A Morte vem de Cima

5 – O e-mail

Ricardo achou melhor esperar pela reação da mulher. Ela mantinha a cabeça baixa, o olhar fixo no pedaço de papel a sua frente, sem esboçar nenhuma reação. Para o policial ela estava simplesmente ganhando tempo para pensar o que iria dizer, por isso decidiu não pressionar, pelo menos não no primeiro momento, e aguardar pela atitude de Lena.

Após mais alguns momentos, ela levantou a cabeça e finalmente encarou o policial. Ela perdera a cor, seu rosto estava lívido, o que levou Ricardo a pensar que ela poderia desmaiar a qualquer momento. Ele estava atento a qualquer apagão que a mulher pudesse ter, mas permanecia imóvel, aguardando pacientemente que ela saísse daquele estado de torpor em que mergulhara.

– É muito difícil… – ela balbuciou – Nós convivemos por anos e, de repente, tudo desmorona.

– A Senhora pode ser mais clara, Dona Lena? O que a Senhora quer dizer?

– Eu trabalho aqui na empresa há 30 anos, sou uma das funcionárias mais antigas. Vi muitos empregados chegarem, vi outros tantos partirem. Gustavo, Marcílio, Suzana, assisti ao crescimento de todos eles aqui. E, agora, estou diante dessa situação.

– Qual situação? – quis saber o policial.

– De testemunhar a partida de um amigo querido como o Gustavo.

– Vocês eram muito amigos?

– Fomos amigos, sim. Sempre trabalhamos no mesmo setor, almoçávamos juntos. Eu conheci a mulher e a filha dele. Então, de repente, tudo se acaba.

– A Senhora tinha contato com os familiares dele?

– Não. Vi a mulher e a filha algumas vezes. Mas, depois que ele se separou, perdi completamente o contato com elas. Há muito tempo não as via. Vi no enterro, mas nem cheguei a falar direito com elas.

– Com o resto da família a Senhora tem contato, com o irmão, por exemplo?

– Não. Conheço o irmão dele de vista, mas nunca conversamos.

– E sobre esse e-mail, o que a Senhora pode me dizer? – indagou Ricardo.

A mulher voltou a olhar para o papel a sua frente, respirou fundo, parecia estar criando coragem para falar.

– Inspetor, isso é muito difícil para mim.

– Por que é difícil para a Senhora?

– É uma história comprida, difícil de explicar e de entender.

– A Senhora pode tentar explicar para mim, para ver se eu entendo.

– Tudo bem. – falou ela depois de um momento de reflexão. – Eu conhecia o Gustavo desde que ele entrou aqui na empresa, há 22 anos. Ambos trabalhávamos na área financeira e acabamos nos dando bem, viramos amigos. Gustavo não era igual aos outros homens daqui. Não falava besteiras, nem ficava cantando as mulheres, era muito respeitador. Por isso nos dávamos muito bem. Como eu disse, conheci a família dele, ele conhecia meu marido. Depois de alguns anos ele me contou que estava se separando da esposa. Perguntei o que tinha acontecido para ocasionar a separação, mas ele foi evasivo, só disse que o amor tinha acabado, essas coisas.

Ela fez uma pausa para olhar para o papel mais uma vez, antes de continuar.

– Um belo dia ele chegou perto de mim e disse que precisava muito conversar. A expressão dele era muito séria, fiquei preocupada e concordei na hora, pois percebi que ele estava com algum problema grave.

– E qual era o tema da conversa? – perguntou Ricardo.

– Ele disse que precisava falar com alguém, que estava uma situação muito difícil. – ela fez uma pausa antes de continuar – Ele estava muito angustiado e precisava dividir isso com alguém antes que explodisse. Então, ele se abriu e me contou toda a verdade.

– E qual era a verdade?

– Ele disse que era gay. Que teve uma criação muito repressora, por isso segurou aquele sentimento por tantos anos, casou-se, teve uma filha, tentando levar uma vida “normal”, mas que não conseguiu, por isso acabou se separando.

– Esse era o segredo dele? – indagou Ricardo.

– Esse era parte do segredo dele.

– Tinha mais alguma coisa?

– Sim. Ele assumiu que era gay, mas para si mesmo. Não assumiu isso publicamente. Ele separou da mulher, mas nem sei se ela sabe da história.  Ele mantinha sua vida sexual bem reservada, mas parece que alguém descobriu a situação e estava chantageando-o. Essa era a outra parte do segredo.

– Ele chegou a dizer quem era o responsável pela chantagem?

– Não. Achou melhor não dizer para me resguardar. Ele estava assustado com isso, pois um chantagista é capaz de muitas coisas.

– As pessoas aqui no trabalho sabem que ele era gay?

– Não que eu saiba, ele me disse que não tinha contado para ninguém, nem os familiares sabiam. Ele disse que eu era a primeira pessoa a ficar sabendo. Se mais alguém sabia aqui na empresa eu desconheço.

– Há quanto tempo vocês tiveram essa conversa? – perguntou Ricardo.

– Isso deve ter aproximadamente uns seis meses, não mais do que isso.

– E ele não deu nenhuma pista de quem pudesse ser essa pessoa, o chantagista? Se era aqui da empresa ou de outro lugar?

– Não, ele não deu nenhuma pista de quem pudesse ser. Eu até insisti, mas ele não disse mais do que isso. Ele me contou do jeito que estou falando para o senhor, nem mais, nem menos.

– Pessoalmente, o que a senhora achou dessa revelação do Gustavo? Quis saber o policial.

– Quem sou eu para julgar as pessoas, inspetor. Só quem pode julgar é Deus. De qualquer forma eu entendo que isso é uma situação de pecado. Muito difícil de aceitar.

– Então a senhora reprovava a atitude de Gustavo?

– Não tenho como aceitar essa promiscuidade. Mas nunca disso nada para ele. Guardei minha opinião, ele nunca soube exatamente o que eu sentia. Era o que eu podia fazer por ele.

– Tudo bem, Dona Lena. A Senhora me ajudou bastante. Gostaria de ficar com o número do seu telefone, caso precise falar com a Senhora outra vez.

– Aqui está. – disse ela escrevendo o número num pedaço de papel e passando para o policial.

Após se despedir da mulher, Ricardo voltou à sala de Suzana.

– Então, inspetor, conversou com eles? – perguntou ela.

– Sim. Acho que consegui algumas informações que vão ajudar na nossa investigação. E sobre os e-mails?

– Sim, os e-mails. O pessoal está providenciando, assim que estiver com o material em mãos eu aviso. Posso mandar impresso ou por meio eletrônico. – disse ela.

– Vou deixar meu telefone com você. Assim que estiver com o material na mão, me avise e combinamos para você me repassar as informações.

– Combinado. Pode deixar, inspetor, assim que me entregarem o material, faço contato com você.

– Ok, obrigado. – dizendo isso Ricardo deixou a empresa de segurança.

Assim que saiu do prédio procurou uma padaria, precisava tomar um café e pensar um pouco. “Como estaria Nando com a família? Será que conseguiria informações interessantes?”

Capítulo 3

Capítulo 2

Capítulo 1

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