Conto A Morte da Viúva – Capítulo 11

11 – Mais algumas revelações

– Como era o relacionamento da sua avó com os dois filhos?

Marcelle abaixou seu olhar, ficou fitando a xícara de café por alguns instantes antes de responder. Depois de esperar aqueles segundos, ela levantou a cabeça e seus buscaram os do policial, antes de falar.

– Você quer saber mesmo a verdade, Ricardo.

– Com certeza, a verdade é muito importante para a solução de um crime.

– O relacionamento dela, não só com os filhos, mas também com os netos não era dos melhores. Ela tinha muitas restrições com relação à maneira como usávamos nosso dinheiro, isso sempre gerou confusões e discussões.

– Nós apuramos isso. Parece que ela não gostou de seu pai e sua tia terem vendido os postos de gasolina.

– Não gostou? Ela ficou puta da vida, isso sim. – emendou ela – Ela deu um ataque quando minha tia avisou que estava vendendo o posto dela. Depois disso, meu pai, que vendeu depois, nem contou pra ela, só comunicou que já havia vendido o dele. Foi a maior confusão.

– Deu muita briga?

– Sim, minha avó ficou meses sem falar com ele. Com o passar do tempo as coisas foram voltando ao normal. Pelo visto não adianta mentir para você, está muito bem-informado sobre a nossa vida. – sorriu ela.

– Faz parte do nosso trabalho buscar informações. Por isso, quanto mais vocês colaborarem, melhor para todos. – falou ele – E vocês três, os netos, como era a relação de vocês com ela?

– Não era muito diferente. Claro que não ganhamos postos de gasolina para vender, mas ela não gostava da maneira como levávamos a vida.

– Como assim?

– Vou ser bem franco com você. Nenhum de nós três mostrou muita vocação para o estudo, eu ainda entrei na faculdade de psicologia, mais tranquei matrícula no segundo período. Marcelo e Mônica nem isso, terminaram o ensino médio e pararam por aí. Essa situação irritava muito ela.

– Não é para menos. – comentou Ricardo – Ela fazia o que entedia ser o melhor para vocês. Geralmente os pais e avós agem assim, sempre procuram nos direcionar para o que acham ser o melhor.

– Tenho certeza, que sim. Acredito que ela sempre quis o melhor para nós, mas dentro de uma perspectiva do que ela achava bom e não do que nós achávamos.

– Mas em geral é assim que os mais velhos agem. Eles avaliam o que consideram mais importante por já terem vivido e acumulado uma maior experiência de vida. – tentou amenizar Ricardo.

– É verdade, mas ignoram a nossa vontade. Entendo que ela queria o melhor pra gente, mas precisava combinar conosco. Eu sempre quis fazer curso de teatro, mas ela sempre foi radicalmente contra e influenciou meu pai. Muitas vezes, para não entrar em atrito com ela, ele concordava com as opiniões dela.

– Então você queria ser atriz?

– Conheci algumas pessoas e queria fazer um curso, me aprofundar no estudo do teatro, mas ela fez a cabeça do meu pai e ele acabou cedendo a ela e não me deu dinheiro para eu fazer o curso. – relatou ela com uma ponta de tristeza.

– Eu consigo entender os dois pontos de vista, tanto o seu, quanto o dela. – falou Ricardo – Ela costumava interferir na vida de seus primos também?

– Sim, principalmente quando a questão envolvia dinheiro. Quando a questão envolvia gasto de dinheiro, ela tentava influenciar nossos pais. Sempre foi assim. Às vezes conseguia, às vezes não.

– Isso gerava muitas brigas?

– Quer saber se alguém tinha motivos para matá-la? – perguntou ela, se divertindo com a situação.

– Esse é um ponto importante a ser verificado. Você não imagina os motivos mais absurdos que levam as pessoas a matarem. – comentou ele.

– Isso deve ser muito louco, lidar com a morte todos os dias. Como você consegue?

– Tem horas que é muito difícil lidar com essa realidade. Todos os dias são dezenas de mortes, das formas mais absurdas. A maioria dos casos a polícia não consegue resolver. Mas é sempre gratificante quando você consegue fazer justiça. É legal saber que, de alguma forma, você ajuda as pessoas.

– Adorei seu discurso. – falou ela com um discreto sorriso de admiração no rosto.

Ricardo ficou observando a jovem por alguns segundos. Era uma beleza de jovem, bonita, inteligente, enfim, sinal de problema à vista. Decidiu que era hora de encerrar a conversa, pois aquilo poderia se transformar num problema.

– É um discurso que, infelizmente, ainda está longe da prática, pois na maioria das vezes não conseguimos solucionar os casos e muitos bandidos acabam saindo impunes. Mas faz parte do jogo. Gostaria de fazer mais uma pergunta, ao longo da semana que antecedeu o crime você falou com mais alguém da sua família, além do seu pai?

Ela parou para pensar por um instante.

– Além do papai, só a Mônica, que me ligou no início da semana.

– Algo especial?

– Maluquice dela, disse que tinha sonhado com o papai e estava preocupada, queria saber se estava tudo bem. Foi a única pessoa com quem falei.

– E seu pai?

– Não sei, não fico espionando o velho. – brincou ela.

– Tudo bem, é verdade. Você quer falar mais alguma coisa comigo. – comentou ele olhando o relógio.

– Já entendi, inspetor. Hora de ir embora. Não, acho que falei até demais. Mas foi muito bom poder conversar com você. – falou ela encarando o policial, olho no olho.

– Também foi muito bom conversar com você. – disse ele desviando o olhar.

– Não precisa ficar com medo de olhar nos meus olhos, não vou lhe fazer mal. – provocou ela, tocando na mão de Ricardo.

Ela não tirava os olhos dele e o policial se viu obrigado a fixar seu olhar na mulher. Foram alguns segundos que pareceram uma eternidade para ele. Há muito tempo ele não se sentia desconsertado diante de uma mulher, sem saber o que dizer.

– Até logo, Ricardo. Posso manter contato com você?

– Claro. Nós vamos manter contato com vocês, pode ficar certa disso.

– Não era isso que eu tinha em mente, mas por hora está de bom tamanho. Um beijo. – falou ela, fazendo o gesto do beijo com a mão enquanto se levantava para ir embora.

– Quer que eu leve você em casa?

– Não precisa se preocupar, vou aproveitar que estou aqui e dar uma volta no shopping. Mas agradeço a gentileza.

Eles se despediram e Ricardo ficou distraído, observando-a descer a rua até sumir de sua vista.

– E a aí, garotão, está sonhando?

A voz de Nando trouxe Ricardo de volta à realidade.

– Tudo certo.

– Pelo jeito está tudo certo demais. – falou Nando.

– O que você está falando?

– Que você está babando vendo a garota ir embora. Vai começar mais um rolo. Isso ainda vai acabar dando merda.

– Para com isso, porra. Vamos nos concentrar no que interessa. Você está cada dia mais engraçadinho.

– kkkkkkkkk. Agora que você voltou para a terra, podemos focar no que interessa. – brincou Nando.

Os dois foram para o estacionamento pegar o carro de Nando e voltar para a delegacia.

– Agora, me diga o que conseguiu de útil?

– Ela esteve mesmo com a avó naquela sexta-feira. Disse que veio visitar uma colega no prédio ao lado e passou para ver a avó. Mas disse que foi uma conversa banal, sem nada demais.

– Confirmar que esteve lá tudo bem, as câmeras mostraram isso. Agora dizer que discutiu com a velha é que ela não iria dizer. – Você tem razão. – falou Ricardo enquanto olhava pela janela do carro. Vários pensamentos passavam pela sua cabeça, Mônica, Marcelle, quem estaria mentindo ou as duas poderiam estar mentindo. Na verdade, sua percepção era que ambas estavam tentando manipulá-lo. Tudo bem, vamos seguir com o jogo e ver onde isso vai parar.

Capítulo 10

Capítulo 9

Capítulo 8

Capítulo 7

Capítulo 6

Capítulo 5

Capítulo 4

Capítulo 3

Capítulo 2

Capítulo 1

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