A Morte vem de Cima

4 – Os amigos

Após alguns minutos Ricardo foi conduzido a uma pequena sala que, segundo Suzana, era usada pelo pessoal do RH para entrevistas com candidatos a vagas de emprego. Ali ele teria tranquilidade para conversar com os amigos de Gustavo.

A primeira pessoa a entrar na sala foi um homem, de aproximadamente uns 45 anos. Uma figura baixa e claramente acima do peso, mas com uma cara simpática.

– Bom dia, inspetor. Sou o Marcílio, o senhor gostaria de falar comigo? – perguntou o homem enquanto se apresentava.

– Bom dia, Marcílio. Eu sou o inspetor Ricardo e gostaria de conversar com você sobre o Gustavo.

– Claro, claro. Muito triste isso que aconteceu.

– Vocês se conheciam há muito tempo?

– Desde que ele entrou aqui. Eu fui contratado um pouco antes, tenho um ano a mais de empresa.

– E vocês sempre trabalharam juntos na área financeira?

– Sim, Senhor. Ao longo desse período sempre trabalhamos juntos.

– Como era o senhor Gustavo? – perguntou Ricardo.

– Ele era uma pessoa tranquila e muito discreta, não era de falar muito nem era do tipo brincalhão, que fica fazendo piadas o tempo todo. Era uma pessoa calma e eficiente.

– Então ele era bom profissional? Nenhum perigo de demissão, algo que o colocasse em desespero?

– Olha, inspetor, eu não sou dono da empresa, nem sou do RH para saber dessas coisas, mas nunca ouvi um boato sequer sobre uma possível demissão do Gustavo. Pelo contrário, sempre foi muito elogiado pela turma da seção de pessoal, ganhou várias promoções. Somos uma empresa de segurança, existe muita rotatividade de mão de obra, principalmente na atividade fim, mas em relação ao Gustavo, nunca percebi nada nesse sentido.

– Entendo. – ponderou Ricardo – Vocês conversavam sobre as questões do dia a dia, sobre a saúde financeira da empresa?

– Só o essencial para o trabalho, afinal trabalhávamos juntos e passávamos as informações um para o outro. Discutíamos os balancetes, os lançamentos de receita e despesa, valores recebidos, pagamentos de despesas e outras coisas, mas tudo dentro do que ia acontecendo na empresa. Rotina de trabalho mesmo.

– Alguma vez ele comentou com o senhor sobre problemas financeiros na empresa, pagamentos indevidos ou coisas desse tipo? – indagou o policial.

– Não, nunca. Por quê? Existe alguma denúncia nesse sentido? – perguntou Marcílio.

– Não, nenhuma suspeita. – respondeu Ricardo – Como eu disse, estamos buscando em todos os lados algo que possa explicar a atitude dele.

– Compreendo. Mas com certeza ele nunca comentou nada parecido comigo.

– E sobre a vida pessoal, ele fazia comentários sobre a família, amigos fora daqui?

– Muito pouco. Como eu disse, ele era uma pessoa muito reservada. Claro, tanto tempo trabalhando juntos nós sabíamos de algumas coisas, que ele foi casado, teve uma filha, depois separou. Ele falava da mulher e da filha. Mais da filha, mas não entrava em detalhes da vida pessoal. Para o Senhor ter uma ideia, levou quase dois meses para sabermos que ele havia se separado da mulher e, mesmo assim, ele foi muito superficial na explicação. Só disse que eles não estavam mais se entendendo e a melhor solução era os dois se separarem.  Ele era muito econômico em relação aos detalhes da vida pessoal.

– E sobre os demais parentes, pai, mãe, irmãos, ele falava?

– Também falava pouco. Os pais já morreram há muitos anos. Aliás, quando ele entrou aqui os pais já tinham falecido.  

– Irmãos?

– Ele tem um irmão.

– O senhor pode falar alguma coisa sobre a relação dos dois?

– Ele tinha umas diferenças com o irmão, que é bem mais velho do que ele, mas nada fora do normal, pelo menos ele nunca disse nada nesse sentido.

– Ele fez mais algum comentário, sobre alguém ou alguma situação que despertasse suspeita?

– Nada, pelo menos comigo não.

– Tudo bem seu Marcílio. O senhor poderia me passar o seu telefone, caso precisemos nos falar novamente. – Ricardo solicitou.

– Claro. – falou o homem anotando a informação em um pedaço de papel. – Se precisar, estou às ordens, inspetor.

– Muito obrigado. – respondeu prontamente Ricardo.

Após alguns minutos, uma mulher entrava na sala. Ela era mais velha do que Marcílio, já deveria ter passado dos 50 e estava visivelmente tensa.

– Bom dia. – falou ela.

– Bom dia, eu sou o inspetor Ricardo, da polícia civil.

– Maria Helena. Em que posso ajudá-lo?

– Bem, dona Maria Helena, minha conversa é sobre o senhor Gustavo. – falou Ricardo. Ele percebeu que a mulher contraiu a fisionomia ao ouvir o nome do morto. – Como a senhora sabe, ele faleceu em uma circunstância, vamos dizer, um pouco fora do normal. Então, precisamos investigar alguns pontos, até por conta de questões como seguro de vida, essas coisas.

Nesse primeiro momento Ricardo preferiu não mencionar nenhuma suspeita para a mulher.

– Entendo. Foi uma coisa muito triste o que aconteceu com ele. Nunca poderia imaginar que ele fosse capaz de uma atitude extrema como essa, tirar a própria vida. – Ela baixou os olhos, evitando encarar o policial.

– Por acaso ele chegou a comentar com a Senhora que estava com algum problema, passando por alguma dificuldade, enfrentando alguma doença, algo que o levasse a pensar em se matar?

A mulher teve um sobressalto ao ouvir a palavra “matar”.

– É muito cruel isso. A pessoa tirar a própria vida, chega a ser um pecado. Ninguém deveria tirar a própria vida, somente Deus pode decidir quando é a hora de deixarmos a essa vida.

Ricardo achou melhor ignorar o comentário religioso e voltar ao foco do assunto.

– Ele chegou a conversar com a Senhora sobre alguma coisa?

– O Gustavo era uma pessoa muito reservada, falava pouco da própria vida e dos seus problemas. Ele não me disse nada. Antes tivesse dito, eu poderia ter ajudado de alguma forma.

– A senhora notou alguma mudança no comportamento dele nos últimos tempos?

– Não. Não notei nada de diferente, ele parecia o mesmo de sempre.

– A Senhora tem certeza de que ele não falou nada, mesmo que indiretamente.

Ricardo percebeu que a mulher hesitou antes de responder.

– Não, nada.

– Por acaso a senhora é tratada por algum apelido aqui na empresa? Lena por exemplo?

– Sim…. sim, por quê?

– Então existe a possibilidade que o Senhor Gustavo tenha enviado esse e-mail para a senhora. – falou o policial, colocando na frente da mulher uma cópia do documento que Lúcia deixara com eles.

Pela expressão angustiada no rosto da mulher ele percebeu que tinha atingido o seu objetivo. O e-mail havia sido enviado para ela. Agora era fazer a mulher contar a história. Esse poderia ser um excelente ponto de partida para a investigação.

Capítulo 3

Capítulo 2

Capítulo 1

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