Confira neste capítulo do conto como as investigações estão avançando!
8 – O enterro
Na manhã seguinte Ricardo foi para o cemitério São João Batista. Acompanhou o enterro de dona Marieta de forma discreta, de longe. Mesmo diante da investigação, era melhor deixar a família quieta nessa hora, afinal, alguém poderia realmente estar sentindo a morte da velha senhora. O enterro foi realizado dentro do procedimento tradicional, nada fora do normal. Além da família e do advogado, havia mais um punhado de pessoas, na maioria senhoras que Ricardo presumiu serem amigas da falecida. Após o sepultamento Ricardo ficou bem à distância, observando o movimento enquanto as pessoas deixavam o cemitério.
– Que coisa feia, detetive, espionando a família no dia do enterro da matriarca.
Ricardo ouviu a voz atrás de si, virou-se e deu de cara com Marcelle. Havia se distraído prestando atenção nas pessoas que acompanhavam o enterro e não percebeu a aproximação da jovem. Tinha que reconhecer que fora pego de surpresa.
– Não é detetive, é inspetor. E não estou espionando, só observando.
– Tudo bem, inspetor. Notou algo de suspeito? – Marcelle não fez questão de disfarçar a satisfação por ter surpreendido o policial.
– Tudo normal, sem problemas. Pode ficar despreocupada.
– Que alívio. Pensei que seríamos todos levados para a delegacia e presos.
– Fique tranquila, isso não funciona assim. Existem protocolos que devem ser seguidos. – comentou ele.
– Protocolos? – indagou ela com um sorriso nos lábios – Isso inclui revistar os suspeitos? Até agora vocês não fizeram isso.
– Se não fizemos é porque não houve motivo. Se for necessário, faremos.
– Sabe que eu nunca fui revistada por um policial? – perguntou ela.
– Nem deve aceitar essa condição a não ser que seja uma policial feminina. – brincou ele.
– Dependendo do policial, eu não me importaria de passar por uma revista. – falou ela olhando nos olhos de Ricardo.
– Bem, essa revista terá que ficar para outra hora. Não esqueça que estamos no meio de uma investigação e, pelo menos teoricamente, estamos em campos diferentes. Não é bom misturar as coisas.
– Entendo sua postura. Você é o policial e nós somos os suspeitos. Mas pode ficar tranquilo, você não vai precisar me prender. – brincou ela.
– Acredito sinceramente que não.
– Se for preciso, você vai me prender? – agora Marcelle estava evidentemente provocando Ricardo.
– Tenho certeza de que isso não vai acontecer. – retrucou ele.
– Pode ficar tranquilo, inspetor, é só uma brincadeirinha. Não se preocupe comigo, estou limpa nessa história. Nó vamos nos ver em breve?
– Com toda a certeza. Essa investigação não vai terminar hoje. – falou ele.
Marcelle se aproximou e sussurrou no ouvido do policial.
– Tudo bem, não tenho pressa para ser revistada. Posso esperar pelo encerramento do caso. Até mais, inspetor.
– Até mais. – Ricardo ficou observando Marcelle se afastar. Era uma bela jovem, alta, um corpo escultural e um rosto de boneca. Ele deu um suspiro e voltou para a realidade. Antes de voltar para a delegacia de homicídios, que ficava na Barra da Tijuca, resolveu dar uma passada na 10ª DP, localizada em Botafogo, a mais próxima de Laranjeiras, para ver se conseguia algumas informações que encaixassem em suas ideias. Depois de conseguir o que precisava em Botafogo, rumou para a Barra. Chegando lá, fez um lanche antes de encontrar Nando na delegacia.
– E aí, meu grilo falante, quais as novidades? – perguntou ele.
– Muitas, Pinóquio. Passei o relatório ao chefe. Ele deu uma lida e acha que estamos próximos caminhando bem. Ele concordou conosco e vai fazer os pedidos de quebra de sigilo telefônico e bancário dos cinco. E como foi lá no cemitério?
– Nada fora da normalidade. Somente a família, o advogado e mais algumas senhoras. Todos aparentando tristeza. O script foi seguido à risca.
– Era o esperado. O legista enviou o laudo. – informou Nando.
– E aí?
– Mais novidades. – falou Nando.
– Mais novidades?
– Sim. Ela foi morta com uma pancada na cabeça, provocada por um material contundente, provavelmente de madeira. Ela também estava com a perna direita fraturada, o tornozelo na verdade.
– A perna fraturada? Nem reparamos nisso. – comentou Ricardo.
– A hipótese mais provável, segundo ele, é que ela tenha caído e fraturado o tornozelo. Mas, apesar da dor na perna, isso não seria suficiente para matá-la, aí veio o golpe na cabeça. – explicou Nando – Além disso, acharam vestígios de um sonífero no sangue dela.
– Primeiro o sonífero para deixá-la grogue. Depois, o tombo. Mas a velha insiste em não morrer. Então, a alternativa que sobra é acertá-la na cabeça. – comenta Ricardo.
– Parece que foi essa a lógica dos acontecimentos. – reforçou Nando.
– Sangue frio que esse povo tem.
– Bota sangue frio nisso, principalmente se considerarmos que era uma parente direta.
– Qual a hora estimada da morte?
– Entre 15 e 17 horas do domingo. – informou Nando.
– E a ficha desse povo, já levantaram? – perguntou Ricardo.
– Já está sendo feito. O pessoal pediu 24 horas para levantar as informações sobre os cinco. Você acha que com essas informações vão ajudar muito? – perguntou Nando.
– Acredito que sim, sempre aparecem umas coisas interessantes. Acho que algumas coisas já estão se encaixando. – comentou Ricardo – Antes de vir para cá, dei uma passada na delegacia de Botafogo.
Nando ficou olhando para ele, esperando que o companheiro complementasse a informação.
– Sabia que os três jovens têm passagem por lá?
– Drogas? – arriscou Nando.
– Exato. E o Olavo também tem passagem, registro de queixa contra ele por conta de dívida de jogo.
– Que interessante. Só falta a dona Solange.
– Tem também. Tentativa de agressão a uma vizinha, uma idosa. – completou Ricardo.
– Uma idosa! Essa turma é boa mesmo, não perde tempo. Vamos ver o que mais o pessoal encontra.
– É, Nando. A pobre da dona Marieta estava cercada por parentes da pior qualidade.
– Com certeza. Pobre da velha, se não tivesse sido morta qualquer hora dessas ia morrer de vergonha. Mas, o importante é que estamos avançando. Então hoje você vai ter outra noite tranquila, hein Pinóquio? – provocou Nando.
– Grilo, grilo. O que posso dizer para você? Pretendo ter uma noite tranquila, mas antes vou ter um encontro.
– Um encontro? Mais uma pobre coitada que caiu na sua lábia.
– Não. Hoje a conversa vai ser de outro tipo. – falou Ricardo, relatando para o companheiro o telefonema de Mônica.
– Eita, o que será que ela quer?
– Não faço ideia, mas em breve vou ficar sabendo o que está deixando a moça aflita. – colocou Ricardo.
Então seu sono reparador vai ter que esperar mais algumas horas. – provocou Nando.
– Espero que seja por uma boa causa. – falou Ricardo consultando a mensagem de Mônica ao telefone. – Hora de partir, o dever me chama.
– Sempre preocupado com as pessoas, é quase um herói. Vamos nessa que eu deixo você em Botafogo.
– Partiu grilo. Vamos descobrir o que a Mônica quer.
Os dois deixaram a delegacia em direção ao bairro de Botafogo.