Pausa para namorar
5 – Um pouco da vida de Ricardo
– E então, o que houve? – perguntou ela, assim que se encontraram na cafeteria.
– O que você acha? Mais uma morte para investigarmos. Uma mulher assassinada em seu apartamento.
– Nossa, assim como a vovó.
– Sim, só que mais nova. E essa foi estrangulada.
– Esse povo gosta da matar mulheres.
– Muito mais do que você imagina. As mulheres e jovens são as principais vítimas de violência por aqui.
– Que coisa, muito triste isso. Ninguém merece morrer assim, mas eu não vim aqui para falar de morte. Quero é falar de você. Me conte um pouco sobre a sua vida. – pediu Marcelle.
– O que você quer saber? Minha vida não tem nada de especial.
– Você não tem família? É sozinho no mundo?
– Claro que tenho uma família. Por quê? Você está interessada em conhecer minha mãe? – brincou ele.
– Não. Ainda não. – devolveu ela. – Mas não é justo, você já sabe tudo da minha família.
Ricardo teve que sorrir com o argumento da jovem. Depois de encará-la por alguns segundos respondeu.
– Eu tenho família, sim. Fui criado ali mesmo no subúrbio. Meu pai é falecido, mas minha mãe está viva. Nós éramos três irmãos, dos homens e uma mulher. Perdi meu irmão, que era o mais novo de nós, em um assalto, o sujeito tentou levar a moto dele, ele reagiu e levou um tiro. Morreu na hora. E tenho minha irmã que está viva, é casada e tem uma filhinha de quatro anos, minha afilhada.
– Sinto muito pelo seu irmão. Mas, que lindo, titio. Você tem contato com elas?
– Claro. Só que evito ficar indo com frequência à casa delas, vida de policial é complicada. Então procuro deixá-las a uma certa distância, por questão de segurança.
– E sua mãe, como ficou com a morte do seu irmão?
– Arrasada. Para falar a verdade, ela nunca se recuperou. Isso aconteceu há oito anos, na época ele estava com 22 anos. Tínhamos conseguido fazer com ele entrasse na faculdade, minha mãe estava toda orgulhosa. Aí, vem uma morte brutal como essa, acho que nenhuma mãe consegue se recuperar disso.
– Nem com o nascimento da sua sobrinha?
– A vinda da Geovana foi muito importante, mas não cobriu todas as lacunas. Elas moram no mesmo quintal, minha mãe ajuda a cuidar da pequena, isso a mantém ocupada, sobra menos tempo para pensar no meu irmão. Ajuda, mas nada vai resolver essa perda.
– Você já era da polícia quando isso aconteceu com seu irmão?
– Sim, estou na polícia já 10 anos. Na época o pessoal me deu muita força. O cara acabou sendo pego, foi morto num tiroteio uma semana depois.
– Que coisa mais triste. Você participou desse tiroteio?
– Não. Ele foi morto em um confronto com a Polícia Militar, só fiquei sabendo depois.
– Entendi. Bem, agora acho estamos quites, já sei um pouco sobre você, não tanto quanto você sabe sobre mim, mas já sei alguma coisa. – sorriu ela buscando encerrar o assunto. – Chega de falar do passado, vamos mudar de assunto. Quais os seus planos para o futuro, policial?
– Gostei do “policial”. Trabalhar, sobreviver nessa selva, nesse mundo cão. Não costumo fazer planos. Nessa vida de “policial”, como você diz, é melhor não fazer muitos planos. Nunca sabemos o dia seguinte. Hoje estou aqui com você, bem tranquilo, amanhã posso cair em um tiroteio.
– Nossa, que coisa horrível, vire essa boca pra lá. Que pessimismo.
– E, você, menina otimista, quais os seus planos, depois de tudo o que vocês viveram nesses últimos tempos?
– Realmente, foi um furacão que varreu nossas vidas. É difícil encarar tudo o que aconteceu, ainda estou digerindo tudo isso. As pessoas passaram a nos encarar de modo diferente, como se também fossemos culpados pela morte da minha avó.
– Isso acontece com muita frequência, principalmente nesse tipo de caso, em que outras pessoas da família estavam diretamente envolvidas. É como se todos tivessem participação no crime.
– Exatamente. Mas, eu sou uma otimista, estou buscando tirar algum ensinamento de tudo isso, tentando colocar a cabeça no lugar e buscar prioridades para minha vida.
– Isso é muito bom. Muitas vezes o trauma faz você despertar e olhar sua vida de outra forma.
– Acho que foi isso que aconteceu. – comentou Marcelle – Agora, passados alguns dias, conversei com meu pai. Estou voltando para a faculdade, vou recomeçar meus estudos. Ele ficou feliz com isso, mas, por outro lado, falei que iria fazer o curso de teatro. Ele reclamou um pouco, mas acabou concordando.
– Que bom que ele concordou. Acho que vai ser uma experiência muito boa para você. Que faculdade você vai fazer?
– Psicologia. Cheguei a fazer dois períodos, depois tranquei. Estava a um ano e meio parada. Estive lá essa semana, vendo o que é preciso para voltar. Em breve voltarei a ser uma estudante.
– Adorei ouvir isso, faz muito bem.
– Você é formado?
– Sim. Direito. Você me perguntou sobre os sonhos para o futuro. Acho que o único que tenho hoje é fazer um concurso para delegado, para isso preciso ter o curso de Direito.
– Nossa, Delegado, bonito isso. Mas vamos deixar isso para depois. Já ouvi o bastante por hora, agora quero outra coisa, quero falar do presente. – falou ela se aproximando e beijando Ricardo.
– Tudo bem, seja feita sua vontade. – falou ele, entre um beijo e outro. – Pra onde podemos ir?
– Tem alguma sugestão? – indagou ela.
– Quer conhecer o subúrbio?
– É um convite?
– Com certeza.
– Tai, gostei da ideia. Vamos nessa.
Ricardo pagou a conta e os dois rumaram para Irajá.
– Gostei, bem aconchegante o seu apartamento. – falou ela assim que eles entraram.
– Pode ficar à vontade, é todo seu. – falou ele abraçando a jovem – É pequeno, financiado, mas é o meu lar.
– Adorei. – falou ela beijando o policial com todo o entusiasmo.
– Venha conhecer todo o meu reino. – falou ele mostrando os cômodos do imóvel para Marcelle. – E aqui fica o quarto. Gostou?
– Depois eu te conto. – falou ela se jogando na cama. Sem perder tempo, Ricardo se jogou também. Assim começou uma noite que prometia ser longa e deliciosa.
Confira os Capítulos anteriores: