mostrar o laudo da perícia, já pra Ritinha… – Nando não concluiu a frase.
– Você é um comediante, mesmo. Vamos voltar para a garagem.
Os dois foram encontrar os PM’s, na garagem do prédio. Depois de conversar com os policiais e resolver a questão do registro da ocorrência eles subiram para o apartamento de Ricardo. Assim que chegaram Nando falou:
– Pega aí. Mandei uma foto do defunto sobre o seu carro para o seu zap.
– Por que você tirou essa foto e me mandou?
– Para você mandar para a Ritinha. – esclareceu Nando – Assim eu acho que ela vai acreditar em você.
– Não enche a porra do saco. – resmungou Ricardo – Vai lá na cozinha e arruma alguma coisa para comermos enquanto eu resolvo o que tenho que resolver. – comentou Ricardo.
– E por acaso eu virei cozinheiro agora? Vamos descer para comer alguma coisa.
– Então se senta e fica quieto. Me deixa dar esses telefonemas e resolver meus assuntos. – ordenou Ricardo.
– Pelo menos deixa eu beber uma água – falou Nando indo em direção à cozinha.
Enquanto Ricardo falava ao telefone com Ritinha, Nando acabou arrumando um sanduiche para eles na cozinha.
– Sabia que você não ia falhar. – falou Ricardo assim que viu os sanduiches.
– Já falou com a Ritinha?
– Sim.
– Ela acreditou em você?
– Claro, ela sabe que só falo a verdade. – brincou Ricardo.
– Sim, ela sabe que você só fala a verdade, menos quando está mentindo, o que é sempre. – provocou Nando.
– Se você está treinando para virar comediante está muito ruim.
– Estou não.
– Então para de perturbar. Vamos comer e descer para ver como estão as coisas lá embaixo. – sentenciou Ricardo.